Conheça a trajetória da marca Daslu, pioneira em artigos de luxo no Brasil que se envolveu em problemas com a Justiça
Considerada referência no mercado de moda da alta sociedade, a Daslu foi uma marca icônica de artigos de luxo nas principais capitais brasileiras. Ficou ainda mais famosa durante a Operação Narciso, que investigava a sonegação de impostos da grife e de outras marcas.
Fundada em 1958 por duas “Lus” (Lúcia Piva de Albuquerque e Lourdes Aranha dos Santos), a Daslu funcionava como uma butique exclusiva e fechada na Vila Nova Conceição, região nobre de São Paulo. A loja ficava na casa de Lúcia e não possuía nenhuma publicidade, recebia apenas amigas que procuravam produtos de luxo vindos da Europa.
Com o passar do tempo, a marca ganhou reconhecimento na alta sociedade. Com pouco espaço físico, anexou mais de vinte imóveis ao redor da casa principal. De acordo com o jornalista de moda Mario Mendes, a chave para o início do sucesso da Daslu foi manter a intimidade com as clientes:
“É como se as mulheres fossem na casa de uma amiga e ficassem experimentando roupas. Isso foi crescendo, aumentando a intimidade entre elas.”
A Daslu foi pioneira em curadoria de moda no Brasil. Os catálogos com lançamentos já existiam, mas os que Lúcia e Lourdes faziam eram selecionados para cada cliente, por isso deu tão certo. Elas conheciam muito bem o público que frequentava a loja e sempre mantiveram este padrão.
Era uma butique exclusiva por ter alguns segredos: onde ficava, como era e quais pessoas frequentavam. A maneira de ter acesso à Daslu era por meio de contatos com a elite. “Era uma butique fechada aonde iam as amigas. Era uma clientela que todo mundo se conhecia. Era um clube”, comenta Mario.
A grife destacou-se por trazer ao Brasil roupas e acessórios das principais marcas de luxo do mundo. Dentre elas, Louis Vuitton, Prada, Dolce & Gabbana, Tom Ford, Gucci, Giorgio Armani, Christian Dior, Fendi, Chanel, Burberry, Tods e Chloé.
De início, a Daslu era formada somente por mulheres, desde suas clientes a funcionárias. A equipe de atendimento da butique era composta por jovens de famílias ricas, que ficaram conhecidas como as “dasluzetes”. Sophia Alckmin, filha do vice-presidente Geraldo Alckmin, e a influenciadora Lelê Saddi são as mais reconhecidas atualmente. Em sua maioria, as vendedoras eram consumidoras da loja, o que possibilitava uma experiência única, como detalha Mario:
“Por ser um lugar onde homem não entrava (era proibido pela loja). Fui lá, mas por um caminho diferente, que não pegava as mulheres peladas, pois não havia provador. A ideia era essa, as amigas que estavam no closet da amiga rica, todas sabiam quantas plásticas fizeram, quem fez cesariana e quem não fez. Era uma experiência única e uma coisa aspiracional. As pessoas aspiravam fazer parte daquele modo de vida. Então, era um sonho, tanto que a dona dizia: ‘A Daslu é um sonho.’”
Em 1983, Eliana Tranchesi assumiu o negócio após o falecimento de Lúcia, sua mãe. A ideia da nova dona era buscar acordos de representação e importação com as principais grifes de Paris e Milão. Desta forma, a grife chegou em seu auge, conseguindo reunir setenta marcas estrangeiras e movimentando mais de R$ 400 milhões em vendas anuais.
O maior acerto de Eliana foi ser especialista em seu público. No varejo de moda, se você acerta na compra do produto, o retorno financeiro será muito maior em relação a outras marcas, como relata o especialista em varejo Eugênio Foganholo:
“O varejo tem um excelente retorno financeiro se você ‘acerta a mão’ na compra dos produtos modais. Então, a margem fica elevada. Mas, se você erra, você tem que queimar o produto. É quando a margem cai de forma extraordinária. Nem sempre todo mundo consegue acertar a compra.”
