Abril Azul: a luta de caminhar do “nada” para o “pouco” - Revista Esquinas

Abril Azul: a luta de caminhar do “nada” para o “pouco”

Por Fabio Borges, Isabelle Fucidji Bignardi e Maria Eduarda Silva : abril 20, 2023

Reprodução: Freepik/jcomp

As mudanças que ocorrem para a compreensão do Transtorno do Espectro Autista (TEA) e a batalha na desconstrução de preconceitos envolvendo o autismo

Autos, palavra grega que designa “aquilo que funciona por si mesmo”. Foi empregada pela primeira vez para descrever a tendência de pacientes esquizofrênicos de se manterem alheios ao mundo social e imergir em sua própria realidade. Essa ideia criou mitos sobre um transtorno ainda não conhecido na época: o autismo.

Existe um culpado?

A teoria da “mãe-geladeira”, publicada pelo psiquiatra Leo Kanner em 1943, alegava que a possível causa para o autismo seria a relação pouco afetuosa dos pais com as crianças. Um dos maiores responsáveis pela proliferação dessa tese foi Bruno Bettelheim, escritor do livro “A Fortaleza Vazia”, que usou sua experiência do período em que ficou preso em um campo de concentração para fazer analogias com o espectro, comparando as crianças aos prisioneiros, e as mães aos soldados nazistas.

Outro mito que surgiu foi a teoria de que vacinas causavam o autismo. O responsável por propagá-lo, Andrew Wakefield, baseou-se apenas em lembranças de pais de crianças e supôs que os sintomas do Transtorno do Espectro Autista (TEA) teriam se manifestado após a aplicação da vacina tríplice viral. O médico, mesmo sem provas que comprovassem sua tese, recomendou que a vacina fosse evitada, e sua alegação impactou de forma negativa a vacinação mundial.

Assim, para que esses estigmas sejam desmistificados, é necessário conhecer as reais causas do autismo, sendo as principais delas fatores biológicos e epigenéticos. As causas epigenéticas são as intervenções ambientais sofridas no período de gestação, como deficiência de vitamina D e zinco, infecções virais e menores concentrações de hormônios essenciais, que podem gerar alterações no DNA do cérebro. Isso ocorre pois o cérebro humano é sujeito a mudanças, que podem desencadear no surgimento do TEA.

Descoberta crucial: a necessidade do diagnóstico precoce.

“O autismo é um assunto muito complexo, existem muitas correntes que acreditam em coisas diferentes, mas tem uma coisa que todas as correntes concordam: quanto antes se inicia o tratamento, melhor é o prognóstico, melhor é a qualidade de vida que aquela pessoa consegue atingir”, afirma Francisco Paiva Júnior, jornalista e editor-chefe da Revista Autismo. Normalmente, os primeiros indícios são identificados nos primeiros anos de vida e, preferencialmente, até os 3 anos de idade. Esse momento é propício para o início dos tratamentos.

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Abril é considerado o mês de conscientização sobre o Autismo.
Reprodução: Getty Images/iStockphoto

Entretanto, durante décadas, o espectro autista foi confundido com transtornos como esquizofrenia e psicose infantil, não sendo reconhecido como uma nova classe até os anos 80. A partir disso, ele foi desatrelado de outros distúrbios, fazendo com que sistemas de análises e diagnósticos fossem desenvolvidos. O neurologista Rubens Wajnsztejn afirma que um diagnóstico completo e ideal deveria ser realizado por uma equipe médica especializada, formada por psiquiatras, psicólogos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais.

Recomeço: A esperança em novos tratamentos.

O início dos tratamentos depende de cada caso e suas peculiaridades, que devem ser direcionados para os procedimentos necessários. “Toda criança é indicada para o tratamento de ABA (Análise do Comportamento Aplicada), mas por ser uma terapia comportamental, ela não é a única indicada para todos”, destaca o doutor Wajnsztejn, diretor da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil e presidente da Associação Panamericana de Medicina Canabinóide.

A Associação tem como objetivo criar discussões sobre o uso da Cannabis na medicina e progredir no processo de sua regulamentação. O canabidiol é muito procurado pois é indicado para diversas condições, dentre elas, o autismo. A sua utilização é benéfica pois auxilia as pessoas autistas no estresse, na agressividade, na interação social e no comportamento. “Muitas patologias ocorrem pelo desequilíbrio do sistema e a cannabis entra nele, oferecendo o equilíbrio necessário” afirma a psiquiatra e psicanalista, Eliane Nunes, criadora do movimento Mulheres e Mães Jardineiras (MMJ). 

O projeto social MMJ oferece apoio à mulheres e mães na regulamentação, plantação e extração do óleo da cannabis medicinal. “Só vamos conseguir regularizar se entendermos sobre o que estamos falando. Então, para nós termos a nossa autonomia, nosso controle, até das nossas fronteiras, a solução é plantar cannabis no nosso quintal. É uma questão de liberdade.” defende a doutora Nunes. 

