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O futuro das bibliotecas, livrarias e editoras no Brasil

Por Ana Luiza Sanfilippo, Anna Muradi, Giulia Troncoso, Luísa Evangelista, Rafaela de Oliveira e Renato Badro : janeiro 17, 2023

Foto: Janko Ferlič via Unsplash

Do Império Romano ao booktok, confira um panorama histórico das bibliotecas e uma perspectiva de futuro para o mercado de livros no Brasil

As bibliotecas, livrarias e editoras cumprem papéis sociais essenciais e são fundamentais no processo de formação dos cidadãos. Nos últimos anos, esse setor foi muito impactado pelo surgimento das novas tecnologias digitais, pela situação econômica do Brasil e pela pandemia da COVID-19. Com isso, os hábitos de compra e leitura de livros foram transformados. O futuro dessas instituições culturais é incerto e tem gerado muitas discussões.

Para compreender o assunto de forma aprofundada, os especialistas Jurandy Valença (gestor, jornalista, curador, escritor e atual diretor da Biblioteca Mário de Andrade), Marcelo Duarte (dono da Editora Panda), Márcio Pozzer (gestor de políticas públicas e professor do IFRS) e Francisco Dias (escritor) apontam suas opiniões e compartilham seus conhecimentos.

História das bibliotecas

Apesar de serem parte do cotidiano das pessoas, poucos sabem como as bibliotecas surgiram e se tornaram o que são hoje. Tudo começou porque os seres humanos precisavam de um local para usar como um “depósito de conhecimento”. Na antiguidade, elas não tinham caráter público, ou seja, a população não tinha acesso ao seu acervo. “A leitura não era incentivada, porque se você lê, você está se empoderando, adquirindo conhecimento, adquirindo lugar de fala e antigamente eles não queriam isso”, afirma Jurandy Valença sobre os governantes da época.

Quem começou a moldar as bibliotecas públicas mais parecidas com o modelo que conhecemos hoje foi o imperador romano Júlio César, e, após isso, a ideia passou a ser valorizada. A maior delas, inclusive, foi criada por outro imperador romano, Trajano, e levou o nome de “Ulpiana”. Hoje, elas estão tão presentes na comunidade que, mesmo que uma cidade com poucos habitantes não tenha livrarias ou cinemas, tem ao menos uma biblioteca pública. “ Essa é a realidade dos pequenos municípios”, afirma Márcio Pozzer. “Eles têm bibliotecas públicas e municipais, porque essa é uma política difundida e quase universalizada. Quase todos municípios têm bibliotecas públicas.”

O surgimento das universidades também impactou fortemente o desenvolvimento das bibliotecas, já que com as chamadas “bibliotecas universitárias” chegaram, também, os primeiros catálogos, que organizavam os nomes dos autores e das obras, além de indicações de onde encontrá-las. Finalmente, no Renascimento, essas instituições primordiais iniciaram seu importante papel de disseminadoras de informação.

Mas ainda demorou um pouco para que a sociedade começasse a dar valor ao alfabetismo e incentivar a leitura. Jurandy completa: “Foi só no final do século 19 que a humanidade, os sábios, os políticos, entenderam que o alfabetismo seria importante para equilibrar os costumes, os hábitos e os saberes, porque antes o Vaticano tinha um acervo gigantesco inacessível para muita gente”.

Livrarias e editoras mais antigas do Brasil e do mundo

A livraria mais antiga do mundo fica localizada em Lisboa e leva o nome de Bertrand. Ela foi fundada em 1732, por uma família francesa. Chegou a ser destruída por um grande terremoto em 1755, mas seu nome sobreviveu. Em 2011, foi reconhecida pelo Guinness World Records, uma edição que apresenta uma coleção de recordes e superlativos reconhecidos internacionalmente e é publicada todos os anos. Por lá passaram grandes nomes da literatura, como Aquilino Ribeiro, Alexandre Herculano e Eça de Queiroz.

Já a mais antiga do Brasil, Ao Livro Verde, foi fundada em 1844 pelo português José Vaz Correia Coimbra. Ela fica localizada em Campos dos Goytacazes, no Estado do Rio de Janeiro, e, assim como a Bertrand, está no Guinness. A Cambrigde University Press, reconhecida como a editora mais antiga do mundo, é parte da Universidade de Cambridge e uma organização sem fins lucrativos. A primeira grande editora do Brasil, Francisco Alves, fundada em 1854, com o nome Livraria Clássica, é, hoje, uma marca.