O olhar de Tranchesi era treinado para agradar às brasileiras, não era interessante o que estava na moda, mas o que seu público compraria. O jornalista Mario Mendes relembra um caso que aconteceu na Inglaterra, quando trabalhava como editor na revista Daslu:
“Elas (Eliana e diretoras da Daslu) estavam com a cabeça de varejistas e eu estava com cabeça de jornalista de moda, então desfilavam algumas roupas e eu ficava encantado, mas elas sabiam que aquela roupa não venderia, então não compravam. Elas sabiam qual era o gosto da brasileira.”
Em 1999, Mario Mendes havia sido convidado para participar da revista Daslu, novo projeto de Eliana. Dias depois do convite, ocorreu uma reunião entre Eliana, Mário e Paulo para definirem as pautas que seriam produzidas. Por contar com a estrutura da revista Trip, ter ótimos jornalistas de moda e possuir a Daslu, centro da moda brasileira e internacional, o processo foi rápido, e a publicação ficou pronta em menos de um mês.
Com outro projeto tendo dado certo, Eliana quis arriscar no próximo: trazer a Chanel (maior nome da moda naquela época) para o Brasil. Por não ter nenhuma operação na América Latina, não seria fácil abrir uma butique. Mario Mendes comenta como a personalidade da dona influenciou para o crescimento da marca:
“Eliana era uma pessoa determinada, perfeccionista, empreendedora e obsessiva. Quando ela colocava algo na cabeça, fazia acontecer. E aí o que ela fez? Conseguiu convencer a Maison Chanel a abrir no Brasil uma butique de luxo, ou seja, um espaço pequeno, dentro de outra loja. Foi um sucesso. De repente, a Chanel da Daslu era a que mais vendia de todas as que tinham no mundo.”
Após o sucesso da Chanel, outras grifes como Gucci, Dolce & Gabbana e Prada ficaram interessadas, fazendo com que a Daslu as trouxesse para o Brasil. A vinda das marcas de luxo para a América Latina demorou em torno de quatro a cinco anos. Eliana buscava contatos e parcerias em todas as viagens que realizava pela Europa.
Em 2005, por conta das reclamações de vizinhos do bairro Vila Nova Conceição, a prefeitura da cidade decidiu fechar a loja, já que não era uma zona comercial, mas residencial. Com isso, Eliana transferiu a grife para a Vila Olímpia, onde acabou por trocar o nome para Villa Daslu.
Com um investimento de R$ 200 milhões, o novo prédio de 17.000 m² tornou-se a matriz do alto luxo brasileiro. A Villa reunia tudo em um único espaço, o luxo e o grande sonho de Eliana que se tornou o início da derrocada. Mario fala a respeito da elite se achar fora da realidade em alguns contextos:
“Era o sonho dela fazer a Villa. Elevou ao máximo a marca, e foi aí que deu tudo errado. Porque você chamou a atenção, aquela informalidade que havia nos processos antigos, e que muito dessa informalidade era ilegal, não cabia mais lá. Numa empresa desse tamanho, daquele porte, acho que foi um pouco do amadorismo brasileiro. Foi um pouco do ‘a gente é rica, a gente é poderosa, aqui não vão chegar.’”
A inauguração da Villa Daslu ocorreu em maio de 2005 e foi dividida em três dias: no primeiro (20) foi recebida a imprensa, já no segundo (21) e no terceiro (22) foram recebidos os clientes, além de presidentes de grifes como a Chanel. O governador da época, Geraldo Alckmin, foi quem cortou a fita de inauguração.
Na época, a Daslu era o símbolo da desigualdade social no Brasil, pois ficava encostada com a favela Coliseu. Existia uma expectativa que se fechassem a Daslu seria feita a justiça social no país.
Operação Narciso
Às 7 horas do dia 13 de julho de 2005, a polícia iniciou a Operação Narciso e invadiu a Villa Daslu. Os editores da revista estavam se preparando para viajar à Bahia, pois era a edição de verão. No fim de 2006, a grife foi multada pela Receita Federal em R$ 236 milhões por sonegação de impostos durante o processo de importação de seus produtos e a Daslu foi proibida de comprar produtos do exterior, passando dezoito meses apenas trabalhando com moda nacional.
