Mês do hip-hop celebra a cultura de rua paulistana durante todo o mês de março; confira artistas e eventos promovidos pela iniciativa
Realizado por uma parceria entre as secretarias municipais de Cultura, Educação e Direitos Humanos e Cidadania, o Mês do Hip-Hop é uma iniciativa da sociedade civil hoje oficializada no calendário de eventos da cidade de São Paulo. Dos dias 11 a 27 de março, são realizados diversos eventos nas Fábricas de Cultura do Governo do Estado de São Paulo, contando com grandes nomes do movimento, como Bivolt, Black Alien, FBC, Rael, Drik Barbosa, Kamau, BK, Dexter e KL JAY, Sandrão RZO e Jota Ghetto.
O foco do projeto é oferecer atrações ligadas aos quatro elementos da cultura hip-hop: as músicas de composição dos MCs, o breaking, os DJs e o graffiti. No início, a celebração durava apenas uma semana, mas o engajamento dos artistas e a grande adesão do público logo expandiu o projeto, que veio a se tornar um mês cheio de atrações gratuitas. As Fábricas de Cultura são iniciativas do governo estadual que realizam eventos artísticos em regiões como Jardim São Luís, Vila Nova Cachoeirinha, Capão Redondo, Jaçanã e Brasilândia.
“O rap faz parte de mim desde muito pequena, então eu me senti em casa com os artistas, as pessoas que estavam lá, a música, a energia. Foi um mês muito gostoso para ser preta e viver nossa cultura”, conta Graziella Souza, 21, que assistiu alguns shows do mês. “Entendo a maioria das coisas que falam nas letras, influencia meu estilo, meu jeito de falar, e tem bastantes referências dentro dele que vejo no dia a dia”, pontua outra fã do movimento, Rachel Sedrez, 21.
Origens do hip-hop
O hip-hop surgiu entre as comunidades caribenhas, afro-americanas e latino-americanas de Nova York e chegou ao Brasil nos anos 80, com piso inicial na capital paulista, Desde então, o movimento se consolidou como cultura popular das periferias urbanas e da população negra e esbarra com o preconceito étnico-social. “O preconceito é muito presente dentro e fora da cultura do hip-hop, por tratarmos de assuntos sociais e abordarmos linguagens e estilos de vidas diferentes do padrão que a sociedade nos impõe’’, afirma o Daniel Kamikaze MC, atração do festival no dia 20 de maio.
Além da música, o hip-hop contribuiu muito para a disseminação de modalidades como break dance, rap e graffiti, elementos abordados nas atrações do mês festivo.
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Muros, spray e cultura
O graffiti ganhou uma nova forma quando se juntou ao movimento hip-hop. A partir dessa associação, essa modalidade artística tomou conta das cidades e passou a divulgar mensagens da cultura de rua. ‘’Atualmente, o Graffiti é mais aceito na sociedade. Com sua inserção na mídia, temos artes que utilizam dessa técnica em comerciais de TV, museus, entre outros lugares. Isso facilitou para que o preconceito que enfrentamos há anos não seja tão evidente, por mais que, minimamente, ainda exista’’, diz o grafiteiro Jamal. Dessa forma, a arte do Graffiti funciona como um meio de expressão e ajuda aos jovens da periferia e entusiastas da cultura hip-hop.
“É através dessa arte que os jovens da quebrada, por exemplo, têm acesso aos lugares, podem conhecer novos picos, circulam e se apropriam da cidade”, destaca Jamal. “Muito desse respaldo na cena vem das lutas e reivindicações que rolou nas gerações anteriores. Quando comecei a fazer parte desse cenário político, ainda precisava entender a causa, mas acredito que depois de ter absorvido conhecimento da ‘old school’ eu consegui somar mais para o movimento, asfaltando a estrada para os que vão passar”, conclui o artista.
Cunho social do hip-hop
Em termos sociais, o hip-hop vai além de uma forma de lazer e entretenimento, alcançando esferas políticas, étnicas e educacionais. “O hip-hop foi político, brigou pelos meus direitos quando eu nem sabia que os tinha, ajudou a não me calar e não aceitar menos do que eu posso ser e ter’’, afirma DJ Nicacio.
Ademais, é possível pensar nesse gênero artístico como uma ferramenta conscientizadora, expondo à sociedade a realidade de pessoas que se encontram inseridas em um contexto periférico. Com isso, desperta-se uma reflexão sobre as disparidades socioeconômicas existentes e propõe-se o questionamento dessas estruturas de dominação.
‘’Vejo a influência do hip-hop como algo essencial, por ser um movimento que tem um cunho social e luta por melhorias para a sociedade em geral, mas que tem forte apelo a favor da favela, dos pretos e pobres”, relata JotaPê MC, que se apresentou no dia 11 de março na Casa de Cultura Itaim Paulista. “O movimento está sempre integrado a qualquer meio político social e encontra-se em constante evolução’’, completa.
Hip-hop no universo feminino
No início da cultura hip-hop no Brasil, a população feminina era extremamente sexualizada nas músicas, sendo retratada como submissa pelos cantores. Fato esse que ainda é recorrente, como afirma a MC Priscilla Fenics: “já sofri com deslegitimação de fala e ameaças, já fui impedida de subir no palco para cantar, desmereceram meu ‘trampo’, até outras ações que são mais estruturais. Por exemplo: homens só indicam ou fazem referência a outros homens, as mídias em maioria trazem evidência a homens, os set lists são em maioria masculinos.”
No entanto, cada vez mais, as mulheres têm exposto sua voz no universo do hip-hop, trazendo empoderamento, identificação e demonstrando superação diante desses obstáculos. “A gente sempre vai passar por opressões, mas eu acho que é importante a gente resistir, senão eles (homens) vão tomar tudo de nós”, diz Caluz Graffiti, mulher ativa na cultura de rua que, assim como várias outras, sofre diariamente com tais desafios – mas não cessa de usar da própria cultura para superar essa realidade.