Hábitos de leitura na infância

Ao longo da história, o ato de criar hábitos de leitura nas crianças sempre foi um desafio para pais e escolas. Esse se torna um desafio maior com o uso, cada vez mais precoce, de dispositivos tecnológicos, como smartphones e tablets, por crianças. Com isso, diversas estratégias para incentivar a leitura na infância foram criadas com o objetivo de torná-la um hábito. “Meus pais sempre me incentivaram a ler. Quando eu era bem pequena, eles costumavam ler para mim”, diz Flávia Carra, amante de livros e fã de grandes clássicos literários, como Dom Quixote de la Mancha. “Além disso, minha melhor amiga começou a ler por hobby quando tínhamos 7 anos, e eu embarquei junto nessa.”

Parte dessa responsabilidade fica com as escolas, as quais tentam cumpri-la testando diferentes maneiras de estabelecer o hábito de leitura entre os pequenos. Algumas dessas são o empréstimo de livros pelas bibliotecas das escolas, a leitura de histórias para a criançada e a ida a atividades culturais, como feiras de livros. “Acredito que estratégias para incentivar hábitos de leitura podem estimular muito as crianças”, aponta Flávia, que costuma ler em torno de 150 livros por ano. “A minha escola fazia propagandas de feiras de livros como se fosse um grande evento, influenciando as crianças a irem.”

Na foto, Flávia encontra-se lendo seu e-book no dispositivo Kindle. Leitora, ela costuma levá-lo consigo em sua rotina.
Foto: Rafaela de Oliveira

Porém, os pais também devem fazer parte desse processo. Para Marcelo Duarte, proprietário da Editora Panda, o exemplo dos pais é essencial para a construção desse hábito, “porque dificilmente você vai ter um filho leitor se o pai não for. Não adianta falar: ‘Filho, vai ler um livro’, sendo que, enquanto isso, o pai navega na internet pelo celular”. Uma forma de tornar a leitura mais divertida é levar as crianças a locais que tenham atividades voltadas para o público infantil. Entre esses locais, tem-se a Biblioteca Mário de Andrade, localizada no centro de São Paulo, onde são apresentados espetáculos de teatro e realizadas atividades literárias.

Para dar continuidade a esse processo, as escolas devem facilitar o acesso à leitura, por meio da indicação de livros aos alunos e escolha de obras adequadas para cada faixa etária. Além disso, o diálogo entre professores, diretores, alunos e pais, com o intuito de regular tempo e uso de dispositivos eletrônicos, a fim de evitar o vício em crianças e, também, de impedir que se perca o hábito de leitura, são necessidades indispensáveis. Assim, a leitura pode-se tornar divertida, e não vista como sentido de obrigação, remetendo a leituras obrigatórias de escola — outro motivo que leva as pessoas a perderem o interesse.

e-books e o advento da tecnologia

A partir de 2007, com a introdução do Kindle, os livros eletrônicos ou e-books, que consistem na conversão literal de livros impressos em digitais, vêm se tornando cada vez mais influentes no mercado literário, apesar de já existirem há mais de vinte anos. A incorporação de vídeos, áudio, dados e outros conteúdos transformaram a leitura em uma experiência multimídia de aprendizagem e de memória cultural, que trazem consigo pontos positivos e negativos.

Os e-books promovem praticidade à vida do leitor, por auxiliarem aqueles que dispõem de menos tempo para comprar livros, por permitirem a leitura em qualquer lugar com um dispositivo móvel e, ainda, livrá-los de carregarem peso. Além disso, a economia do papel, a distribuição logística facilitada, a oferta a preços mais baratos e a ampliação dos canais de vendas também são questões dos livros digitais que se apresentam como vantagens em relação ao livro impresso.

Entretanto, com o advento dessa nova modalidade tecnológica, as livrarias notam a necessidade de criar estratégias para gerenciar a cadeia produtiva literária, tendo em vista que o processo mais afetado da produção do livro físico é o editorial. Isso decorre da possibilidade dos autores contornarem e se livrarem de editoras, pois há outras alternativas para que as obras sejam publicadas, como vendas diretas via websites ou autopublicação (self-publishing). Márcio Pozzer, gestor de políticas públicas e autor do dossiê As Transformações da Era Digital e o Impacto na Economia da Cultura do Livro, afirma:

A forma de escrever não mudou, mas a forma como esse material é circulado dentro da rede de produção, o processo de fabricação do livro e todos os profissionais envolvidos (a editora, a revisão, e editoração) mudam sua dinâmica

Atualmente, os e-books não predominam no mercado, devido a poucas empresas produzirem e comercializarem conteúdo digital, à dificuldade de pequenas livrarias para se modernizarem, ao alto investimento demandado para entrarem e se manterem no mercado digital, à adaptação dos sistemas de gestão de livros físicos para o comércio eletrônico de e-books, à internet cara e limitada etc. Com isso, “é prematuro apontar que dispositivos como e-readers, tablets, Kindle e similares, softwares e demais hardwares desenvolvidos especificamente para a leitura dos e-books, sejam responsáveis por mudanças de hábitos de leitura dos brasileiros”, ressalta Pozzer.

