Literatura marginal: as páginas do excluído - Revista Esquinas

Literatura marginal: as páginas do excluído

Por Bruna Beluco (1º ano), Maria Cecília Dallal (1º ano) e Pedro Vedovato (3º ano) : junho 14, 2023

O que é marginal?/Hélio Oiticica

O termo “marginal” sofreu mudanças ao longo dos anos e, atualmente, reflete o cotidiano das periferias por meio da literatura, nas páginas dos livros

O termo “literatura marginal” surge no século XX, mais especificamente na década de 70, em um cenário de enorme repressão política e de censura artística e intelectual, articulado pelo período da ditadura militar.

A fuga dos padrões academicistas e da formalidade é o que marcava a chamada geração mimeógrafa, movimento de contracultura que abria espaço para uma linguagem coloquial que abraçava gírias e diferentes expressões. Porém, tais autores faziam parte da classe média letrada brasileira, como Paulo Leminski, que além de se destacar na produção de poesia marginal de caráter bastante irônico e bem-humorado, foi um professor e crítico literário.

A literatura marginal e o conceito de “marginalidade”

Quando essa literatura volta à tona e se consolida entre o final da década de 90 e o início dos anos 2000, autores destacam-se no cenário literário ao retratar sua realidade da periferia: pela primeira vez, vozes de grupos historicamente minoritários criariam suas próprias narrativas. Atualmente, escritores como Geovani Martins e Sérgio Vaz ocupam uma posição de grande notoriedade nesse meio.

A jornalista e mestre em letras pela Universidade de São Paulo (USP), Luciana Araujo Marques, evidencia esses dois momentos: “Aquela geração mimeógrafa da década de 70 considerava literatura marginal quando se está fora do mercado, do mainstream. É nesse outro contexto, final da década de 90 e início dos anos 2000, em que realmente  os escritores com essas origens começam a escrever, esse “marginal” ganha outra conotação”.

A partir disso, os conceitos da palavra “marginal”, podem ser variados. De acordo com o artigo “Reflexões quanto à literatura marginal brasileira: comparando Ferréz a sua tradição literária”, elaborado por Vinícius Gonçalves Carneiro, doutor em Teoria da Literatura e professor leitor na Universidade Paris-Sorbonne – Paris IV, pontua que o termo pode se adequar ao sentido de publicações literárias à margem do mercado editorial, que não pertencem ou se opõe aos modelos exemplares estabelecidos, e de autoria de grupos socialmente marginalizados.

O professor expõe a importância de Ferréz, autor de “Capão Pecado”, romance que denuncia a violência e miséria de Capão Redondo, bairro paulistano, para a construção dessa ideia de marginalidade: “Ele acaba sendo capaz de trazer à tona literaturas produzidas por vozes que normalmente foram silenciadas ou ausentes da literatura brasileira, e devemos pensar nisso em questões de classe, raça e gênero”.


No entanto, ao alcançar grandes editoras, a  concepção atual de literatura periférica, segundo Carneiro, passa por mudanças:  “Parece que o adjetivo “marginal” está sofrendo, atualmente, um segundo processo, que é uma prática do capitalismo. Ele torna qualquer expressão cultural ou conceito, que surja das margens da sociedade, em um produto. Não é necessariamente ruim ou bom, mas está acontecendo. É um processo natural do capitalismo.”. Vinicius compara tal fenômeno aos movimentos hippie e punk das décadas de 60 e 70, que eram de contracultura e contestavam valores tradicionais, mas se popularizaram, eventualmente.

Da mesma forma, o professor explica que os autores da literatura marginal possuíam, inicialmente, vendas locais em bares e pontos de ônibus, por exemplo, migrando futuramente para o mercado editorial e funcionando sob uma lógica consumista, alcançando, o mainstream.

E o preconceito linguístico?

