Qual o panorama dos investimentos no setor do cinema nacional e as tendências para a área de acordo com pesquisas, dados e profissionais?
O cinema abriga, para além de suas grandes produções, histórias cotidianas, que fazem parte das memórias individuais e de toda uma sociedade. No entanto, o cinema vem perdendo seu espaço há algum tempo, seja por novas tendências no mundo audiovisual, seja pela falta de investimentos e valorização.
Como estão ocorrendo os investimentos na área cinematográfica atualmente?
Nos últimos anos, o cinema nacional vem enfrentando desafios e oportunidades. A ascensão das plataformas de streaming e novas formas de distribuição, por exemplo, tem ampliado o alcance do cinema brasileiro, permitindo que mais pessoas tenham acesso a esses filmes. Assim como em muitos países, a indústria cinematográfica enfrenta desafios financeiros e estruturais, como a captação de recursos para produções, a distribuição em larga escala e a competição com produções estrangeiras.
O cinema nacional também busca maior diversidade e representatividade, tanto na frente quanto atrás das câmeras, para refletir a multiplicidade de experiências e vozes do país. A obtenção de investimentos nas produções cinematográficas pode ser um processo complexo e competitivo. Produtores e cineastas geralmente precisam desenvolver planos de negócios, apresentar projetos detalhados e buscar parcerias estratégicas para viabilizar a produção de seus filmes. As políticas de investimento no cinema nacional podem variar de acordo com cada país e suas regulamentações específicas.
No Brasil existem leis de incentivo fiscal, como a Lei do Audiovisual e a Lei Rouanet, que oferecem benefícios fiscais para empresas e indivíduos que investem em produções audiovisuais. Além disso, o governo, por meio de agências e fundos de fomento, pode oferecer subsídios, incentivos fiscais e linhas de financiamento para apoiar a produção cinematográfica nacional.
Em território brasileiro, a Agência Nacional do Cinema (ANCINE) é responsável por fomentar e regular o setor audiovisual. Empresas privadas, investidores e patrocinadores também podem investir diretamente em produções cinematográficas, seja por interesse artístico, retorno financeiro ou como parte de sua estratégia de responsabilidade social e marketing.
Através de acordos de coprodução com outros países, produtores brasileiros podem buscar financiamento e parcerias para seus filmes. Essa forma de investimento permite acesso a recursos de produção e distribuição em mercados internacionais. Com o advento de plataformas de crowdfunding, como o financiamento coletivo, é possível arrecadar fundos diretamente do público interessado em apoiar projetos cinematográficos.
Durante um evento realizado no dia 23 de março, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Margareth Menezes, Ministra da Cultura, apresentou investimentos no setor audiovisual brasileiro, a partir de um novo decreto de fomento à cultura: “O campo cultural é muito diverso, abrigando desde dinâmicas comunitárias até empreendimentos econômicos de alta complexidade como o setor audiovisual. E hoje aqui, com o Presidente Lula, nós anunciamos R$ 1 bilhão para o audiovisual brasileiro e suas produções.”
Esses recursos serão gerenciados pela ANCINE, que já deu início a mais de 250 projetos cinematográficos, quais receberão investimentos públicos acima de R$450 milhões.
Além disso, durante uma reunião realizada no dia 24 de março, os diretores da ANCINE apoiaram o lançamento de duas novas Chamadas Públicas que irão disponibilizar mais de R$163 milhões em investimentos, para que assim o empreendedorismo audiovisual possa ampliar as possibilidades de criação, bem como colaborar para geração de emprego, renda e inclusão, após a retomada das atividades pós-pandemia.
A pandemia teve um impacto significativo na indústria cinematográfica em todo o mundo, incluindo o Brasil. As medidas de restrição, como o distanciamento social e o fechamento de cinemas, resultaram no adiamento ou cancelamento de muitos projetos de filmes. Além disso, a crise econômica causada pelo vírus acabou afetando alguns dos recursos disponíveis para investimentos no setor.
