"Vai fazer 1 ano e meio que não sabemos o que é dormir": o caos de obras na Zona Oeste - Revista Esquinas

“Vai fazer 1 ano e meio que não sabemos o que é dormir”: o caos de obras na Zona Oeste

Por Bruna Blanco, Gustavo Rosmaninho, Isadora Quaglia e Maria Cecília Dallal : setembro 26, 2023

Segundo o Censo de 2022, a população de São Paulo cresceu acima da média especulada. Foto: Alexandre Master/Wikimedia Commons

Moradores e trabalhadores reclamam sobre o crescimento desenfreado de construções civis no Alto da Lapa, em Perdizes e Pinheiros

“Vai fazer um ano e meio que não sabemos o que é dormir” relata Regina, moradora do Alto da Lapa desde 2018, referindo-se aos barulhos incessantes da obra que ocorre na frente da sua casa. O prédio em construção é só mais um, seguido de uma sequência de imóveis do mesmo tipo ao seu redor. Ao lado da construção, o bairro residencial originalmente tomado por casas ainda resiste para manter parte de sua essência.

A cidade de São Paulo tem apresentado um aumento significativo de construções, principalmente na região oeste da metrópole. Em bairros como Alto da Lapa, Perdizes e Pinheiros, esse fenômeno é mais presente devido a uma grande busca por moradia, prédios comerciais e a construção da Linha 6 – Laranja do metrô.

O crescimento populacional, junto ao Plano Diretor, são fatores que contribuem para esse aumento. Segundo o Censo de 2022, a população de São Paulo cresceu acima da média especulada. Além disso, a metrópole atrai imigrantes e migrantes pelas oportunidades de emprego, contabilizando mais de 360 mil imigrantes vivendo legalmente na cidade, de acordo com a prefeitura de São Paulo

O Plano Diretor, lei municipal elaborada em 2014, define o planejamento urbanístico da cidade, tendo como medida principal que as pessoas possam morar mais perto dos eixos de transporte e que se reduza o tempo de deslocamento dentro da cidade. Para atingir esse objetivo, o plano apresentou incentivos atraentes para o mercado imobiliário, como a permissão de construir prédios sem limite de altura e isenção de parte das taxas.

Nessa situação, os mais afetados são os moradores que diariamente vivem um caos, implicando diretamente na qualidade de vida. Esse aumento de construções que levam um longo período para sua finalização, gera as mesmas reclamações: barulho, sujeira e falta de segurança.

Alto da Lapa

Uma construção na rua Coelho de Carvalho, Alto da Lapa, domina uma rua naturalmente estreita. A obra de um prédio cobre o sol e as casas que estão abaixo. Regina é uma das moradoras cuja casa só recebe luminosidade após o meio-dia e sofre com as consequências disso. Ela conta que sua qualidade de vida “morreu” e que a saúde de seu filho foi afetada pelo excesso de poeira.

“Barulho quatro horas da manhã. Tem morador que alugou a casa e foi embora, não aguentou. É uma briga constante, a qualidade de vida acabou e vai piorar.”

Além da sujeira e barulho, Regina diz que o aumento de prédios acaba com o senso de comunidade do bairro.

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“Vai fazer um ano e meio que a gente não sabe o que é dormir” relata Regina, moradora do Alto da Lapa desde 2018, referindo-se aos barulhos incessantes da obra que ocorre na frente da sua casa.
Foto: Gustavo Rosmaninho/Revista Esquinas

Outra reclamação da moradora é que as empresas estão intitulando os novos prédios como Alto de Pinheiros, ao invés de Alto da Lapa, gerando um estranhamento entre os moradores do bairro. Essa pequena alteração surte um efeito no valor do IPTU, apenas pelo nome intitulado.

“Eles [da construtora] são os donos do bairro e a prefeitura não faz nada. Eles podem tudo e a gente não pode nada”, completa Regina.

Na rua Cerro Corá, Elza, outra moradora da Zona Oeste, relata que uma construtora lhe ofereceu um contrato de compra e venda, e que após tudo ser assinado “eles desapareceram”. A senhora conta que o momento foi conturbado, seu marido foi vítima de um infarto e ficou por muito tempo internado devido ao estresse. Durante o dia, sua casa, cercada de prédios, também não recebe luz do sol e fica constantemente suja de poeira.

“Se existe um inferno, esse aqui foi um deles”, diz Elza.

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Perdizes

O bairro, que está na lista dos maiores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade, apresenta estrutura de comércio, restaurantes e serviços úteis do dia a dia. Porém, as mudanças que o cenário do bairro tem apresentado não aparentam ser tão boas assim para moradores e trabalhadores que nasceram e viveram por anos na região.

“Essa construção tem me incomodado e afetado meu trabalho enquanto psicóloga. Meus pacientes se sentem interrompidos com os barulhos, atrapalhando na comunicação deles comigo”, comenta a psicóloga Sofia Östlund, que trabalha há mais de cinco anos na região e relata dificuldades causadas pelas construções.

Visando criar maior força jurídica e representatividade frente ao problema, os moradores criaram o “Amor a Perdizes”, grupo de pessoas que moram e trabalham no bairro. O coletivo protesta nas redes sociais contra o barulho, sujeira, trânsito e assaltos na região. E defendem que as obras do metrô e a desenfreada verticalização devem ser monitoradas publicamente.

