Depois de ser tema da campeã do carnaval de São Paulo, Mário de Andrade é homenageado em desfile da São Paulo Fashion Week
Em fevereiro de 2024, a escola de samba Mocidade Alegre consagrou seu bicampeonato no Carnaval paulista com o enredo “Brasiléia Desvairada: a busca de Mário de Andrade por um país”. Dois meses depois, na última sexta-feira (12), o estilista Rafael Caetano apresentou ao público da São Paulo Fashion Week N57 a coleção “Intransitivo”, inspirada no poeta e em seu amor pela literatura.
Completados 80 anos após sua morte, o escritor multifacetado voltou aos holofotes, gerando curiosidade no público pela possível existência de motivos por trás dessa realidade ou da pura coincidência de mais de duas obras artísticas se baseando no mesmo autor.
Mário de Andrade foi uma das figuras mais proeminentes da cultura brasileira do século XX, com publicações literárias influentes e vastas. O escritor, poeta, musicólogo, folclorista e ensaísta desempenhou um papel fundamental no modernismo brasileiro. Andrade é um dos responsáveis por romper com as tradições literárias nacionais, buscando a expressão autêntica e livre das influências europeias predominantes até então.
O desfile da campeã
A Mocidade Alegre encantou o Sambódromo do Anhembi com “Brasiléia Desvairada: a busca de Mário de Andrade por um país”. O enredo homenageou viagens e pesquisas do autor e foi idealizado pelo carnavalesco Jorge Silveira e o enredista Leonardo Antan. O desfile propôs uma jornada pelo Brasil e sua rica cultura, inspirada nas explorações de Mário de Andrade. A sinopse levantou questões sobre o contemporâneo, em sintonia com “O Turista Aprendiz”, obra que retrata as jornadas de Andrade pelo Norte e Nordeste do país. O título do enredo é uma alusão a “Paulicéia Desvairada”, famoso livro do autor.
O samba-enredo exaltou diferentes facetas da vida e obra do poeta. Desde sua origem em São Paulo, retratada como “filho da garoa fina”, até suas jornadas pelo Brasil, passando por manifestações culturais como o maracatu e a congada, descritas em “Danças Dramáticas do Brasil”, também outra obra do escritor.
Durante o desfile e acompanhado de arlequins – peronsagem da comédia teatral, o ator Pascoal da Conceição interpretou Mário de Andrade. Devido sua semelhança física, Conceição já havia interpretado o poeta em diversos trabalhos antes mesmo do enredo da escola campeã. E olha que privilégio, o ator carrega a mesma data de nascimento que o escritor. “O Mário de Andrade é o artista plural. Ele é patrimônio, música, moda e um acontecimento cultural brasileiro”, afirma Pascoal.
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O desfile do poeta
No seu terceiro desfile no São Paulo Fashion Week (SPFW), o estilista Rafael Caetano escolheu a figura de Mário de Andrade como inspiração para expressar seu amor pela literatura e pela cidade de São Paulo. Com a coleção “Intransitivo”, Caetano procurou elegância em formas amplas e, ao mesmo tempo, trouxe elementos contemporâneos através da combinação de cores e texturas.
Ao som de boleros, o desfile foi aberto com uma série de peças em cetim de suede azul, estampadas com a ave Saracura. Entre as peças, destacam-se robes de chambre, pijaminhas curtos e uma versão comprida com amarração na frente.
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A alfaiataria masculina foi trabalhada com uma base de sarja estruturada em diversos tons e lavagens, incluindo tingimento respingado em verde, que remete ao concreto da selva de pedra paulistana. As cambraias – tecido fino – foram construídas com fios de lurex, conferindo um brilho metalizado a algumas peças.
Caetano também explorou novas formas para os paletós, transformando-os em ponchos ou jaquetas com capuz. Nos pés, as modelos desfilaram com botas de solados deslocados, reforçando uma ideia que o estilista já havia apresentado anteriormente.
De volta à vida
A visão vanguardista do autor e sua abordagem multidisciplinar continuam a inspirar artistas e intelectuais, sendo frequentemente revisitadas e reinterpretadas. Além disso, sua atuação como crítico e teórico literário contribui para o debate acadêmico sobre a literatura brasileira e suas relações com a cultura e a sociedade.
“Mário de Andrade é um dos brasileiros mais fundamentais na cultura. Não no sentido de prestígio, mas de resgate. Nós levamos tanta porrada que, somente a cultura, para não andarmos de quatro”, completa Pascoal.