Durante esse período, observou-se um aumento na produção de filmes independentes e uma maior utilização de plataformas de streaming para distribuição de conteúdo. As redes de streaming investiram pesadamente na produção de conteúdos originais e exclusivos, atraindo novos assinantes e retendo os já existentes. Esse conteúdo diversificado e de alta qualidade foi uma estratégia eficaz para aumentar a base de usuários.
Ocorreram também diversas parcerias entre empresas de entretenimento e provedores de serviços para oferecer pacotes combinados a preços atrativos, tornando a assinatura mais atraente para os consumidores. Com o aumento da adoção de dispositivos móveis e smart TVs, juntamente com a disponibilidade de conexões de internet mais rápidas, tornou o streaming mais acessível e prático para um número maior de pessoas. Esses fatores combinados levaram a um crescimento exponencial nas assinaturas e no tempo gasto nas plataformas de streaming durante a pandemia, consolidando ainda mais a presença dessa indústria no mercado do entretenimento.
O Brasil vêm tentando conquistar destaque nas plataformas de streaming, recentemente, a série teen “De Volta aos 15”, estrelada por Maisa Silva e Camila Queiroz está tendo uma grande recuperação na Netflix, fazendo a produção nacional liderar o Top 10 do streaming. Segundo um levantamento realizado pela própria plataforma, a série teve 7,9 milhões de horas consumidas e 2 milhões de visualizações totais na semana de 3 a 9 de julho. Tornando-se assim a única produção do Brasil no ranking, ocupando a sexta posição.
Além disso, a plataforma Globoplay é um exemplo de catálogo com opções nacionais, algumas que foram até mesmo indicadas ao Emmy Internacional como “Sob Pressão”, “Onde Está Meu Coração” e “Justiça”. De acordo com o Portal UOL, em apenas dois anos, a Globo investiu cerca de R$ 150 milhões em dez séries nacionais, entretanto segundo um levantamento divulgado pela Globo a anunciantes, as séries mais assistidas foram “The Good Doctor” e “The Big Bang Theory”, ambas produções estadunidenses.
Existem diversas obras nacionais de alta qualidade e apreciar a produção cinematográfica local é uma forma de valorizar a cultura e as narrativas próprias do país. Mas por que os brasileiros preferem filmes estrangeiros?
De acordo com Geovanna Reliquais, estudante de cinema, os filmes internacionais, por oferecerem uma perspectiva diferente, mostrando culturas e realidades distintas das que os espectadores estão acostumados, acabam despertando a curiosidade e o interesse dos telespectadores. Além disso, frequentemente eles recebem reconhecimento e prêmios em festivais de cinema de renome, o que aumenta ainda mais a sua visibilidade e credibilidade perante o público. Esses prêmios podem ser vistos como um indicador de qualidade e por isso atraem a atenção das pessoas. Isso porque grandes indústrias como Hollywood, geralmente têm um maior investimento em produção, marketing e distribuição, resultando em uma maior divulgação e disponibilidade desses filmes em todo o mundo, tornando-os mais acessíveis ao público.
Ela cita também que a percepção de desvalorização da arte cinematográfica no Brasil pode ser atribuída principalmente à falta de infraestrutura adequada, como salas de cinema em quantidade suficiente e equipamentos modernos, podendo dificultar a exibição e a distribuição dos filmes nacionais. Isso pode levar a uma menor visibilidade e alcance do público para as produções brasileiras. Os filmes estrangeiros, especialmente de Hollywood, mas geralmente têm um maior investimento em marketing e distribuição, além de uma ampla divulgação internacional.
