Alcançando as etapas finais antes da sua publicação, “A verdade e a chacota do diabo” está previsto para ser lançado ainda em 2022
Como toda obra, essa também começou no banheiro.
Em meados de 2014, no cursinho, Londrina, Paraná. Quando ainda era mancebo de tudo e compreendia muito menos (ou mais?) dessas coisas da vida. Lá, no banheiro, descobri que os professores de óculos, reproduzindo por mais de cinco anos o absurdo oracular aos vestibulandos da época, por mais sábios que fossem, também tinham de usar o lavatório.
A primeira ideia que emergiu e respingou, foi uma espécie de compilado dissociativo chamado “As Confissões de Lúcio”. Só depois dum tempo soube da existência do conto de Mário de Sá-Carneiro. Não poderia ser o mesmo título. E, por conseguinte – dentre as várias páginas daquele manuscrito incipiente – decidi-me por jogar fora mais da metade. Passei um tempo obrando as ideias. Sem, contudo, escrever patavina. Sem ler coisa alguma. Boiando no ali no vaso.
Quando de volta à cidade onde se encontravam meus pais, pus-me a escrever uns continhos, umas cronicazinhas sem grande enlevo ou arroubo do espírito. Apenas para passar o tempo – tempo em que, longe de casa, ainda muito moço, embaralhei minhas ideias e deprimi a mente e o corpo.
Ainda assim, fui juntado cada papel e pedaço de ideia. Criando uns personagens, rememorando o tempo que passei trancafiado no banheiro da cidade de Londrina. Lembrando, meio atônito, que vez-outra na madrugada, descia para dormir junto aos hippies contemporâneos do calçadão. Levava meu gravador de voz, juntando as conversas.
Primeira coisa que ouvi, e que vale à pena guardar, foi de Rômulo.“Chico, não se dorme no chão sem um papelão às costas”. E hoje, morando em São Paulo – Paulicéia Depauperada – vejo o conselho de Rômulo se repetir a todo instante enquanto passo pela Paulista rumo a algum futuro (pois acredite, ele está em algum lugar por aí), e à faculdade. É, o Brasil inteiro anda dormindo sobre papelão.
À parte esse começo – que não me atrevo a bisbilhotar na memória, e muito menos contar em detalhe –, o livro, que agora publico pela Editora Urutau, dei-lhe o nome de “A Verdade e a Chacota do Diabo”.
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Para explicar o título, reservo o direito de transcrever a memória de ontem:
Um rapaz, dos olhinhos translúcidos de esperança, veio até mim enquanto eu subia a escadaria do metrô. Como havia tempo antes de voltar ao estudo, conversamos sobre seus cadernos ilustrados e os textos que continham. Estava vendendo-os por nove e noventa cada.
Admirei sobremaneira a arte, mas não pude comprá-los.
Ao findar a conversa – que se estendeu muito além dos cadernos ou da arte neles contida –, dei-lhe a dica da Editora Urutau. Disse-lhe sobre a curadoria, e como tudo funcionava.
Perguntou-me se eu já havia publicado algo. Disse a ele que estava em vias dê. Depois de três anos de tentativas.
– E porque “A verdade e a… e a o que mesmo?, ele perguntou.
– A chacota, respondi.
Não me lembro ao certo o que respondi. Mas sei que era algo como enxergar alguma verdade na rua, e alguma chacota naquilo que não está nela. A verdade, pois, é que entra-ano-sai-ano, e a rua permanece. Como um documento gasto pelo tempo – como se nas páginas de Virgílio não mais se encontrasse esperança que abarcasse o mundo inteiro. Como se Íthaca fosse, no final das contas, uma obra para sempre inacabada.
E a chacota, talvez, seja justamente essa. A de ainda estarmos vivos, num tempo em que a rua joga para dentro de nossas retinas a impressão da morte – misturada a figuras ociosas e escarrapachadas. Figuras esquecidas – umas vidas invisibilizadas diante de uma sociabilidade brasileira adocicada. “O suficiente para manter a cidade em pé”.
E talvez, intimamente, seja esse o motivo do título: a necessidade quase fisiológica de desaguar no lavatório esse imenso quadro chapiscado de imagens, feito um Pollock alucinado sob o efeito de laxante.
Produzindo o livro
Nos últimos cinco anos, a Editora Urutau, publicou mais de 350 livros sem qualquer custo aos autores e autoras.
Há, contudo, uma meta mínima que cobre todo o processo de produção do livro (revisão, diagramação, capa, ISBN, ficha e impressão), 10% de direitos autorais em livros, fretes de envio e porcentagem do portal que utilizam para a pré-venda. A priori a Editora passou a utilizar esse método para tentar sobreviver ao período da pandemia.
Mas para sua surpresa (e porque também não dos próprios autores e autoras), a média de tiragens subiu, apenas ano passado, para pelo menos 60, sendo que alguns livros passaram de 200 exemplares vendidos.
A benfeitoria, pois, é a plataforma que possibilita a maior tiragem de exemplares, bem como facilita o acesso de quem já quer garantir seu exemplar do livro. Ajudando, por conseguinte, na distribuição dos livros e no reconhecimento dos autores e autoras. Antes mesmo do processo de produção do livro.