Hollywood em greve: por que atores e roteiristas estão contra os grandes estúdios? - Revista Esquinas

Hollywood em greve: por que atores e roteiristas estão contra os grandes estúdios?

Por Danilo Yamada Assis : julho 25, 2023

Elenco da série ''Ted Lasso'' em uma das manifestações durante a greve roteiristas, em Los Angeles/Foto: Fernanda Ezabella

Entenda por que Hollywood está paralisada, qual a razão dos sindicatos dos atores e roteiristas entrarem em greve e como isso pode impactar no futuro da indústria cinematográfica 

No dia 12 de julho, os atores de Hollywood entraram em greve. A decisão se deu após o SAG-AFTRA (Screen Actors Guild-American Federation of Television and Radio Artists), que é o sindicato dos atores de Hollywood, não chegar em um acordo sobre um novo contrato com a AMPTP (Alliance of Motion Picture and Television Producers), que é a associação de que representa as empresas que produzem filmes e séries, como a Netflix, Disney e muitas outras. Eles se juntam aos roteiristas, representados pela WGA (Writers Guild of America), que, no dia 2 de maio, entraram em greve pelo mesmo motivo, a falta de acordos com os estúdios.

Por que a greve está acontecendo?

Os contratos entre a WGA e a SAG-AFTRA com a AMPTP costumam ser renegociados a cada três anos. Portanto, durante esse período, os sindicatos dos atores e dos roteiristas atualizam suas demandas, para que suas condições de trabalham sejam melhoradas. Agora, em 2023, as negociações aconteceram novamente, como eram previstas, mas elas não foram completamente acordadas. A última greve de roteiristas ocorrida em Hollywood, no ano de 2007, provocou graves impactos para a indústria cinematográfica estadunidense e mundial. Já a união entre os dois sindicatos, dos atores e roteiristas, aconteceu pela última vez durante a década de 60. 

A WGA, que representa onze mil e quinhentos roteiristas, defende que, desde o último contrato com o sindicato dos estúdios, o trabalho dos profissionais da área vem sendo cada vez mais desvalorizado, graças ao período da pandemia e ao crescimento das plataformas de streaming. Segundo Fernanda Ezabella, jornalista, os grandes estúdios estão criando uma espécie “uberização” do trabalho dos roteiristas, usando seus serviços apenas quando necessário e descartando-os na sequência, pagando o mínimo possível. Portanto, conforme acordado, nenhum roteirista membro da WGA pode trabalhar em roteiros durante a greve. 

O SAG-AFTRA, que representa mais de 160 mil atores, também entende que o trabalho dos profissionais de atuação vem sendo desvalorizado. Por conta disso, a partir do dia 12 de julho, os atores membros do sindicato estão proibidos de atuar em qualquer produção qualquer, além de não poderem promover nenhum de seus trabalhos. Porém, algumas exceções foram permitidas, como é o caso dos atores que participam de séries que não fazem parte da jurisdição do SAG-AFTRA, exemplo de “Casa do Dragão”, que é feita no Reino Unido, e algumas produções de estúdios independentes, que, através de acordos com o sindicato, seguirão as demandas feitas pelo SAG-AFTRA.

As reivindicações do SAG-AFTRA

Um dos principais problemas que o sindicato dos atores entende que precisa ser solucionado é o dos ganhos residuais dos atores. Essa questão, que é compartilhada pelos atores e roteiristas, surgiu graças ao crescimento das plataformas de streaming, como a Amazon Prime Video, a Apple TV+ e principalmente a Netflix. Isso porque os residuais, valores que são repassados para as pessoas que trabalham nas produções, como os atores, roteiristas, diretores, entre outros, são fundamentais para a renda dos artistas, que, a cada vez que seus trabalhos são reprisadas ou licenciadas para outras plataformas, canais ou DVDs deveriam receber um ganho. Já que o conceito de residuais foi criado em uma época em que não existiam plataformas de streaming, apenas canais de TV e DVDs, as empresas, até agora, pagam uma taxa fixa no momento em que a produção é inserida no site.

