Chorão por trás dos palcos: quem foi Alexandre Magno Abrão? - Revista Esquinas

Chorão por trás dos palcos: quem foi Alexandre Magno Abrão?

Por Mariana Cury, Tiffany Maria Costa, Renan de Oliveira Pagani e João Ricardo Soares Petrasso : agosto 1, 2023

“Eu acho que ele ficaria bem feliz assim de saber que ele também está sendo lembrado não só pelas músicas. Mas pela humanidade que ele tinha o coração enorme assim que era”/ Foto: Divulgação

Esquinas entrevistou algumas das pessoas que conviveram no âmbito mais íntimo da vida de um grande ídolo do rock nacional, Chorão 

Ele conquistou o seu “Lugar Ao Sol . Após mais de 10 anos da morte do vocalista da banda Charlie Brown Junior, o legado de Chorão permanece intacto e ainda demonstra forte impacto na juventude brasileira. Suas letras que ficam cada vez mais atuais, fazendo com que a mensagem do ídolo permaneça viva. 

Muitas vezes conhecido pela sua personalidade forte e briguenta, Alexandre podia ser muito diferente do Chorão que arrastava multidões de cima do palco. 

”Eu carrego ele no meu coração como uma das melhores pessoas que eu conheci na vida” – Samantha Jesus, produtora da banda. 

”O sentimento que eu tinha com o Chorão era de irmão. Só tenho boas lembranças.” – Maurício Cury, advogado da banda e amigo pessoal de Chorão. 

”O que eu mais me lembro do Alê era o fato dele ser muito transparente. Quando ele tava triste, ele chorava. Quando ele tava feliz, dava risada. Quando tava bravo, brigava. ‘Mentira’ era uma palavra que não existia no vocabulário dele.” – Marta Mandelli, responsável administrativa e financeira da banda. 

”Ele me deu a vida que eu tenho hoje. Acordo pensando nele e vou dormir pensando nele todos os dias. Sem falsidade, sem demagogia, sem nada…” – Kleber Atalla, motorista pessoal de Chorão.

”Ele tinha uma generosidade imensa, fazia questão de ajudar todo mundo que estava em volta dele. Ele queria que todo mundo tivesse bem para ele poder estar bem também.” – Graziela Gonçalves, companheira de Chorão até o final da vida.

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Chorão e Graziela no dia do casamento, em 2003. A história do casal é contada no livro “Se não eu, quem vai fazer você feliz?”, escrito pela própria Graziela.
Foto: Arquivo Pessoal

Se ninguém o ajudar, o que ele vai fazer?

Apesar desse assunto raramente ter sido pauta entre os temas que chamavam atenção na personalidade de Chorão, o artista é lembrado por seus amigos e funcionários – de maneira unânime – por ter sido uma pessoa extremamente caridosa e preocupada com aqueles que estavam ao seu redor. Desde ajudar fãs, até a elaboração de projetos sociais, Chorão “sentiu a dor e disso tudo fez a rima“. 

Em 2008, Chorão inaugurou no Hospital do Câncer de Barretos o Alojamento de Motoristas “Geraldo Abrão de Jesus”, uma homenagem a seu pai que faleceu de câncer. 

Maurício relembra um pouco dessa característica do amigo que, muitas vezes, preferiu manter no anonimato. 

“Para quem não conheceu ele pessoalmente dá muito para dizer quem era o Chorão pelas músicas. Um cara extremamente coração, o cara que ajudou muita gente por aí e queria ficar no anonimato. Não revelava isso para ninguém, ajudava pessoas, ajudava entidades, até com valores muito expressivos para época. Ajudou muito músico também. Fazia tudo isso quieto. Era uma forma que ele tinha de retribuir o sucesso que ele teve.”

Marta conta uma curiosidade que, na época, Chorão não sabia usar o cartão de crédito direito. Então ela, responsável pelas finanças do artista, precisava trocar várias notas pequenas, de cinco ou dez reais. Caso contrário, Chorão era capaz de se desfazer de grandes quantidades de dinheiro para ajudar quem passasse na rua. 

“Nesse quesito ninguém tem o que falar, eu fui super testemunha. Tinha que sair do banco cheia de notas pequenas para ele andar no bolso. Se ele visse um morador de rua, ele dava tudo. Então eu tinha que trocar o dinheiro em notas bem baixinhas para caber no bolso dele e ele ir gastando aos poucos.” 

Já para Kleber, a generosidade de Chorão foi responsável para que o motorista tivesse uma segunda oportunidade na vida. Ele conta que teve uma infância conturbada de ”sexo, drogas e rock and roll”’. Kleber foi dependente químico por mais de vinte anos e chegou a ficar quatro anos preso. Depois de dois anos de prisão, Chorão soube do que estava acontecendo com o amigo que havia feito alguns anos antes e numa visita para Kleber falou: ”calma, eu tenho um propósito para você.” Foi nessa oportunidade, que Kleber virou motorista pessoal do Chorão e da Graziela, sua esposa. 