A suspeita começou em 2004, com uma fiscalização da Receita Federal do Brasil em contêineres no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. As notas fiscais encontradas pelas autoridades possuíam um valor muito superior ao declarado pelas importadoras. Na época, houve diversas operações envolvendo outras marcas de luxo, como Tânia Bulhões e Francisca Hubner.
A loja passou por uma varredura da Polícia Federal e cumpriu cerca de 35 mandados de busca e apreensão. Em 2009, após ser condenada a 94 anos e seis meses de prisão por formação de quadrilha, fraude em importações e falsificação de documentos, Eliana ficou presa durante doze horas, mas, devido ao tratamento do câncer de pulmão, foi solicitado por seu oncologista, Sérgio Daniel Simão, que ela não deveria permanecer em prisão comum, sendo mais seguro a domiciliar, para os cuidados médicos apropriados. Na ocasião, seu irmão, Antônio Carlos Piva, que era diretor financeiro da marca, também foi detido e sentenciado pelos mesmos crimes.
A falência da butique
Após a descoberta do câncer de Eliana e o começo da Operação, a Daslu entrou em crise. O movimento da loja diminuiu, as festas e eventos perderam público e rumores de que a loja fecharia eram cada vez maiores. Apesar disso, nos bastidores, seus funcionários continuavam trabalhando normalmente e acreditavam que a loja permaneceria aberta, como comenta um deles:
“Sempre tinha um evento ou uma festa, porém as pessoas pararam de ir, e a Eliana dizia para todo mundo descer para fazer volume para as fotos. Nós nos divertíamos muito. A Eliana participava de tudo.”
Devido aos problemas judiciais e de saúde, Tranchesi resolveu vender a grife, mas antes optou por explicar aos funcionários, por meio de um vídeo, a situação da loja e qual seria o futuro da marca. O depoimento foi transmitido em todos os televisores da Villa Daslu, com Eliana pontuando que a loja estava “doente”, junto dela.
Em 2011, o fundo Laep Investments Ltd., de Marcos Elias, adquiriu a Daslu por R$ 65 milhões. Apesar da debilidade, Tranchesi permaneceu como conselheira da marca. Para os novos diretores da grife, era essencial que ela continuasse, para que a loja não perdesse a sua identidade.
O empresário Crezo Suerdieck, especialista na aquisição de ativos em dificuldades e dono do DX Group, decidiu comprar a empresa no mesmo ano, apesar da Justiça ter bloqueado o processo na primeira tentativa de assumir a marca. Especialistas avaliam que a compra ocorreu por conta do nome e da consolidação da Daslu no mercado de moda, e não por seu retorno financeiro.
Já em estágio avançado do câncer, Eliana continuava realizando reuniões deitada em sua cama. A influência na grife permaneceu desde quando assumiu a marca até o fim de sua vida, como relembra Mario Mendes, amigo dela:
“O poder dela não tinha diminuído. A Daslu era ela. Era uma pessoa única, não teve um sucessor, começou nela e acabou nela. Ela herdou da mãe e fez aquilo crescer.”
No dia 24 de fevereiro de 2012, Eliana Tranchesi faleceu em decorrência do câncer no pulmão. Em nota, o site da butique comunicou sua morte com uma homenagem.
O prédio que pertencia à Villa Daslu foi demolido pela construtora W Torre, no mesmo ano da morte. O espaço foi refeito para dar lugar a uma nova construção de, ao todo, onze andares. O novo empreendimento, o Shopping JK Iguatemi, foi inaugurado no segundo semestre de 2013 e contava com uma loja da marca.
Em 2016, a grife recebeu uma ordem de despejo por atrasar o pagamento do aluguel do espaço no shopping. No mesmo ano, a Justiça decretou a falência da Daslu.
Daslu hoje
Para pagar as dívidas do processo de falência, foi determinado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que se fizesse um leilão para ver quem compraria os direitos do grupo Daslu.