“Os Estados Unidos investem no cinema e esse investimento faz com que eles gerem valor nas produções. Por exemplo, vão fazer a sequência de “Auto da Compadecida”, um dos filmes mais conhecidos da indústria cinematográfica brasileira, porém grande parte dos brasileiros não sabe disso. Agora, se forem questionar sobre produções dos EUA, como Barbie, ou os próximos lançamentos da Marvel, grande parte das pessoas vai saber sobre. Então é basicamente uma questão de estarmos acostumados a assistir só cinema estrangeiro, e também, por não vermos investimentos no nosso cinema, automaticamente ligamos ele à algo de baixa qualidade.”
Mas, o cinema brasileiro já teve um grande destaque em seu território?
Nos meados de 1960, com o Brasil passando conturbados momentos em relação às suas políticas, como o início das tendências militares que se alastram até parte dos anos 80, um movimento cinematográfico surge para suprir as necessidades de denúncia da realidade social vivida pela maioria dos brasileiros.
O movimento “Cinema Novo” é, segundo críticos de cinema como Arthur Tuoto, um dos mais importantes períodos da história cinematográfica brasileira.
Este período modernista brasileiro possui fortes inspirações do “Neorrealismo Italiano”, movimento que desponta na Itália nos anos 40 e que obtém um forte cunho social ao falar sobre a condição da classe trabalhadora da época.
Porém, diferentemente da cinegrafia italiana neo realista, o “Cinema Novo” tenta assimilar as suas obras os elementos da cultura brasileira e pende a ser mais experimental em relação à linguagem cinematográfica, segundo Tuoto.
Com o surgimento dessas novas tendências no cinema brasileiro dessa época, muitos diretores se destacam. Alguns dos nomes são Glauber Rocha, Paulo César Saraceni, Joaquim Pedro de Andrade e Cacá Diegues.
Além de serem considerados, nacionalmente, os maiores diretores que já passaram pelo território brasileiro por diversos críticos de cinema e diretores nacionais, como Eryk Rocha, filho de Glauber Rocha, são internacionalmente celebrados por diversas figuras.
“Eu vi os filmes do Cinema Novo, no Museu de Arte Moderna, em 1969 ou 1970. Assisti a ‘Terra em Transe’ e ‘Os Fuzis’ na versão original, sem legendas. Foi uma experiência muito, muito forte. Eu nunca tinha visto aquela combinação de estilos e, honestamente, a humanidade, a paixão tão poderosas nos dois filmes.”
A declaração é de Martin Scorsese, diretor que possui um Oscar de melhor direção e oito indicações na mesma categoria, além de dirigir filmes como “Os Bons Companheiros” e “Taxi Driver”.
Ao chegar em meados dos anos 80, o Cinema Novo foi se dissipando por conta de filmes norte-americanos com suas grandes entradas no Brasil e o fim das tensões militares no território. Contudo, é tido por muitos como um dos mais importantes períodos do cinema brasileiro.
O Cinema Brasileiro, mesmo não sendo reconhecido em seu território, é popular internacionalmente?
É inegável que mesmo com hits (palavra usada ao falar sobre filmes com grande alcance de público) como “Central do Brasil” ou “Cidade de Deus”, que até mesmo gerou indicações à premiação do Oscar em 2004, incluindo melhor direção, o cinema brasileiro não é reconhecido nacionalmente, gerando até mesmo comentários de grandes diretores sobre o tema.
“Hoje, o que se vive no Brasil, em termos de produção audiovisual, é uma batalha bem dura, muito semelhante com a que vivi no começo dos anos 1990 (quando do fechamento da Embrafilme), mas com o agravante sinistro de estarmos sob a égide de um poder que relata seu profundo desprezo pela cultura e todos seus correlatos, sem o menor constrangimento”, comenta Karim Ainouz, diretor de “Os Marinheiros das Montanhas”, com exibição no 74⁰ Festival de Cannes, ao falar sobre o cinema nacional e sua recepção em seu território.
Porém, em uma maior escala, o Brasil obtém um papel importante na cinegrafia internacional?
Em primeira análise, pode parecer que filmes brasileiros são subjugados em lugares exteriores também.