”Fizemos uma amizade de pacto, sabe? Aquelas coisas de outro mundo… Ele mudou a vida de muita gente!”

“Eu acho que ele ficaria bem feliz assim de saber que ele também está sendo lembrado não só pelas músicas. Mas pela humanidade que ele tinha o coração enorme assim que era”, Grazi.

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Chorão e Kleber.
Foto: Arquivo pessoal 

Histórias, nossas histórias 

Marta relembra um episódio de um dia da banda que deu tudo errado, a gravação do DVD do Charlie Brown Jr no Citibank Hall. 

”O Chorão conhecia muita gente, então quando os eventos eram em São Paulo ele fazia questão de convidar muitas pessoas. Até tivemos que brigar com a T4F para conseguir mais ingresso, a casa estava lotada.” 

A produção da banda havia separado um telão de led para o fundo do palco, na segunda música o telão queimou e desafinou todos os instrumentos. No meio do evento, a gravação foi cancelada. 

”Foi um estresse absurdo, não tínhamos mais verba para outro DVD”. 

Foi nesse episódio que a banda foi ”convidada a se retirar” da gravadora e se tornou independente. 

Apesar de tudo ter dado errado, Marta lembra desse dia pela maneira que Chorão, ainda que muito estressado, lidou com o restante do show. 

”O mais interessante dessa história é que quando ele viu que deu tudo errado, falou: ‘Vamos todo mundo afinar e a gente termina o show só por respeito às pessoas que estão aqui’. Ele encerrou o show muito nervoso ainda, mas fez questão de terminar por consideração às pessoas que estavam ali, ele se preocupava muito com isso. Sem dúvidas, em todos meus anos de Charlie Brown, esse foi o dia que deu tudo mais errado, uma das histórias mais marcantes para mim.”

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Marta e Chorão.
Foto: Arquivo Pessoal

Maurício aponta a característica de perseverança e passionalidade do amigo e cliente. 

”Ele era um cara que brigava por aquilo que era dele. Se ele entendia que aquilo era dele, ninguém tirava. E, às vezes ele até  tinha uma interpretação errada, mas ele brigava até o fim, que é um pouco da música “Lutar pelo que é meu”. Então muitos dos conflitos do Chorão, pessoais e profissionais, se deram porque, de alguma razão, ele brigava por aquilo que ele entendia que era dele. Então, uma coisa que ele não admitia era falar mal da banda dele, falar mal dos músicos dele. Tanto musicalmente, quanto pessoalmente. Ele brigava muito pelas coisas que ele acreditava. Ele era um cara extremamente passional, que colocava o coração na frente de qualquer outra coisa, de modo que isso trazia muitos conflitos naturais com as pessoas. Tudo que o Chorão se envolvia era de corpo e alma. E ele também não admitia que as pessoas se envolvessem pela metade. Então ele era um cara muito intenso. Ele amava as pessoas com muita intensidade. Mas também se ele passasse a odiar aquela pessoa, ele odiava com muita intensidade. 

Graziela, que acompanhou toda a trajetória da carreira de Chorão, também diz o mesmo sobre a insistência do vocalista.

“Ele acreditava cegamente, mais do que qualquer outra pessoa, que iria conseguir. Então, realmente, a vida dele era aquilo da hora que ele acordava até a hora que ia dormir. Ele estava sempre criando esquemas para conseguir chegar em algum lugar.”

Ainda nesse sentido da perseverança, o advogado relembra um dia que tinha certeza que a gravadora rescindiria o contrato da banda. Em uma discussão com a gravadora, Chorão acabou xingando os diretores da empresa. Então, os dois foram à uma reunião no Rio de Janeiro que tinha tudo para ser horrível, no fim, Chorão contornou a situação tão bem que saiu com uma proposta milionária para a gravação de um DVD e com o contrato renovado. 

”Ele reconhecia muito quando errava, sabe? Mas isso também não era de graça. É porque ele era um artista de muito interesse para as gravadoras. Tudo o que ele produzia acabava virando sucesso. O Chorão tinha esse dom, era muito bom negociador, bom contador de histórias, no bom sentido. Tinha uma conversa muito boa, era bom de papo, né?  Mas a gente não pode esquecer disso: tinha um alto interesse da indústria também.”

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Maurício e Chorão. O advogado também foi padrinho de casamento do casal.
Foto: Arquivo Pessoal

”Ele era uma pessoa muito inteligente, com certeza, um dos artistas mais inteligentes com que eu já trabalhei.”, diz Samantha, produtora musical. 

Samantha, que acompanhou de perto a rotina de Chorão durante nove anos, lembra que o artista estava sempre atrasado. 