Com uma construção textual semelhante ao modo de se comunicar das periferias em que são ambientadas a história, essas obras estão muitas vezes atreladas às vivências do autor. Dessa forma, na maioria dos casos, as frases não são construídas pensando na gramática correta da língua portuguesa, mas sim na mensagem que precisa ser passada. Em casos como esses, o preconceito lìnguistico torna-se alvo de discussões.

Esses livros, mesmo que publicados por grandes editoras, ainda são considerados, por muitos leitores, inferiores àqueles escritos e editados dentro da norma-culta. Já para as publicadoras, o cenário é diferente. Segundo Nair Ferraz, coordenadora editorial da Global Editora, “é necessário entender a linguagem do autor, para não mudar o texto. É uma linguagem acessível ao público e não quer dizer que seja menor, de modo algum” .

Nos anos 2000, a extinta revista “Caros Amigos” publicou três edições especiais com tema de capa: Literatura Marginal. Com essas publicações, realizadas nos anos de 2001, 2002 e 2004, os escritores de periferias Ferréz e Paulo Lins, escritores de “Capão Pecado” e “Cidade de Deus”, respectivamente foram apresentados para a grande mídia brasileira e reconhecidos pelo público, demonstrando o interesse dos cidadãos por esse tipo de livro, em que possam se ver representados.


Para Luciana Marques, a publicação dos livros de literatura marginal está mais relacionada ao mercado literário do que ao preconceito linguístico. “O mercado editorial está interessado em vender livros, é um negócio. Se o autor cativa as pessoas, a editora vai investir”. Segundo a jornalista, existem divergências editoriais a respeito da correção dos “erros” gramaticais, para alguns pesquisadores manter essa linguagem é uma forma de atenuar o preconceito. Entretanto, para outros estudiosos, é necessário manter a forma de se comunicar das comunidades nos livros publicados, dessa forma é possível preservar e passar adiante a cultura local.

O cenário hoje é outro, existem mais oportunidades para autores de literatura marginal, o preconceito linguístico está deixando de fazer parte das editorias e os livros estão sendo cada vez mais procurados pelo público. De acordo com Luciana, os autores possuem espaço em grandes editoras e são respeitados.

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Mercado editorial

É importante ressaltar que o mercado editorial também desempenha um papel crucial nesse processo. Os editores estão interessados em vender livros, e se um autor marginal consegue cativar as pessoas, as editoras estão dispostas a investir em sua obra. Esse interesse comercial contribui para ampliar as oportunidades para autores marginais e fortalecer sua presença nas prateleiras das livrarias.

Segundo Eliaquim Batista, analista de comunicação da Global Editora, para títulos de livros caracterizados como literatura marginal, sua estratégia consiste em manter o valor de livros próximos da faixa de 50 reais. Isso se dá para que a realidade ali contemplada tenha acesso ao produto final e se torne acessível para maior número de interessados. Do lado da editora, a fim de atingir tais objetivos, são feitas compensações com a arrecadação com outro título, além de uma redução na margem de lucro sobre o livro final.

Relação da literatura com as novas gerações

A literatura marginal, caracterizada pelo uso de linguagem coloquial, aproxima-se da forma como os jovens se comunicam, desempenhando um papel significativo no fomento à leitura entre adolescentes. Essa forma de escrita mais próxima e representativa impacta diretamente na conexão desenvolvida com a literatura em geral.

Uma das principais razões para isso é que a literatura marginal apresenta histórias e personagens que refletem a realidade vivida pelos jovens em contextos marginalizados. Ao utilizar uma linguagem que eles reconhecem e se identificam, os leitores sentem-se representados e encontram uma voz literária que fala diretamente com eles.

É o que Vinícius Carneiro chama de ‘poder do exemplo’, “é aquela ideia de que, se aquela pessoa pode fazer aquilo, e ela é igual a mim, eu também posso fazer”. Essa representatividade é essencial para despertar o interesse e a conexão emocional dos jovens com a leitura, pois eles conseguem enxergar suas próprias experiências e vivências retratadas nas páginas dos livros.

Editado por Mariana Ribeiro

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