Contudo, ao ver sua participação em festivais, como o de Sundance e Berlim, percebe-se certa discrepância da análise a priori.
O Festival de Sundance, inaugurado pelo ator Robert Redford, já premiou, em seus mais de 38 anos de existência, 9 filmes brasileiros, além de contar com outras dezenas de filmes do território nacional.
Ainda abordando os film-festivals (festivais de filmes), no festival de Berlim do ano de 2019, além de Eliza Capai ser premiada pelo seu longa Espero a tua (re)volta, Cláudia Priscilla e Kiko Goifman ganharam o prêmio de melhor documentário com temática LGBTQI+ pelo filme Bixa Travesti.
Saindo do polo de festivais e indo para listas mundialmente conhecidas na comunidade de filmes, o Letterboxd, site onde indivíduos de todas camadas cinematográficas e de diversas regiões do planeta catalogam filmes, abriga uma lista de seu top mundial onde há, nos 250 filmes mais bem avaliados do aplicativo, 3 filmes nacionais que já passaram pela lista, sendo eles “Marte Um”, “O Auto da Compadecida” e “Cidade de Deus” (que ainda está na lista, na posição 15 dos 250).
Além disso, a Janus Films, produtora norte-americana de Martin Scorsese e restauradora de filmes antigos, restaurou alguns filmes brasileiros como “Limite”, clássico “cult” de Mário Peixoto lançado em 1931, e, recentemente, adquiriu “Pixote: A Lei do Mais Fraco”, filme suburbano de Hector Babenco lançado em 1981, para integrar suas coleções lançadas pela Criterion Collection, serviço de filmes que possuí vários clássicos de diferentes países.
Com isto, mesmo que o mercado nacional não tenha tanto destaque no exterior, e muito provavelmente continue deste modo, é inegável sua influência em certas partes do território internacional, como até mesmo em produções de Scorsese.
Mas afinal, atualmente, qual é o cenário do cinema brasileiro?
No recorte atual, é inerente que a pandemia ainda esteja afetando o cinema brasileiro, pois é algo muito recente. Na medida em que, desde o começo de 2022 até agora, apenas 5 milhões de brasileiros foram aos cinemas assistir filmes nacionais em relação a 23 milhões que foram em 2019. Pois, até nos números gerais, contando filmes brasileiros e estrangeiros, os números de receita dos cinemas no Brasil só voltarão ao nível de 2019 em 2026, segundo a Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia 2022-2026, da PwC.
E na análise da situação do cinema pré-pandemia, é possível perceber que houve estabilidade nos números, apesar de mostrarem uma dura realidade na comparação dos filmes nacionais e estrangeiros. Por exemplo, no recorte de 2013 até 2019, houve uma média por volta de 145 milhões de brasileiros nos filmes estrangeiros e apenas 23 milhões nos nacionais e a média de salas por semana de lançamento de filmes nacionais foi por volta de 90 salas enquanto das estrangeiras foi de 239, segundo os relatórios da Ancine.
Apesar de números que mostram uma desvalorização do cinema brasileiro, nos últimos anos tivemos vários pontos positivos. Na lista dos dez filmes com maior audiência da história do cinema nacional, cinco foram lançados após 2015, as produções ‘’Nada a Perder – 2018’’, ‘’Minha Mãe é Uma Peça 3 – 2019’’, “Os Dez Mandamentos: O Filme – 2016’’, “Minha Mãe é uma Peça 2 – 2016’’, “Nada a Perder 2 – 2019’’. Além de ter dois filmes indicados ao Oscar nesse período, “O Menino e o Mundo – 2016’’ e “Democracia em Vertigem – 2019’’.
Segundo Louisiane Cardoso, jornalista, o maior gênero dos últimos anos é a comédia, muito por conta dos grandes comediantes como Paulo Gustavo, Leandro Hassum e Tatá Werneck que são estrelas desses filmes de comédia e atraem muito a atenção do público. Por isso, 14 dos 20 filmes com maior bilheteria, do recorte de 2009 a 2019, são de comédia.
