Grifes de luxo apostam em patrocínios de estrelas de modalidades não elitizadas e parceria com empresas esportivas
Devido a uma necessidade de mudança de imagem, a indústria da moda passa por um momento de transição, no qual marcas de luxo estabelecem parcerias estratégicas com atletas renomados de esportes populares. Esta colaboração está redefinindo não apenas o guarda-roupa dos esportistas, mas também a forma como o público percebe a moda elitizada e a exclusividade.
Esportes elitizados e marcas de luxo
A relação de atletas com marcas de luxo não é algo recente, mas, até alguns anos atrás, esse vínculo era realizado de forma mais exclusiva. Os esportes que surgem a partir da elite são, naturalmente, vistos como mais atrativos pelas marcas para estabelecerem essa associação, uma vez que quem os consome ou faz parte é a própria elite.
“Antigamente, essas marcas de luxo eram muito nichadas, queriam vender só pra classe A, então elas se atrelaram somente a coisas que a classe A estava ou que consumia. Por exemplo, nos esportes, eles sempre tiveram uma conexão maior com Fórmula 1, tênis, golfe, hipismo”, explica Carol Fernandes, CEO da Cubo Comunicações e especialista em Marketing e Comunicações.
Com a necessidade de alto investimento para ingressar nas modalidades, os esportes elitizados mantêm atletas em uma mesma bolha. “Outros esportes nascem de elite, porque você precisa, para começar a competir, de equipamento e até de contatos. Isso explica, por exemplo, alguns esportes onde o talento é quase hereditário”, comenta Luís Mauro, professor da Faculdade Cásper Líbero.
Dessa forma, grandes grifes consideram esses esportes mais adequados para parcerias, uma vez que englobam, em sua maioria, o público que pretendem atrair às suas lojas.
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O hipismo é um esporte da elite que tem uma grande relação com as grifes de luxo. Conhecido pelo estilo equestre, a estética dessa modalidade é usada por diversas marcas para criação de coleções direcionadas ao esporte presente nas classes mais altas. O consumo das marcas de luxo por parte dos atletas envolve tanto roupas para uso pessoal como acessórios para os próprios cavalos, como selas e produtos de beleza e bem estar. A Hèrmes por exemplo, grife de ultra luxo, ou seja, uma marca de extrema exclusividade, produz diversas coleções e produtos específicos para os equestres.
Mudanças na indústria
Ao longo dos anos, as marcas de luxo adaptaram suas estratégias de marketing com o objetivo de adotar uma imagem mais inclusiva, para se aproximarem de uma nova onda de possíveis consumidores e se tornarem objeto de desejo para um maior público. Para isso, agora buscam se atrelar a locais e personalidades mais populares, com atletas e esportes mais acessíveis entre as massas.
“As marcas de luxo perceberam nos últimos 10 ou 15 anos que o esporte é uma vitrine fantástica, até porque muitas das celebridades esportivas teriam afinidade de público com esse tipo de marca”, afirma Luís Mauro.
Nesse contexto, a parceria entre grifes e atletas do futebol e basquete tornou-se cada vez mais comum. Um exemplo notável foi a campanha da Louis Vuitton com as estrelas Cristiano Ronaldo e Lionel Messi para a divulgação da Copa do Mundo de 2022. A foto deles jogando xadrez se tornou um marco para os fãs do esporte, considerando a espécie de rixa que existe entre os dois, e viralizou nas redes sociais. Além disso, constantemente atletas globais de futebol e basquete vem sendo convidados para as passarelas de grifes, como em 2021 na Paris Fashion Week, quando James Harden do Philadelphia 76ers marcou presença no desfile da marca espanhola Balenciaga.
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A jogada de marketing transforma esses atletas em uma espécie de vitrine, ao passo que mostram ao público o produto, exclusivo, em pessoas que ascenderam socialmente por meio do esporte.
A movimentação para aproximar as marcas ao público geral, entretanto, não as torna acessíveis. A exclusividade no mundo do luxo se mantém, como ilustrado pela loja da Louis Vuitton na Quinta Avenida em Nova York, na qual apenas o primeiro andar é aberto ao público, enquanto os outros são reservados para clientes convidados.