”Eu tive que estabelecer uma rotina de mentir os horários, ele atrasava demais. Tinha dias que eu pensava: ‘hoje ele vai receber uma latada do público quando subir no palco!’ Mas ele tinha o poder do magnetismo, era genial mesmo, né? Então quando ele chegava no lugar – atrasado – ele já pedia o microfone do camarim e começava a amansar o pessoal. Começava a fazer rima, acalmar o público, então ele nunca tinha um castigo quanto a isso. Ele era genial nesse sentido do palco, era uma coisa que não tinha explicação. Até hoje, poucos foram como ele. Ele chegava em palcos de grandes festivais e parecia que uma entidade tinha entrado ali, sabe? O que ele falava pro pessoal fazer, eles faziam e se emocionavam.”

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Chorão e Samantha.
Foto: Arquivo Pessoal

Conexão com o público e o sonho do legado: só o que é bom dura tempo o bastante para se tornar inesquecível

”Deixar um legado era o sonho da vida dele.” – Maurício

”Algumas semanas antes de falecer, eu perguntei para ele: ‘Cara, você não tem medo de alguma coisa acontecer com você?’ Ele me respondeu: ‘Eu já virei lenda.’ – Samantha

”Ele tinha muito carinho por onde passava. Ele podia estar do estado que fosse, ele sempre tinha um sorriso para dar e uma palavra legal para falar para o fã.” – Kleber 

”É um carinho pelo Brasil inteiro, todo lugar que ele já tocou tem uma foto dele.” – Samantha

Durante a pandemia, em 2020, Charlie Brown Jr foi a banda brasileira mais escutada do Spotify. Resultado que só é possível devido ao grande talento da banda, mas mais do que isso, a criação de uma identidade e conexão que se perpetua entre os jovens até hoje.

Maurício lembra de um episódio muito marcante que Chorão teve com uma fã no Chorão Skate Park em Santos, situação que representa bem o impacto que sua personalidade e músicas exerciam – e exercem até hoje – nas pessoas. 

”Um dia apareceu uma fã de 14 anos que veio sozinha de Curitiba para Santos. Ela brigou com os pais, pegou um ônibus e disse que só sairia da porta da pista quando o Chorão viesse falar com ela. Olha a responsabilidade, né? Uma menina de 14 anos… Ele me ligou perguntando o que deveria fazer nesse caso, legalmente. Eu falei para ele acolher ela – junto de outras pessoas – e ir lá conversar com a menina. ‘O que ela está querendo é te ouvir.’ Ele fez isso e convenceu ela a voltar para casa, contatou os pais e providenciou a passagem para Curitiba. Isso mostra a grandeza e a responsabilidade que ele tinha, esse poder das palavras. Nos shows a gente via muitas pessoas com o nome da banda tatuada, ou, até mesmo, o retrato dele. Isso é muito forte, né? Muito intenso. Ele tinha essa obrigação de tratar muito bem os fãs, dizia: ‘Eles que compram minhas músicas, só estou aqui por causa deles.’’

Graziela também relembra um episódio que marcou muito a vida de Chorão. Em um período em que ele já enfrentava uma difícil questão de dependência química, cismou com a ideia de ser bombeiro. O que acontece é que existe um limite de idade e ele já havia ultrapassado. 

”A fama é muito traiçoeira, ela oferece o mundo. Mas naquele momento, já não existia mais espaço para o indivíduo Alexandre, era apenas para o ídolo. E ele precisava, desesperadamente, ser o Alexandre de novo, encontrar algum outro sentido. E quando a gente soube dessa limitação da idade, eu falei que ele já era um bombeiro na vida de milhares de pessoas. ‘Eu sei que agora você não consegue ver, mas a sua música e suas palavras ajudam as pessoas todos os dias.’ 

Graziela finaliza dizendo que, sem dúvidas, ele estaria muito feliz e surpreso com o impacto que sua obra ainda possui. 

”O Charlie Brown foi uma banda muito marginalizada no começo, ele teve que correr muito atrás desse reconhecimento. Inclusive, não foi em vida o que é hoje. Ele tinha uma frustração de nunca ter conseguido fazer um show gratuito na praia de Santos. E hoje, isso acontece, entendeu? Ele estaria muito feliz com isso e, também, por ser lembrado não só pelas músicas mas pela generosidade e coração gigante que ele tinha.”

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Ao serem perguntados sobre a saudade, a resposta positiva sobre Chorão foi semelhante. 

“O Chorão marcou muito a gente, ficou muito marcado, né? Eu não tenho tatuagem nenhuma no corpo, mas a gente é marcado, né? É foda… difícil. Se eu soubesse que aquele seria o último momento que eu ia encontrar ele, eu falaria obrigado. Por tudo.” – Maurício

“Eu sou muito grata como eu disse. Amo muito ele vou levar ele para a eternidade.” – Samantha

Com dez anos de sua partida, Chorão ainda move uma legião de pessoas com suas letras emocionantes que relembram a todos que somos “livres para poder sorrir e livres para poder buscar o nosso lugar ao Sol”. 

Editado por Redação

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