Conhecido como “mestre da cor”, Walter Firmo é imortalizado pelos seus retratos de personagens icônicos da cultura negra no Brasil. Acervo exposto contém as fotos mais famosas e marcantes que definem o estilo do artista.
O Instituto Moreira Salles, situado na Avenida Paulista, recebe do dia 30 de abril a 11 de novembro a exposição de Walter Firmo, “no verbo do silêncio a síntese do grito”. Ocupando dois andares do IMS Paulista, a exibição tem entrada gratuita e fica disponível de terça a domingo, das 10h às 20h, incluindo feriados.
Com fácil acesso via metrô e ônibus, o prédio ainda dispõe de mais duas exposições, um cineteatro, café-restaurante, livraria, salas de aula e uma Biblioteca de Fotografia, além de uma vista admirável da famosa Avenida Paulista, cartão postal da cidade de São Paulo.
No verbo do silêncio a síntese do grito
O fotógrafo plural, entre os quase setenta anos de carreira, já registrou momentos, pessoas e lugares que ficaram marcados na história da fotografia brasileira. A exposição “No verbo do silêncio a síntese do grito” apresenta aos visitantes as obras mais famosas de sua trajetória, como o histórico retrato do maestro Pixinguinha, fotografado em 1968 para a revista Manchete.
Firmo acompanhava Muniz Sodré, que estava fazendo um perfil do músico. Sem saber como demonstrar a essência do ícone da música brasileira através das lentes, o fotógrafo então encontrou a visão poética que procurava no quintal da casa de Pixinguinha. Assim, ao lado de uma mangueira, usando o característico saxofone e a cadeira de balanço do próprio maestro, Walter Firmo registrava a foto que seria associada ao seu trabalho por toda a sua carreira.
A exposição ainda conta com coleções únicas, como as fotografias do artista plástico Bispo do Rosário. Visto por alguns como louco, Arthur Bispo do Rosário foi o autor de obras conhecidas internacionalmente, como a coleção de mantos que fazia a partir dos materiais da clínica manicomial em que passou parte da vida internado. Com sensibilidade, Walter Firmo foi o primeiro fotógrafo a fazer registros do cotidiano e da produção artística de Bispo, que compôs sua matéria para a revista IstoÉ em 1985.
Dentre as principais fotografias que carregam sua marca registrada, o uso intenso das cores como uma linguagem poética e teatral, “no verbo do silêncio a síntese do grito” também apresenta as coletâneas centradas acerca das festas folclóricas brasileiras. É possível visualizar imagens de celebrações como a festa Bumba meu boi, predominante no Nordeste e Norte do país. Os registros dessa festa, feitos pelo artista em 1994, posteriormente se tornariam uns de seus mais reconhecidos por retratar a maneira pela qual os presentes participavam da festividade popular.
Por meio do povo e de suas manifestações culturais, Firmo encontra espaço para expressar a vivacidade, a brasilidade dos personagens de seus retratos, e interpretar as histórias contadas pelas lentes do fotógrafo também fazem parte da arte da fotografia. Em um espaço colorido desde as paredes até dentro das molduras, os visitantes são convidados a mergulhar no universo concebido pelas lentes de um dos fotógrafos mais importantes do Brasil.
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A trajetória de Firmo e a criação de um estilo
Nascido no subúrbio carioca, sua história e suas vivências influenciam totalmente no estilo colorido e popular de Walter Firmo, desenvolvido ao longo das décadas.
Firmo começa sua carreira como fotojornalista, realizando trabalhos para diversos jornais e revistas e, a partir deles, seleciona seu gosto pessoal. Ele roda o Brasil fotografando locais, paisagens e personalidades. Na década de 60, como correspondente da Manchete, ele vai a Nova York, onde se engaja na causa negra: era o período de Woodstock, do movimento negro, de Martin Luther King. Olhando por essa perspectiva exterior, ele percebe qual poderia ser seu papel no Brasil.
“Quem vai trabalhar na questão do clique sou eu e não a máquina. A imagem que vai se traduzir poderia ser feita pelas duas, quem faz a imagem não é a máquina, é o homem, a máquina é apenas o meio”
A retrospectiva de seu trabalho na exposição evidencia a ideia da fotografia como encantamento, encenação e teatralidade, em diálogo com a pintura e o cinema. Em um debate presencial entre o fotógrafo e os curadores da exposição no cineteatro IMS Paulista, quando indagado sobre seu processo criativo, o artista comenta: “A fotografia, para mim, reside naqueles instantes mágicos em que eu posso interpretar livremente o imponderável, o mágico, o encantamento. Nos quais o deslumbre possa se fazer através de luzes, backgrounds, infindáveis sutilezas, administrando o teatro e o cinema nesse jogo de sedução, verdadeira tradução simultânea construída num piscar de olhos em que o intelecto e o coração se juntam, materializando atmosferas.”
O fotógrafo é admirado por desfrutar do uso da luz e projetar contraste, esbanjando cores vibrantes que ruminam notavelmente em suas fotografias. A respeito disso, Walter afirma que “moramos em um país tropical, e por isso mesmo nós somos quentes, nós somos nuvens volumosas, nós somos apaixonados, nós choramos muito, nós temos altas emoções, e a cor é tudo isso. É o Brasil.” Sob diferentes cores, enquadramentos e temporalidades, o artista busca ângulos inusitados para criar crônicas do cotidiano.
Firmo é conhecido por representar constantemente a comunidade negra, traçando uma perspectiva de suas raízes culturais em diversas regiões, e assim, engrandecendo o papel do negro na criação e na preservação da cultura brasileira. Fotografou comunidades em suas atividades cotidianas e festas populares, como a Cavalhada de Pirenópolis, em Goiás; Bumba-Meu-Boi, no Maranhão; São João Cachoeira, na Bahia; e o carnaval carioca.
O artista coleciona retratos de grandes figuras brasileiras, como Pixinguinha, Cartola, Pelé, Clementina de Jesus e Arthur do Bispo do Rosário, assim como registros de anônimos. “Embora eu tenha só um pouco de tinta negra (risos) e, por isso, muitos me consideram apenas mulato, eu sou negro. Sempre procurei mostrar os negros na minha produção fotográfica. E procurei retratá-los com dignidade”, diz Walter. O fotógrafo debruça-se sobre a valorização da afrovisualidade por um olhar poético.
Contudo, apesar de ser um entusiasta das cores, o artista iniciou sua trajetória distante dos filmes coloridos e, sobre essas oposições em suas fotografias afirma “O preto e branco induz ao raciocínio, ao psicológico, celebra o cérebro. A cor é uma banda de música, é o coração, é um rompante. É o jorro. Essas são as diferenças que eu faço.” Sua coleção monocromática também está disponível no IMS.
Por iniciar sua carreira ainda na década de 50, Firmo tem grande experiência com a fotografia de filme e, em sua exposição é possível notar a diferença na vivacidade das cores em suas fotos analógicas e em suas fotos digitais. “Tenho máquinas digitais, claro, não sou tão à moda antiga, até porque a gente tem que seguir a evolução. Mas também não renego as minhas origens”, comenta. “É assim: moderno e antigo. Passado e futuro. Te digo uma coisa: como sou do signo de Gêmeos e tenho a lua em Peixes, sou ambíguo. Sou vários Walter Firmo. Por isso essa diversidade”, finaliza.