Como no mundo inteiro, o cinema brasileiro foi impactado pelos streamings. Em 2021, por exemplo, a Netflix e a Amazon Prime Video investiram mais de 5 milhões cada para produzir filmes e séries no Brasil. Porém segundo relatório da ANCINE, as maiores plataformas de streaming no Brasil tem uma participação de títulos brasileiros muito pequenas, como Netflix e Amazon, por exemplo, tendo apenas 6% e a Globoplay, que é uma das maiores nacionais, tendo apenas 30%.
A migração do cinema para outros meios de mídia dita o seu fim?
Cinema é sonho. Dentro de um filme, podem ser abordados diversos assuntos, bem como perspectivas e posicionamentos. O cinema abriga um grande repertório sociocultural; uma vez que é universal e possui ramificações globais, pois cada parte do mundo inclui traços e características próprias nos filmes que produz.
Por um viés sociológico, o cinema é um objeto de estudo gigante, rico em informações para se explorar, essencial desde que o mundo é mundo. O cinema permite que, em uma linearidade cronológica a partir do enredo, o espectador crie uma certa conexão com os cenários, os personagens, os assuntos abordados, e possa se sentir mais próximo de determinada cultura e exibição.
Para ilustrar este debate, trazemos a perspectiva do estudante de cinema Paulo Mucheroni (25), que atualmente atua como cineasta. Paulo discorreu um pouco sobre os temas abordados e, ao ser questionado sobre o crescimento do cinema no Brasil, se posiciona dizendo:
“O que mina de fato o crescimento é principalmente incentivo. Nós temos produções incríveis, renomadas, premiadas, obras brilhantes e essenciais inclusive feitas por cineastas de guerrilha, mas que infelizmente não chegam ao grande público como uma produção de um grande estúdio gringo por exemplo. Tivemos a pouco um governo que literalmente ‘quebrou’ o cinema brasileiro. É preciso que a cota de tela seja reforçada, que as grandes salas de cinema exibem de fato o que está sendo produzido dentro do país, a taxação do serviço de streaming precisa ser discutida com seriedade, as leis de incentivo precisam ser solidificadas e que inclusive abracem o pequeno produtor.”
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Quais são as tendências do cinema mundial?
Há muito tempo Hollywood é o maior polo cinematográfico do mundo. Então, são as produções norte-americanas que costumam ditar o rumo e as tendências do cinema dos outros países. Nos últimos anos é possível perceber que houve uma crescente nos filmes ‘’blockbusters’’, muito por causa da grande quantidade de filmes de super-heróis. E esses filmes, estão criando um momento do cinema, em que existe um monopólio de ‘’blockbusters’’, e filmes menores estão perdendo espaço, nas salas de cinema e sendo menos produzidos.
Isso, segundo Daniel Loría, diretor editorial do Boxoffice Pro, em entrevista para a CNN Entertainment, está acontecendo pois os grandes estúdios de cinema estão cada vez menos apostando em filmes menores, e assim, escolhendo lançar menos filmes nos cinemas, mas os que eles lançam são os “blockbusters’’, que em tese darão um retorno financeiro muito maior. Isso pode ser visto na lista das maiores quinze maiores bilheterias da história, em que doze filmes são ocupados por produções que vieram depois de 2015. E outro ponto notável é que praticamente todos os filmes da lista, são filmes de super-heróis, continuações e “remakes’’ de outros “blockbusters’’.
Recentemente, o que ganhou muito espaço na indústria cinematográfica foram os streamings. Encabeçado pela Netflix, as plataformas de vídeo passaram, de apenas oferecer filmes anteriormente lançados por outros estúdios, a começar a lançar filmes produzidos por elas mesmos. E isso está mudando a forma de como filmes são assistidos pelas pessoas, criando uma massa de pessoas que preferem assistir filmes em casa a nos cinemas.
