Sem manutenção, internet ou assistência: como vivem os moradores do Conjunto Residencial da USP? - Revista Esquinas

Sem manutenção, internet ou assistência: como vivem os moradores do Conjunto Residencial da USP?

Por Julia Bonin e Milena Casaca : agosto 30, 2021

Estudantes denunciam situação precária do Crusp, criado para auxiliar alunos de baixa renda da Universidade de São Paulo

“As pessoas do Crusp estão sendo sabotadas o tempo todo”, desabafa o estudante de ciências sociais Diego Gonçalves, 28 anos. Ele é morador do Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo, o Crusp, que foi fundado em 1963 para estudantes de baixa renda da instituição, como solução para aqueles que buscavam moradia.

No entanto, o que era pra ser um projeto bem estruturado e que daria a muitos a oportunidade de estudar em uma das melhores faculdades do País se encontra em péssimo estado. Há décadas, moradores se queixam da falta de condições básicas, como infraestrutura e assistência psicológica.

Com a pandemia, a situação se agravou: medidas de isolamento social e o atendimento às aulas online são dificultadas pela estrutura precária dos apartamentos e a falta de acesso à internet.

Problemas estruturais do Crusp atrapalham moradores

Os prédios do Crusp nunca foram inteiramente reformados desde a década de 60, quando foram construídos. Por conta disso, a estrutura deixa muito a desejar. O estudante de pedagogia Elcio Lopes, 32 anos, afirma que a manutenção deveria ser frequente, mas a realidade é outra: os moradores têm que fazer reparos, ou até mesmo “gambiarras”, por conta própria. Em vez de prevenir a ocorrência desses problemas, a zeladoria deixa eles se agravarem até que o custo para repará-los fique alto. Com isso, os espaços acabam sendo inativados.

“Se houvesse uma cozinha coletiva funcional, com reparos periódicos, não haveria necessidade das pessoas buscarem por conta própria as soluções que acabam prejudicando as estruturas”, diz Elcio.

Devido aos utensílios de cozinha quebrados ou inexistentes, os alunos costumam ter eletrodomésticos em seus apartamentos, o que não é ideal, já que a rede elétrica do prédio fica sobrecarregada, havendo risco de incêndio. “Eles consomem muita energia e esquentam a fiação antiga, que vai ficando cada vez mais precária”, relata o estudante.

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Fogões quebrados na cozinha coletiva
Diego Gonçalves (acervo pessoal)

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Como auxílio durante a pandemia, a USP criou um sistema de marmitas, já que os “bandejões” não estavam funcionando. No entanto, o sistema não é tão efetivo, pois os próprios alunos têm que retirá-las no Restaurante das Químicas, que fica a cerca de dois quilômetros do Crusp. Segundo a estudante de geologia Gabriella Proença, 28, a condição dos pratos é “deplorável, têm um sabor horroroso ou nem sabor têm”.

Ela diz que chegou a ter uma intoxicação alimentar por conta das marmitas, tendo que cozinhar em seu próprio apartamento por um período. “Sou muito grata pelas marmitas, elas quebram um galho, ajudam muita gente. Mas em que condições elas existem? São péssimas”, acrescenta a moradora.

Reforma do bloco D

Desde 2018, os blocos não têm mais lavanderias funcionando. As máquinas que foram compradas inicialmente eram industriais e importadas, portanto, consertar os eventuais danos era muito caro e a zeladoria preferiu inativá-las, deixando os alunos sem ter onde lavar suas roupas e, mais uma vez, adicionando um novo eletrodoméstico em seus apartamentos. Problemas que poderiam ser resolvidos com uma manutenção preventiva são vistos pela SAS (Superintendência de Assistência Social) como culpa dos próprios moradores.

Em relação à internet, até recentemente os blocos não tinham estrutura para a instalação. Elcio conta que utilizava um chip da operadora Tim, até que, com a necessidade de aulas remotas imposta pela pandemia, a USP passou a distribuir modems aos alunos. Além disso, há alguns meses, cabos irradiantes de Wi-Fi foram instalados, porém ainda não funcionam em todos os apartamentos.

Enquanto isso, o bloco D começou a ser reformado. Diego Gonçalves diz temer que os cabos sejam danificados. Para Elcio, “não há um diálogo com os moradores, nem entre os departamentos”. Ele afirma que a internet foi instalada logo antes do início da reforma e a assistência social continua designando novas pessoas ao bloco que será desocupado para a manutenção.

A desocupação deveria acontecer até o dia 31 de agosto, data em que ocorreria “o desligamento de luz e água, tudo isso sem que um procedimento prévio de diálogo e informações fosse devidamente realizado”, conforme descreve pedido de liminar que ESQUINAS teve acesso, realizado em defesa dos cruspianos pelo Departamento Jurídico XI de Agosto da Faculdade de Direito da USP. Para os moradores, essa ameaça constante de despejo e a falta de diálogo é preocupante. “A galera vai passar por cima da minha casa sem me consultar”, critica Diego.

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Caminhão com madeiras para cercar o bloco D para a reforma
Diego Gonçalves

Problemas psicológicos no Crusp

Muitos são os problemas envolvendo o psicológico dos alunos. De acordo com os estudantes, a universidade impõe pressão ao cobrar notas altas até mesmo para conseguir vagas em disciplinas obrigatórias para a conclusão do curso. Para quem vive no Crusp, essa pressão é ainda maior, pois, como afirma Diego, eles sentem o tempo todo o “microcosmo uspiano”.

Elcio relata que os ônibus, que já quase não circulavam pelo conjunto residencial, na pandemia passaram a “demorar demais ou nem entram lá”. Para o estudante, isso impede as pessoas de viverem a realidade do convívio social, tornando o lugar um “laboratório de doenças mentais”.

Diego enxerga uma “somatória de vulnerabilidades e marginalização”. Ele afirma que a situação contribui para a deterioração da saúde mental dos moradores do Crusp e torna comum o encontro de pessoas andando em crise por lá. Em alguns casos, como explica Elcio, a polícia é chamada para conter o cenário. Segundo ele, a convivência com os cruspianos é relativamente pacífica. Para Diego, no entanto, existem situações em que a presença policial é desnecessária e ostensiva, como quando “desfilam” pelas ruas com seus fuzis.

ESQUINAS entrou em contato com a Superintendência de Assistência Social da USP para pedir um contraponto frente às denúncias dos moradores, mas não obteve resposta.

Editado por Julia Queiroz.

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