A Sodré Santoro (organizadora) foi selecionada para conduzir os lances de forma online, no dia 7 de junho de 2022. O lance inicial foi de R$ 1,4 milhão, já o comprador ofereceu R$ 10 milhões, tendo que desembolsar ainda R$ 500 mil para cobrir as taxas cobradas pela empresa leiloeira, de 5%.
Quem adquiriu o nome Daslu foi a construtora Mitre Realty. Em conversa com a assessoria de imprensa, fomos informados de que a Mitre não pode falar sobre os próximos passos e expectativas em relação à movimentação até que a aquisição seja concretizada, ou seja, que a decisão do TJ-SP seja oficializada. Por e-mail, a construtora comunicou:
“A empresa tem se resumido a dizer que a aquisição faz parte de uma estratégia para fortalecer a entrada da incorporadora no mercado de altíssimo padrão, destacando-se pela diferenciação de seus produtos em relação aos da concorrência.”
Durante entrevista para esta reportagem, Daniele Madureira, da Folha de S.Paulo, uma das jornalistas que cobriram o leilão, relata que o que mais surpreendeu nos bastidores do evento foi o fato de uma marca que está há tanto tempo fora do mercado de moda ter conseguido um lance tão alto. Apesar do auge da grife ter acontecido há vinte anos, nos anos 2000, os interessados em arrematar os direitos da Daslu tinham como principal objetivo usufruir da imagem de exclusividade que ela construiu e consolidou no varejo de moda, com o intuito de utilizá-la em outras áreas.
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Influência na moda brasileira
A Daslu foi um marco no mercado de luxo do Brasil, tornando-se um dos nomes mais marcantes do setor e servindo de influência para diversas outras marcas ao longo dos anos. É a pioneira no varejo de produtos de vestuários importados de luxo e criou um sistema de atendimento que foi considerado uma experiência única, como comenta Andreia Leda, ex-gerente de planejamento da marca:
“A Daslu revolucionou o mercado de moda quando usou o seu posicionamento de roupas sob medida para uma clientela de elite, trazendo as melhores marcas internacionais e tornando-se a pioneira em vendas de produtos de vestuário importados. Para o atendimento, foi criada uma equipe de vendedoras de grande poder aquisitivo, as famosas ‘dasluzetes’, que conheciam praticamente toda a comunidade rica do país.”
Foi a primeira loja brasileira a realizar desfiles para as clientes, personalizar atendimento, a lançar sua própria revista de moda e a trazer as grifes mais famosas para o Brasil.
O comportamento de vestir marcas famosas mundialmente atraiu mulheres do país inteiro. As pessoas tinham o sonho de estar na Daslu e de fazer parte daquele mundo. Com isso, Eliana consolidou e explorou ainda mais a sua marca, criando diversas subdivisões da grife, como Daslu Casa, Daslu Homem, Daslu Basic, Daslu Journal e Daslu Aviezas.
Apesar de todo o impacto da marca, não dá para replicar o sucesso que ela teve nos anos 2000. O mercado da moda evoluiu e a exclusividade que tinha no passado não existe mais. As grifes internacionais já estão no Brasil, o que gera uma concorrência direta. Portanto, em caso de retorno da Daslu ao varejo de moda, ela teria dificuldade se não se reinventasse, em questão de marketing e curadoria.
Daspu
No auge do sucesso da Daslu, várias marcas foram criadas para ironizá-la, mas a que mais se destacou foi a Daspu.
Em 1992, Gabriela Leite criou, no Rio de Janeiro, a ONG Davida, voltada para questões ligadas à cidadania das prostitutas. Ela está integrada com a Rede Brasileira de Prostitutas, que tem como principal missão combater o preconceito e defender os direitos dessas profissionais.
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A Davida lançou uma confecção em 2005 que foi chamada de Daspu, após uma brincadeira entre Gabriela e um membro da ONG, que sugeriu o nome no dia 15 de julho daquele mesmo ano, dois dias depois da prisão de Eliana. A Daslu ameaçou processar a ONG, alegando tentativa de denegrir a imagem da grife, e este foi o gancho perfeito para tornar a Daspu assunto de manchetes.
A marca nunca se equiparou à grandiosidade da Daslu, mas ela segue no mercado até hoje com um propósito que vai muito além da moda.