“Não acho que seja bom para o Cinema, pois mina a experiência ideal com o filme, ao mesmo tempo que acho que democratiza o acesso à obra também. Nada é preto no branco’’, opina a jornalista Maria Fabiana Lima.
Dessa forma, com a pandemia da covid-19, todos esses pontos foram muito potencializados. Pois, como as pessoas ficaram em suas casas, os grandes estúdios como Disney, Warner Brothers e Paramount perderam muito dinheiro, como por exemplo o lucro de entretenimento vindo de cinemas caiu de 43% para 15% em relação ao lucro total de entretenimento mundial, de 2019 para 2020. E o lucro de entretenimento digital subiu 31%, nesse período, segundo uma pesquisa da Forbes. Em razão disso, os grandes estúdios priorizando grandes ‘’blockbusters’’ nos cinemas e deixando de lado menores filmes. E as plataformas de streamings estão lançando em um ritmo maior filmes de produções próprias.
O mundo em contato por meio de uma transmissão
O cinema vem perdendo seu espaço para documentários, séries, e vídeos de redes sociais. E para entender o porquê disso, é preciso levantar alguns pontos importantes que são apontados como os “motivadores”. Inquestionavelmente, o streaming é o primeiro deles. Uma tecnologia pensada em funcionalidade e rapidez, uma verdadeira tendência do mercado que – além de ter dado muito certo – permite a transmissão de dados através da internet sem que o conteúdo precise ser baixado ou armazenado. O que possibilita fácil e rápido acesso ao espectador, tal como viabiliza que o conteúdo seja consumido em diferentes dispositivos móveis.
Segundo uma pesquisa da Nielsen Brasil com a Toluna, 42,8% dos brasileiros entrevistados consomem streamings, como a Netflix, o Prime Video, a HBO, entre outros, diariamente e 43,9%, uma vez na semana, inclusive, o Brasil está em segundo lugar no ranking de países que mais consomem a tecnologia no mundo.
Será o streaming, o cinema do futuro?
Essa discussão é algo que permeia grande parte da indústria cultural, e que quando estudada a fundo, permite um viés amplo da dimensão deste assunto, que pode ser visto por vários espectros.
Em primeiro lugar, o custo. Para ter acesso aos streamings, é necessário que um valor seja pago mensalmente, “liberando” assim, o acesso aos conteúdos disponibilizados pelo mesmo. No entanto, quando comparado a uma ida ao cinema, esse custo acaba compensando. O ingresso, somado à locomoção e os próprios gastos extras do cinema, como a tradicional pipoca e o docinho que completa o combo, acabam saindo mais caros que a taxa mensal dos streamings.
A ideia do cinema também é ligada à uma certa permanência. Ou seja, se o filme escolhido pelo espectador tem duração de duas horas, serão duas horas contínuas dentro de uma sala da sala, sem espaço para intervalos ou pausas. No conforto de casa, é possível ver um filme e ter a vantagem de começar e parar a qualquer instante, sabendo que quando você quiser voltar a assistir, retornará exatamente de onde parou.
Paulo faz sua ressalva, declarando que:
“Essa migração – se assim posso dizer – já vem acontecendo a alguns bons anos, por inúmeras razões diferentes. Um grande ponto a ser debatido é que o cinema hoje em sua maioria não é mais acessível. Um ingresso comum para um filme em uma sessão segunda-feira à noite custa em média quarenta reais em grandes redes de cinema, enquanto um dos streamings com valor mais alto custa cinquenta e cinco reais por mês na sua melhor versão, com inúmeras séries, documentários e inclusive filmes. Você pode assistir em qualquer momento do dia, além de poder pausar e várias outras vantagens, mas um streaming nunca vai conseguir superar a sensação de estar e assistir um filme na telona do cinema. Outro fator importante a ser citado é que a pandemia forçou as pessoas a assistirem conteúdo nas plataformas, o que deu um ‘boom’ em todo esse processo.”