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“A pessoa ou a família old money, que é mega exclusiva, não vai sequer se dar ao trabalho de comprar nessas marcas de luxo mais conhecidas porque eles terão seus próprios nichos que a gente nem ouve falar. Existe o mundo do ultra luxo. Esse mundo não vai ser atingido”, ressalta Luís Mauro.
Aspecto social da relação grife-esporte
Na construção de uma nova imagem, aparentemente mais inclusiva, as grifes passam a vestir atletas de esportes periféricos e utilizar suas imagens em propagandas e comerciais a fim de aproximar seus clientes.
Entretanto, ainda existe um abismo entre as parcerias dos atletas desses esportes e dos mais elitizados. A questão do “quiet luxury”, amplamente discutida nas redes sociais, caracteriza um luxo disfarçado, reconhecível apenas por aqueles que o detém. Fugindo da ideia de logomania e ostentação, atletas de esportes como golfe e hipismo utilizam itens pouco divulgados pelas marcas, com o suposto ideal de sofisticação e exclusividade.
Já atletas de basquete e futebol, quando são vestidos pelas grifes, utilizam peças com logos e monogramas exagerados, como objeto de ostentação: “no mercado do futebol, eles acabam ostentando muito, por exemplo, sempre os atletas saem dos ônibus com uma bolsa Louis Vuitton, uma Gucci, com correntes, agora com aqueles moletons todos com os monogramas”, afirma Carol. Assim, é evidenciada a crença das marcas de que os estilos de vida e histórias desses jogadores não refletem a imagem que elas propõem.
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Essa disputa entre “quiet luxury” e ostentação tem raízes antigas que buscam segregar as duas realidades. “A ideia do ‘Quiet Luxury’ e a ideia do ‘dinheiro velho’ é justamente, de algum modo, reiterar que aqueles que chegaram agora não vão nunca poder chegar ao patamar desse dinheiro acumulado por gerações”, afirma Mylene Mizrahi, doutora em antropologia pela UFRJ. Assim, a classe social que já nasce elitizada dá preferência a itens e peças mais exclusivas das marcas, evitando aquelas mais divulgadas e reconhecidas pelo público geral.
Dessa forma, a fim de atrair um novo público consumidor, sem afetar a essência elitista das marcas, surgem as collabs. Essas campanhas são feitas com certos esportes e jogadores que, apesar de gerarem grande lucro, não representam a grife.
Collabs
As colaborações entre marcas de luxo e esportivas passou a ser algo recorrente nos últimos anos. “As grifes vêm buscando se associar com marcas que já são conhecidas no mercado esportivo para gerar um valor agregado maior atrelado”, afirma Carol. Confira alguns exemplos:
Nike e Off-White
A colaboração entre as duas marcas se iniciou em 2017 quando o Virgil Aboth, estilista norte-americano fundador da Off-White, foi convidado pela Nike para criar uma coleção de dez pares de tênis. O diferencial dos modelos “The Ten” são os lacres de plástico coloridos com a data e o nome da colaboração.
Nike e Tiffany&Co
Nessa collab com a gigante da joalheria de luxo, a Nike apresentou o Air Force 1 da Tiffany. O tênis vem dentro de uma caixa azul, símbolo da grife, e acompanha cadarços extras, uma calçadeira metalizada, uma escova de higienização e um apito.
Reebok e Pyer Moss
Com a direção criativa de Kerby Jean-Raymond, a coleção conta com peças de roupa e acessórios coloridos. A colaboração foi inspirada no conceito da palavra “Sankofa”, que significa voltar à história e recuperar o que é do seu povo por direito, no idioma de uma tribo de Gana.
Gucci e Adidas
Projetada pelo diretor criativo da Gucci Alessandro Michele, a colaboração lançada em 2022 mistura os logos de ambas as marcas. A coleção traz peças do streetwear de alfaiataria inspiradas em roupas esportivas com uma explosão de cores que relembra a essência da grife.