De acordo com o Censo do Livro Digital, em 2020, o conteúdo digital representava 6% do mercado editorial brasileiro (excluindo o faturamento do subsetor de didáticos e vendas ao governo), e foram lançados 9,6 mil novos títulos de e-books. A Pesquisa Conteúdo Digital revela que o faturamento das editoras com conteúdo, naquele mesmo ano de 2020, apresentou crescimento nominal de 43%.

Algumas pesquisas afirmam que os e-books atingiriam um maior sucesso no segmento de livros didáticos, levando em conta a comodidade de transporte dos livros eletrônicos e a faixa etária do público-alvo, mais apto às mudanças e às novas tecnologias.

Portanto, o advento dos e-books ainda não é tão expressivo a ponto de promover uma mudança radical no universo literário, devido aos ajustes necessários às operações. Os livros físicos ainda predominam como preferência dos consumidores, e alguns estudos apontam para a coexistência e complementaridade dos dois formatos, não havendo efetivamente a substituição de um pelo outro.

Livros durante a pandemia e booktok

Durante a pandemia do novo coronavírus, um dos meios recorridos pelos adolescentes e jovens adultos, no período de quarentena, foram os livros. Com grande influência de produtores de conteúdo da plataforma TikTok, algumas pessoas reviveram seu hábito de leitura a partir dessas indicações de livros e conversas que acontecem pela internet. Essa ala do aplicativo foi apelidada pelos seguidores como “booktok”, assim ficaria mais fácil de encontrar esse tipo de conteúdo na barra de pesquisas.

A hashtag “booktok” ajuda os usuários do TikTok a acharem os conteúdos literários com mais facilidade.
Foto: Reprodução / TikTok

Esse nicho do app, surgido em meados de 2020, foi o principal influenciador para que os usuários tivessem acesso a indicações em formato audiovisual, opiniões expressadas de forma abrangente, recomendações de sites e lojas virtuais com os melhores preços de livros físicos e digitais, além de servirem, também, como entretenimento.

Com a juventude se aproximando (ou reaproximando), cada vez mais, do nicho literário, a busca por livros, tanto físicos quanto digitais, aumentou significativamente. O principal meio que comprova essa busca pela leitura é o Painel do Varejo de Livros no Brasil, realizado pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) em parceria com a Nielsen Bookscan Brasil. O mesmo indicou que, do início ao fim de 2021, houve um aumento de 33% no número de livros vendidos em relação aos anos anteriores.

Quando se trata de e-books, a Câmara Brasileira do Livro e o SNEL apresentaram um crescimento de 37% na procura de livros digitais nos últimos três anos. A Amazon foi uma das empresas que mais venderam livros durante a pandemia. Somente na “Prime Day” de 2021, a venda de livros no Brasil aumentou 26% ao todo, sendo 4,7 milhões de livros comercializados no país.

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É importante considerar que canais tradicionais (livrarias) também são utilizados para vender os e-books, por meio de suas respectivas páginas na internet. Além disso, muitas pessoas costumam ir às livrarias para consultar as obras de seus interesses, mas a compra é realizada de modo online. Assim, as livrarias tradicionais continuam a fazer parte do processo de tomada de decisão, mas não necessariamente do de compra.

Então, para empresas que já estavam familiarizadas com o modelo de vendas pela internet, a pandemia foi um impulsionador de lucro. Porém, para livrarias e bibliotecas físicas, que não estavam preparadas para essa mudança repentina, a realidade foi outra. A Livraria Cultura, por exemplo, fechou em 2021 duas de suas maiores unidades de São Paulo: as do Shopping Villa-Lobos, Bourbon e uma no Paraná, no Shopping Curitiba. Assim como a Cultura e outras livrarias que tiveram seu comércio sabotado pela quarentena, bibliotecas que não tinham acervo digital perderam tantos clientes quanto.

Ou seja, percebe-se que o maior problema enfrentado pelas livrarias e pelo leitor é praticamente o mesmo: por causa da pandemia, consumidores de livros, que não podiam sair de suas casas, iniciaram a busca por e-books e por compras online em empresas como a Amazon, que oferecem preços baixos, grandes promoções e descontos. A partir disso, as grandes livrarias, por baixa tiragem de livros, precisavam aumentar o preço de seus produtos para não saírem prejudicadas financeiramente, distanciando os leitores de compras nesses locais.

