Estilo que envolve o uso de roupas esportivas e músicas que narram a vivência periférica, o Sportlife mostra-se cada vez mais presente no país
De corta-ventos a tênis esportivos; de Nike a Lacoste; de funk a batidas aceleradas e, enfim, a metrópole. São esses elementos que muitos jovens associam a um ambiente social da periferia. Algumas pessoas pensam em festa, outras em uma caminhada pelo bairro ou em um clipe no YouTube.
Quando se fala em Sportlife, o que vem ao imaginário popular é um modo de vida fitness, repleto de atividades físicas e dietas balanceadas. Mas aqueles que acompanham o Hip-Hop brasileiro a fundo o associam à cena nacional dos estilos musicais Grime e Drill, subgêneros do rap.
Esse é o caso de Samir Bertoli. O estilista e diretor de conteúdos criativos, nascido em São Paulo, afirma que o Sportlife é um estilo de vida da periferia que gira em torno principalmente de roupas de esporte.
O modelo se desenvolveu com a influência do sportwear, tendência que se aproveita de roupas esportivas, das áreas suburbanas da Inglaterra, muito motivado pela paixão dos ingleses pelo futebol no país. Está relacionado à correria do dia a dia das pessoas que moram em regiões de classe baixa e média, e também ao conforto e ao estilo que pode promover ao consumidor desses produtos.
Origem do Sportlife
Para entender mais sobre Sportlife, é necessário saber um pouco mais sobre os Hooligans ingleses, os torcedores fanáticos dos clubes de futebol da Inglaterra.
No final dos anos 1970, com as brigas generalizadas entre as torcidas organizadas no país, era comum pessoas não ligadas a esses grupos se envolverem. Os comércios eram saqueados, principalmente lojas de roupas de marca, como Fila e Diadora. Assim, foi sendo criada uma subcultura do futebol, a então chamada de “Casual Football”, que envolvia o uso de peças esportivas como camisas de times junto com as roupas casuais dessas marcas, apesar do preço elevado.
“Foi a primeira vez na minha vida que eu senti o que era uma família. Não importava se você era negro ou branco, contanto que você fosse vinho e azul (cores do West Ham United FC)”, diz o ex-hooligan Cass Pennant, do torcedor do West Ham United FC e escritor, durante uma entrevista para Highs Nobiety.
Esse é o ponto de encontro entre o esporte e a moda. Segundo o estilista Bertoli, por outro lado, apesar disso, a relação entre as duas áreas não é direta. A tendência foi influenciada muito mais pelos Chavs, do começo dos anos 2000, que eram jovens de classe média baixa do Reino Unido, que usavam roupas de marcas esportivas e gostavam de rap.
“O Sportlife bebe mais dos Chavs, com o pessoal do UK Drill (artistas ingleses do estilo musical), que eram da periferia da zona leste de Londres e usavam artigos de esporte. Cada vertente é muito única. O Sportlife na França é muito diferente do que se vê na Alemanha, e ainda mais em comparação à Inglaterra. Aqui [no Brasil], usamos muita polo da Lacoste, que os gringos não curtem tanto. Então, esteticamente, não é tão parecido. Os Chavs influenciam muito mais, estão mais próximos do Sportlife”, diz.
Outra influência é a do Grime, gênero originado no começo dos anos 2000 que envolve a junção do rap americano, a música eletrônica britânica e música estrangeira, principalmente a jamaicana. O estilo estourou com nomes como Dizzee Rascal e Wiley. Lucas Eduardo, rapper paulista mais conhecido como Fleezus, explicou um pouco sobre a origem.
“O Grime começou em Londres, na Inglaterra, no final dos anos 1990 para o início dos anos 2000, quando alguns MCs faziam ‘Clashes’, um tipo de batalha de rima. Através do Drum & Bass e do Jungle, que sofreram adaptações, foi criado o Eskimobeat, pelo artista Wiley, que veio a se tornar o Grime que conhecemos hoje. Na Jamaica, o Grime é muito forte assim como na Inglaterra, e a cultura jamaicana o influencia muito também”, afirma.
Além disso, Fleezus destaca também a importância que os imigrantes têm na consolidação do gênero no cenário inglês e, posteriormente, mundial, já que a maioria dos MCs que faziam rimas nas ‘Clashes’ eram majoritariamente estrangeiros e popularizaram seus estilos musicais nativos numa forma de contracultura à música padrão na Inglaterra, o Rock.
Brasil, meu Brasil brasileiro…
O rapper afirma que o Sportlife vem crescendo no Brasil. Segundo ele, o Grime passou a ficar mais forte em meados de 2016, quando o Skepta, artista inglês, começou a abrir os shows do cantor Drake, canadense, atingindo um pessoal que acompanha bem o rap internacional.
Havia a fórmula perfeita: a correria do dia a dia, o amor pelo futebol e um estilo de música com o qual se identificar, o funk. Apesar de as camisas de time não serem novidade no país, Fleezus é um dos responsáveis pela sua popularização dentro do Sportlife.
Fleezus, junto com o rapper Febem e o produtor musical brasileiro Cesrv, ao desenvolver o EP ‘Brime!’, trouxeram essa estética brasileira da paixão pelo futebol, o uso de camisa de times e as críticas sociais ao viajarem a Londres em 2019.
“O Brime foi um abridor de portas. O que mais representa o Brasil no quesito Grime para o mundo. Apresentamos o jeito brasileiro de se fazer música, e só assim conseguimos fazer o que fizemos. Um disco que abriu oportunidades, até pra quem não participou. Lá, entendi que o rolê que eu fazia no Brasil tinha todo o sentido na Inglaterra também. É o que faz o nosso rolê aqui acontecer: roupas esportivas tipo camisa de time, tracksuits (conjuntos esportivos)… De preferência, confortáveis”, afirma Fleezus.
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Guilherme Oliveira Soares, rapper de 21 anos também conhecido como Youngui, vive bastante como o Sportlife atua por aqui. Em entrevista, afirmou que, antigamente, as camisas de time eram comuns apenas entre o pessoal que gostava de ver futebol e queria ser jogador.
“O Sportlife representa bastante coisa e tem se tornado cada vez mais influente. Na quebrada, a gente sempre via pessoas com camisas de time, mas era mais o povo que curtia jogar um futebol na quadra, que queria ser jogador. Não era algo visto em clipes de rap, mas era bem mais presente nos de funk, e isso tá vindo só agora. Tanto homens e mulheres estão usando camisas de time para sair”, diz o rapper.
Youngui faz parte do coletivo Bradrill, movimento underground de Drill brasileiro que conta com artistas, escritores, poetas, beatmakers, fotógrafos, designers e outros profissionais envolvidos com o audiovisual.
“O movimento foi uma ideia do DJ Ader. chamando pessoas que tinham se desvinculado de um grupo recentemente, assim como eu. Ainda estamos amadurecendo, mas cresceremos muito. Nosso principal objetivo é dar reconhecimento nacional ao Drill”, afirmou o artista.
Além disso, está começando uma valorização do que é nacional, tanto na moda quanto na música. Marcas de Streetwear brasileiras, como a Captive e a Sigilo SP, são exemplos de marcas que estão envolvidos no Sportlife.
“O futuro do Sportlife no Brasil é a quebrada. Quem fura a bolha social, sai da favela, do morro, e conhece outros estilos musicais, outras modas, e alimenta seu ambiente com a novidade. Esse é o futuro”, diz Fleezus.
Editado por Daniela Nabhan
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