Por outro lado, ainda que para o consumidor o custo benefício compense, algumas pessoas questionam o futuro do streaming por um único fator; o financeiro. Afinal, por mais que tenham vários assinantes, a grande parte do dinheiro recebido é investida em recursos para aprimorar cada produção e torná-la excepcional. Mas essa teoria de que o custo não compensa, cai por terra quando notamos que o retorno vem sendo bem positivo aos streamings, visto que, em 2022 por exemplo, o Oscar – maior premiação de filmes mundial – contou com 24 indicações de filmes originais da Netflix, causando muito reconhecimento e visibilidade, uma verdadeira vitrine.
Se o cinema é sonho, ser indicado ao Oscar é o sonho de todo cinema.
E o papel das redes sociais?
Também é indispensável evidenciar a influência das redes sociais para isso, como por exemplo, o TikTok. Criado em 2016 e tendo estourado na pandemia, a rede é alimentada com conteúdos de diversos segmentos, e teve grande expansão por ser um modelo rápido e variável, seus vídeos duram menos de 5 minutos e contam com a dinâmica de apresentar as tendências no momento, as chamadas threads. É um conteúdo efêmero que permite a introdução de várias telas, mas não se aprofunda em nenhuma.
É uma forma de conteúdo atrativa, visto que, em um curto período de tempo, você poderá ter consumido vários vídeos, mudando de recorte a todo momento.
“Acredito que o cinema vai acompanhar o movimento atual, com filmes cada vez mais rápidos, com muitas informações e efeitos. Grande porcentagem da população hoje consome conteúdos das redes sociais, são inúmeros vídeos assistidos todos os dias em um toque de tela, produzindo uma quantidade enorme de dopamina e quando essas mesmas pessoas vão assistir um filme, se essa sensação não é reproduzida muito provavelmente irão perder o interesse. Queria muito pensar diferente, mas agora é o que eu consigo prever”, aponta Paulo.
O futuro cabe num banco de dados?
O futuro do cinema brasileiro possui vários caminhos que resultam – por hora – em uma só resposta: incerteza. É um futuro que não promete nada além do incerto, seja pelo crescimento do streaming, pela falta de investimento na cultura e sua desvalorização, pelo seu alto custo. Paulo, de sua parte, diz que quanto ao futuro do cinema brasileiro: “É uma pergunta um tanto quanto “cabulosa” e difícil de ser respondida. Assim como o próprio “Cinema Novo Brasileiro” que nasceu com Nelson Pereira passou por vários estágios, acredito que o mesmo esteja acontecendo agora. Para não ficar nos “achismos”, prefiro não dizer muito e passar para a próxima questão.”
Hoje, ir ao cinema é uma experiência. Desde comprar o ingresso até sentar na cadeira da sala, é um passeio que – ainda – faz sucesso. Portanto, ainda que o cinema tenha perdido muito espaço popular, sua existência não foi substituída. Documentando, guardando, criando, exibindo, ou inovando, o cinema faz parte de uma história que vai, literalmente, para além das telas. Pulsa dos corações dos apaixonados por essa arte, uma esperança (e um cruzar de dedos), para que o cinema – como fez já até aqui – possa continuar agregando valor em toda a história da humanidade.
Paulo conclui dizendo:
“Os desafios são justamente esses, de principalmente conseguir produzir conteúdos que atraiam a atenção dessas pessoas, mas que ainda sim mantenha a sua essência (do cinema tradicional). Sobre vitórias, espero muito em especial ao Brasil que a indústria continue crescendo e que principalmente seu valor seja reconhecido. O atual governo trás bandeiras verdes como a volta do “MINC”, o fortalecimento da “Lei do Audiovisual” e discussões como a própria taxação dos streamings, que essas pautas não sejam abandonadas para continuarmos produzindo, produzindo cada vez mais e com qualidade.”