Com isso, sob uma perspectiva política, a leitura sofre ameaças pela falta de lucro de determinadas empresas, resultando em propostas feitas pela Receita Federal em 2021 que buscam sugerir a perda de isenção tributária dos livros, alegando que somente a classe alta lê. Situações como essa são uma ameaça para todos os leitores, ainda mais os que não têm acesso a livros tão facilmente, o que mostra, por parte do governo, que não há o incentivo à leitura que deveria haver. Ao ser perguntado sobre a falta de incentivo à leitura por parte do Governo Federal, Jurandy Valença, diretor da Biblioteca Mário de Andrade, afirma:

Quem está fazendo alguma coisa são alguns governos municipais e estaduais, que estão incentivando a leitura e fazendo com que o livro chegue até a periferia. Entendo que o Governo Federal não faz absolutamente nada pela cultura, eles querem destruir a cultura, mas, em compensação, os governos estaduais e municipais tomam providências para isso. A gente, por exemplo, procura comprar livros de editoras periféricas, porque hoje em dia não existe um centro físico. É na periferia que estão surgindo as coisas mais incríveis na música e na literatura, a literatura de cordel, que antes era um território de homens, hoje existem muitas mulher cordelistas, por exemplo.

(Falta de) Incentivos do governo

Durante entrevista, o professor universitário Márcio Pozzer, ao ser questionado sobre a realização de políticas públicas que facilitassem a democratização do acesso à cultura, respondeu que nos últimos trinta anos foram realizados vários projetos com o objetivo de promover a leitura. Com o plano nacional, as bibliotecas foram praticamente universalizadas no país, e houve a expansão das universidades públicas e institutos federais.

Porém esse cenário se modificou nos últimos anos. Quando Michel Temer entrou no poder, ocorreu uma tentativa de fechar o Ministério da Cultura. Na época, houve uma grande mobilização da agência cultural que não permitiu esse fechamento, pois isso não condizia com o que foi defendido em suas promessas de campanha. Já com a posse de Bolsonaro, isso mudou, pois durante a sua campanha ele prometeu que faria isso em seus discursos. Márcio Pozzer diz:

Ele entra com uma agenda de guerra cultural, e de desconstruir o apoio do Estado à cultura. Isso está muito presente no discurso do governo dele. Então, se pensarmos no aspecto federal, ao falar de política pública falamos do poder público. Precisamos falar das três esferas, porque hoje tem a esfera federal, estadual e as municipais, que são muito diferentes.

Como houve um retrocesso no âmbito cultural no Governo Federal, os estados e municípios sofrem com o reflexo disso. Quando o Ministério da Cultura foi fechado, em 2019, houve um efeito cascata, fazendo com que as secretarias estaduais e municipais fossem também fechadas. Por mais que tenham exceções de algumas prefeituras e governos estaduais que conseguiram manter suas secretarias, em sua grande maioria isso não ocorreu.

Acesso aos livros na periferia

A cultura brasileira tem se tornado cada vez mais elitizada durante os anos, e o acesso aos livros não foge dessa realidade, na medida em que as zonas periféricas ao redor do país têm menos acesso à literatura. Um provável agravante para essa situação tem sido a discussão sobre a taxação dos livros. Em 2021, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que as reformas econômicas deveriam avançar, fazendo com que a Receita Federal voltasse a trabalhar o tema dessa possível taxação.

Segundo a Constituição Federal de 1988, tanto os livros quanto os papéis destinados a sua impressão possuem imunidade em relação aos impostos. Mas, em declaração recente, a Receita Federal defendeu a tributação desses bens, afirmando que os livros deveriam ser taxados por não serem consumidos pela população mais pobre, e que a isenção de taxas favorece apenas os mais ricos, os quais consomem a literatura.

Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares, de 2019, mostram que famílias com renda de até dois salários-mínimos não consomem livros que não sejam didáticos, e a maior parte dos livros é consumida por famílias com renda superior a dez salários-mínimos. Assim, segundo a lógica da Receita, os livros sofreriam uma taxação de 12% (alíquota sugerida pelo governo para a Contribuição de Bens e Serviços), e o dinheiro arrecadado pelo governo seria encaminhado a políticas públicas destinadas às populações mais pobres.