Janaina Stedile, urbanista do coletivo, enfatiza que a verticalização descaracteriza o bairro que faz parte da história da urbanização de São Paulo. “Tem características específicas que devem ser preservadas, porque é a memória da cidade. Moradores de mais de 40 anos se perdem por não reconhecerem mais as ruas. Perde-se a memória afetiva”, completa Stedile.

Em sua página do Instagram, o grupo faz uma espécie de fiscalização nos danos que as construções trazem.

Linha 6 – Laranja

A construção da nova linha de metrô é outro ponto para o aumento de edifícios na região. A linha de 15km de extensão que ligará Brasilândia, na Zona Norte, à estação São Joaquim, na região central, está no papel há mais de uma década e desde o início, coleciona incontáveis prazos de entrega adiados.

Inicialmente, o ano de entrega era 2012. No entanto, as obras começaram apenas em 2015. No ano seguinte, a construção foi interrompida após o consórcio responsável alegar falta de dinheiro. Após anos parada, ela foi retomada em 2020 pela empresa espanhola Acciona em uma Parceria-Público-Privada (PPP), desta vez com a data de entrega para 2025.

Três das estações que formarão a linha estão localizadas em Perdizes: PUC-Cardoso de Almeida, Perdizes e Sesc Pompeia. A concentração das estações de metrô no bairro junto ao Plano Diretor impulsionam a verticalização.

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Obras de construção da Linha 6-Laranja na região da Freguesia do Ó.
Foto: Diário dos Trilhos/Reprodução

Pinheiros

Em um dos bairros mais nobres de São Paulo, a verticalização e a busca por moradia não foram diferentes. Pinheiros é extremamente atrativo para os que vêm de fora, a grande procura causou um boom imobiliário. A região da subprefeitura de Pinheiros é a que concentra maior número de alvarás de demolição na cidade, como mostram os dados da prefeitura.

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Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento de São Paulo. Foto: BBC/Reprodução
Foto: BBC/Reprodução

Os números de 2021, que vão até o dia 18 de agosto, contabilizam 535 alvarás de demolição, 120 dos quais na região de Pinheiros.

Com esse crescimento desenfreado, moradores relatam as dificuldades que essas obras trazem para o dia a dia. Edilma Amorim, zeladora e moradora do bairro, afirma que nos últimos anos a segurança foi afetada principalmente pela falta de fiscalização nos canteiros fora do horário de expediente: “Ficamos fragilizados por conta do grande aumento do fluxo de pessoas e pela demora na finalização das obras”.

Os moradores, incomodados com as mudanças do cenário e os malefícios que ele traz consigo, criaram o “Pró-Pinheiros”, página no Instagram que busca preservar e controlar o processo de verticalização que o bairro enfrenta.

Condições de trabalho

Além do cenário urbano desfigurado em consequência do boom imobiliário, as ininterruptas construções podem resultar nos mais diversos problemas de saúde para os moradores e trabalhores civis; devido a exposição a sons intensos e poeira, afetando principalmente a audição e as vias aéreas.

De acordo com a otorrinolaringologista Shanna Catta Preta, o contato diário dos trabalhadores com as obras pode resultar em graves tipos de perda auditiva, como a Perda Auditiva Induzida por Ruído (PAIR) e traumas acústicos causados por ruídos fortes e contínuos. Além disso, Shanna reforça a importância da utilização de equipamentos de proteção individual (EPI), protetores auriculares tipo concha (headset) ou de inserção (plug).

Antonio de Sousa Ramalho, conhecido como Ramalho da Construção, presidente do Sintracon-SP (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo), comenta sobre o ambiente de trabalho e a falta de segurança: “Falta cinto de segurança, protetor auricular, óculos e roupas de proteção. Além disso, é comum uma grande desorganização dos materiais nas obras, o que tem sido a causa de muitos acidentes”.

Em contato direto com os trabalhadores, as equipes do sindicato buscam reafirmar os direitos estabelecidos pela NR-18, norma regulamentadora do Governo Federal, que sofre reformulação desde 1962. O texto reitera as condições e o meio ambiente de trabalho adequados nas construções civis, protegendo o trabalhador de possíveis irregularidades.

O mercado imobiliário é considerado uma grande potência econômica, atraindo ações e investimentos bastante lucrativos. A venda e locação de imóveis é interessante para o setor financeiro, mas a condição de trabalho na construção civil é afastada do cenário. “O mais difícil é o trabalhador denunciar, ele fica receoso por medo de ser demitido. Quando se detecta, nós notificamos a empresa e não tem uma segunda chance, a segunda chance é a greve, mas são poucas as empresas que não atendem à reivindicação do sindicato”, comenta o presidente da Sintracon-SP.

A relação do sindicato com as empresas fica estremecida por conta das irregularidades. Ramalho lamenta essa exploração do trabalhador e espera que atrasos salariais, carência de direitos, como aposentadoria, fundo de garantia ou décimo terceiro se distanciem da realidade por detrás dos canterios de obras.

Editado por Ronaldo Saez 

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