Porém, o manuseio e extração caseiros não são defendidos por todos, já que a manipulação do óleo para fins medicinais depende da concentração das substâncias. “Quando as mães chegam com o óleo caseiro, eu não recomendo. A concentração de Tetrahidrocanabinol (THC), molécula mais psicoativa da cannabis, normalmente é de 25 a 30%, enquanto o THC liberado pela Anvisa, para o remédio, é de 0,3%. Então, quando produzido em casa, você não tem ideia do quanto tem de Tetrahidrocanabinol , e a concentração dessa substância no óleo pode ser prejudicial para o desenvolvimento do cérebro de uma criança”, atesta o neurologista.

A legalização da cannabis medicinal continua sendo uma questão à parte, devido aos preconceitos existentes com relação à planta e seus efeitos, além da falta de informação científica sobre o assunto. Esses motivos dificultam a regularização jurídica do canabidiol. “A questão é, o canabidiol seria liberado para quê? Epilepsia? Parkinson? Será que seria liberado para o autismo? Então, as pessoas não têm acesso aos tratamentos por dificuldade jurídica de liberação e pela falta de equipes completas de profissionais no sistema único de saúde”, complementa o doutor.

Autismo: inclusão para quem?

Dentro de um contexto histórico, o transtorno do espectro autista sempre foi visto como algo que deveria ser tratado à margem da sociedade. Por isso, o que vem acontecendo no âmbito escolar, já há muitos anos, é a exclusão de autistas, devido à forma como eles são tratados. “Então, geralmente são quarenta crianças e uma criança com alguma dificuldade, fazendo com que o profissional dependa de outras variações, como ter um assistente exclusivo para aquela criança e, a partir do momento que você tem um assistente exclusivo, a inclusão acaba”, enfatiza o psicólogo Fábio Nascimento, fundador do Centro Neurológico Jhuly TEA.

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Fita da Conscientização- Símbolo do Autismo.
Reprodução: Getty Images/iStockphoto

O direito ao acesso à educação por pessoas autistas é legítimo. Apesar disso, não há a estrutura necessária em escolas públicas e privadas para atender as necessidades dessas crianças e, por conta disso, muitos pais procuram escolas especializadas, que também possuem dificuldades. “Eu acho que a primeira dificuldade é que não existe o número suficiente de escolas para o número de crianças que temos. As escolas especializadas, em sua maioria, são particulares, custam valores altíssimos para famílias, que muitas vezes não têm condições financeiras para isso, e o governo limita demais o auxílio de bolsas”, conclui o psicólogo. Além disso, Fábio reforça a importância da inclusão escolar para o convívio social.

“É muito válida a inclusão escolar porque ali é onde a criança vai se socializar, ela vai ter ideia do que é o mundo exterior. É através da escola, da socialização, dos colegas, que a criança vai aprender muito além do ler e escrever… é uma vida que a escola vai apresentar para essa criança!”

No passado, muitos desconheciam o TEA. “As pessoas de fora, assim como eu, também não sabiam o que era autismo. Achavam que era falta de educação, que eu criei mimando, se negavam a ceder lugares preferenciais no transporte público, conseguia sentir os olhares me julgando quando ele tinha crises na rua, e pouquíssimas pessoas paravam para oferecer ajuda”, relata Auzeni Rosa, mãe do Rafael, que é autista. Então, com o intuito de ensinar e conscientizar a população mundial sobre essa condição, foi determinado pela ONU, que a data 2 de Abril seria o Dia Mundial da Conscientização do Autismo.

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Devido ao fato das informações confiáveis sobre isso terem sido, por tanto tempo, elitizadas, elas se tornaram inacessíveis para grande parte da população. “Eu já tinha um caminho com informações, e percebi que essas informações não estavam tão fáceis, tão acessíveis, e como jornalista eu já sabia onde procurar, quais fontes eram confiáveis. Então, eu fiquei imaginando: e as pessoas que não tem essa noção?”

Assim surgiu a Revista Autismo, criada pelo próprio jornalista, Francisco Paiva. Esse e muitos outros meios de comunicação auxiliaram na criação de redes de apoio entre os pais, que partilhavam suas experiências. “Quando se lida com o autismo 24 horas, e passa por certas situações, você acaba acreditando que seu filho nunca vai melhorar. A coisa mais importante é conversar com outras mães e ouvir outras experiências, mesmo que sejam casos diferentes, só relatos de outras pessoas que vivenciam isso renovam as nossas esperanças”, compartilha Auzeni.

No fim das contas, a árdua luta de caminhar até mesmo para o “pouco” teve que partir de pessoas que só querem combater preconceitos, disseminar informações verídicas e incluir autistas na sociedade. Também pai de autista, Francisco desabafa: “Nós temos um país continental, o governo não faz investimentos sobre isso para que não se tenha um número que vá gerar uma demanda. Não é interessante para o Estado você ter esse número, divulgar e depois a população cobrar ‘cadê as políticas públicas para essas pessoas?’, sendo que tem muita gente. É melhor achar que tem pouco ou que não tem, por ser cômodo”.

Editado por Mariana Ribeiro

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