O sindicato exige também o aumento do salário dos atores, que, segundo eles, não teria sido atualizado pelo nível de inflação, além do pagamento de pensões e planos de saúde. “A maioria dos atores não recebe cachês milionários. A maioria deles não está na categoria de astro. Então essas pessoas estão sem receber o mínimo para manter uma vida digna’’, explica a roteirista Carissa Vieira.

A última demanda, que é compartilhada pela SAG-AFTRA e pela WGA, tem relação com a tecnologia de Inteligência Artificial (IA). Segundo Duncan Crabtree-Ireland, chefe negociador do SAG-AFTRA, apesar da AMPTP concordar que a IA deve ser usada com compensação e consentimento, “eles propuseram que nossos atores de fundo deveriam ser escaneados, receber o pagamento de um dia e que suas empresas seriam donas desse escaneamento, de sua imagem e semelhança, podendo utilizá-lo para o resto da eternidade em qualquer projeto que desejem, sem consentimento e sem compensação’’.

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Roteiristas membros da WGA se manifestando em frente à sede da Netflix, em Los Angeles.
Foto: Fernanda Ezabella

As reivindicações da WGA

Com a criação de um novo contrato, a WGA busca resolver os problemas que estão precarizando o trabalho dos roteiristas. Uma de suas queixas é a desvalorização do salário médio semanal dos trabalhadores, que de acordo com o sindicato, diminuiu 23% na última década. Além disso, até pouco tempo atrás, em uma época em que o streaming não tinha o tamanho que tem hoje, grande parte das séries era produzida por emissoras de televisão. Portanto, os roteiristas trabalhavam em séries e programas de TV com mais de 20 episódios por temporada, fazendo com que conseguissem uma renda estável durante o ano. Porém, na era do streaming, a maior parte das séries não passa de 12 episódios por temporada, prejudicando a renda dos trabalhadores da área. 

Outra questão importante é a da precarização do trabalho dos profissionais, devido ao crescimento das chamadas “mini salas de roteiristas’’. As minirooms, em inglês, são pequenas salas de roteiristas que são convocadas, em menor quantidade do que o normal, antes de um projeto ser aprovado. Dessa forma, como não existe uma regulamentação, os profissionais contratados podem ser facilmente “descartados”.

Por fim, uma das preocupações recentes do sindicato é com o avanço da inteligência artificial. Atualmente, já existem IA capazes de escrever elementos de um roteiro, embora ainda não sejam de alta qualidade. Porém, o crescimento destas tecnologias acontece de forma tão rápida que, em um futuro próximo, os estúdios possivelmente tentarão utilizar essas ferramentas para escrever roteiros, tirando o trabalho dos profissionais. A jornalista Fernanda Ezabella defende que “os roteiristas lutam contra a extinção de sua profissão”. 

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As consequências das greves

O início da greve dos roteiristas foi um grande choque para Hollywood, já que diversas produções foram paralisadas, como é o exemplo das séries “Stranger Things”, “The Last of Us” e “Cobra Kai”, além dos filmes “Thunderbolts” e “Blade”, da Marvel. Apesar disso, algumas produções continuaram suas gravações, sem que pudessem alterar seus roteiros durante filmagens. Porém, a partir do dia 13 de julho, todas as produções que contam com a presença de atores parte do SAG, precisaram ser interrompidas. Portanto, as gravações de  filmes como “Deadpool 3”, “Gladiador 2” e o live action de “Lilo e Stich” foram paralisadas.

Outro fator que deve impactar Hollywood é o impedimento dos atores de promover seus filmes ou séries, seja em entrevistas, eventos e até mesmo nas redes sociais. “Acredito que os filmes que não forem adiados vão sofrer, porque muitas pessoas não vão ter as informações que conseguem diretamente pelo marketing feito pelos atores”, opina a roteirista Carissa. 

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Roteiristas membros da WGA se manifestando nas ruas de Los Angeles.
Foto: Fernanda Ezabella

A greve de Hollywood provavelmente reverberará no resto do mundo, inclusive no Brasil, “tudo que acontece na indústria audiovisual americana impacta o mercado nacional, principalmente quando se fala das plataformas de streaming, que são sediadas lá”, diz Letícia Fudissaku, também roteirista.

Editado por Mariana Ribeiro

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