A Associação Brasileira dos Editores de Livros (Abrelivros) e a Câmara Brasileira do Livro (CBL) são contrárias à mudança, acreditando que o aumento no preço dos livros aumenta, ainda mais, a elitização desse bem cultural. Em manifesto, o presidente da Abrelivros, José Ângelo Xavier, afirmou: “O nosso pleito é para permitir que mais pessoas tenham acesso ao livro, que significa conhecimento e educação. Temos de dar condição de acesso à população, não dificultar ainda mais”.

Atualmente, a produção e a venda de livros não é barata, o que por si só já são limitadores do acesso a esse produto. Em entrevista sobre uma possível taxação dos livros, o jornalista e escritor Marcelo Duarte relata: “Como nós temos essa isenção de imposto, o livro consegue ficar um pouco mais barato para o público em geral, embora não seja hoje um produto barato. Ele poderia ficar muito mais caro e menos acessível”. Sobre sua atuação na editora Panda, ele completa: “Nós sempre batalhamos por uma política que levasse o livro mais barato para o público”.

A dificuldade de acesso à literatura nas periferias não fica retida ao valor dos livros, ela também é agravada pela falta de livrarias e bibliotecas nestas regiões. Apesar do avanço na venda digital dos livros, ainda há uma grande barreira que vai desde fretes muito altos até a falta de agências distribuidoras para a entrega dessas encomendas, questões que impedem os produtos de chegarem a bairros e cidades periféricas ao redor do país.

Quando questionado sobre essa problemática, o gestor de políticas públicas Márcio Pozzer ressalta que “aquelas pessoas que têm menos recursos vão comprar livros mais caros. Isso é a dinâmica do capitalismo, resolve-se isso a partir de políticas públicas”. Ele completa dizendo que “ a mão invisível do mercado não vai dar conta disso, ela vai fazer com que aqueles que mais leem livros continuem com a prática, e os que não os lêem vão continuar dessa forma”.

Existem, porém, bons exemplos de iniciativas sociais de inserção dos livros na periferia. Entre eles têm-se as bibliotecas comunitárias. Uma pesquisa realizada entre janeiro de 2017 e junho de 2018, pela Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias (RNBC), indica que 86,7% dessas bibliotecas estariam localizadas em zonas periféricas de áreas urbanas, em regiões de índices elevados de pobreza, violência e exclusão de serviços públicos.

Outras medidas, que também possuem grande importância nesse processo de inserção, são as feiras de livros, que quando instaladas fora dos grandes centros causam grande difusão de diferentes títulos literários nas zonas marginalizadas. Márcio Pozzer comenta sobre a relevância dessas feiras: “É fundamental para você formar público. As pessoas moram em uma cidade que não tem livraria, quando acontece a feira do livro durante uma semana, elas vão lá, folheiam o livro e se encontram”.

Todavia, devido ao alto custo de produção de eventos desse tipo, as feiras literárias correm risco de extinção. “As feiras de livros nas pequenas cidades também estão fadadas a sumir, porque a concorrência e os valores dos livros não valem a pena. Isso está mexendo muito com a economia da cultura e do livro, em especial”, conclui Pozzer.

É o fim das livrarias, editoras e bibliotecas?

Não. Cada uma das empresas por trás do resultado final, como conhecemos, há de tentar atualizar seu conteúdo para uma nova realidade e se reinventar perante aos novos costumes da geração pós-pandêmica. Como exemplo, tem-se o Cultura-pass, criado pela Livraria Cultura em 2021. Essa assinatura, com o valor de R$ 14,90 por mês, oferece ao assinante até 20% de desconto em compras e permite que ele pegue livros emprestados em qualquer unidade. Além disso, dá descontos em cinemas, teatros e museus, buscando oferecer ao cliente cultura e educação e, ao mesmo tempo, se reerguendo após um período conflitante economicamente.

Há também o projeto de André Campello, que, visando atingir o público infantil e fazer com que crianças não desistissem da leitura, criou a plataforma “Dentro da História”, onde a criança pode inserir a si mesma na história digitalmente.

Também é notório que, feito de forma correta, é possível influenciar pessoas a iniciarem ou recomeçarem um hábito de leitura. O booktok, projeto iniciado despretensiosamente, incentivou milhares de adolescentes e adultos a aumentarem sua média de leitura e a falarem sobre o assunto com propriedade. Esse projeto criado no booktok pode ser aplicado (com suas devidas adaptações) para o ambiente escolar, por exemplo, com a criação de um clube de leitura, feiras de livros etc.

Atitudes como essa promovem um grande incentivo literário para a nova geração de leitores e principalmente para pessoas de baixa renda, que precisam de planejamento socioeconômico por parte das empresas para que esta receba o conteúdo de forma acessível. “O importante é a circulação do livro”, diz Jurandy Valença.

Editado por Juliano Galisi

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