Desorganização em shows: de quem é a culpa? - Revista Esquinas

Desorganização em shows: de quem é a culpa?

Por Giulia Dardé e Vinicius Piazza : junho 9, 2025

A experiência de um show pode ir do lazer à frustração a depender do comprometimento da produtora. Foto: ESQUINAS/Giulia Dardé

Falta de preparo e falhas na logística colocam em xeque a responsabilidade por acidentes nos grandes shows

Nos últimos anos, especialmente após o período marcado pela pandemia do Covid-19, o Brasil tem se tornado um dos destinos favoritos de turnês internacionais de grandes artistas. Nomes renomados da música mundial como Taylor Swift, The Weeknd, Coldplay, Stray Kids e diversos outros, têm colocado cidades brasileiras em suas agendas, atraindo multidões de fãs. O aumento de shows veio acompanhado de diversos problemas, tanto estruturais, como sociais que, em alguns casos, apresentam risco à saúde e à vida do público.

Diante da situação, surge o questionamento de quem deve ser responsabilizado. Apesar das atrações principais serem os artistas, diversas equipes participam da divulgação, venda, organização e locação dos shows, muitas vezes confundindo o público sobre quem realmente está no controle de cada pedaço do espetáculo. A hiper lotação de espaços, falta de tratamento adequado e despreparação para lidar com imprevistos técnicos são problemas recorrentes.

Os bastidores da produção

As empresas de produção de eventos que reúnem milhares de pessoas precisam estar alinhadas não apenas com a estrutura física, mas também com princípios que preservarão o bem-estar do público. A produtora de eventos, Gabriela Scarpelli, formada em Gestão e Design de Eventos pelo Senac, que atualmente trabalha no backstage da Banda Viva Noite, enfatiza que “A superlotação pode ocorrer quando há um erro no limite de venda dos ingressos. Já as filas enormes podem ser causadas por pouca equipe trabalhando naquele setor. Tudo isso é responsabilidade da produção.” A experiência do público está diretamente ligada ao nível de comprometimento e organização da produção. Erros como esses, por mais simples que pareçam, podem transformar um momento de lazer em frustração e risco.

Estes problemas podem começar pela escolha dos locais, visto que, nem sempre são adequados para as necessidades do consumidor.  “Algumas vezes, nos sentimos limitados quando o espaço do evento não oferece uma estrutura mínima, sendo de nossa responsabilidade como produtora, arcar com segurança terceirizada, que acabam tendo um custo maior para o cliente e consequentemente para o público”, ressalta Scarpelli. Isto significa que a precariedade do ambiente obriga a produtora a elevar os custos, impactando diretamente no preço final que será cobrado que, geralmente, não reflete na qualidade da experiência.

A pressão por corte de gastos também compromete a segurança. Gabriela comenta que “Isso acontece quando o cliente ou investidor quer reduzir custos. Boas produtoras contam com apoio jurídico, mostrando que um gasto a mais pode ser melhor do que consertar um erro gigantesco no futuro”. A tentativa de economizar, sem considerar riscos operacionais, acaba gerando falhas que poderiam ser evitadas com planejamento adequado e investimentos responsáveis. O que está em jogo não é apenas a reputação do evento, mas a integridade de milhares de pessoas.

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A superlotação pode acontecer quando se vendem ingressos para mais pessoas do que comporta o lugar do evento.
Foto: Divulgação/Banda Viva Noite

Entre a expectativa e a realidade

Um caso inesquecível em relação as falhas de organização, é o de Ana Clara Benevides, uma jovem de 23 anos que morreu após sofrer exaustão térmica, causada pela extrema exposição ao calor, no show da cantora norte-americana Taylor Swift no Estádio Engenhão no Rio de Janeiro. A morte da garota ligou um sinal de alerta para um ponto muito importante: a falta de água nos shows, já que não é permitida a entrada com garrafas d`água e, até então, não havia distribuições por parte do evento. A repercussão gerou uma irritação nacional, visto que, o acesso a água é um direito humano e a falta dela durante as horas foi um dos motivos do falecimento de Ana. Após o ocorrido, foi criada a Lei que levou o nome da jovem, que visa garantir a distribuição de água potável em grandes eventos públicos e privados.

As filas imensas e a desorganização nas entradas dos locais também são fatores que irritam e desanimam o público. A polêmica envolvendo a turnê do Stray Kids no Brasil também deixou os fãs e admiradores de shows em alerta. Quando a produção anunciou os shows no Allianz Parque, em São Paulo, os problemas começaram: informações confusas, preços altíssimos e uma venda de ingressos caótica. Os fãs reclamaram do site travando, das filas virtuais intermináveis e da falta de suporte para quem tentou comprar ingressos pessoalmente. Para completar, surgiram denúncias de revenda ilegal com preços abusivos, o que fez diversos fãs a suspeitaram de esquemas com cambistas.

“A gente se programa, economiza, se emociona com o anúncio, mas quando chega na hora, parece que ninguém pensou no público. Chegamos horas antes, com o ingresso premium e, por falta de sinalização e má organização do evento, só conseguimos entrar após o show ter começado. A sensação é de frustração, como se o fã fosse a última prioridade.”, diz Bruna Araújo, de 19 anos, fã de K-pop.

Nestes casos, o evento vai muito além do espetáculo, a produção e gestão deve estar alinhada com os melhores métodos de organizações para proporcionar ao público uma boa experiencia. O público não é só um grupo de consumidores, mas parte fundamental de uma experiência que deve ser, acima de tudo, segura e inclusiva. Quando falta planejamento, transparência e cuidados básicos, o que poderia ser uma noite inesquecível vira um problema que muitos não esquecem. No fim das contas o show deveria ser um motivo de diversão, e não de preocupação.

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Direito em palco

Em meio ao caos e as frustrações que um evento malsucedido pode causar ao público, muitos acabam se esquecendo de seus direitos como consumidor, afinal, todo tipo de atividades de entretenimento, tais como shows é regulada pela lei consumerista. A advogada Patrícia Soares relembra que, conforme estabelece o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), os organizadores assumem total responsabilidade pela prestação adequada do serviço, desde a divulgação até a execução do evento. Isso inclui o dever de fornecer informações claras sobre data, horário, local, acessibilidade, lotação e possíveis riscos à segurança.

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O Código de Defesa do Consumidor prevê que toda informação veiculada sobre o show deve ser clara, precisa e verdadeira.
Foto: ESQUINAS/Giulia Dardé

Os direitos do público começam a ser aplicados muito antes do dia do evento, tendo início já na fase de divulgação. Como explica a Dra. Soares, “desde a propaganda, o organizador do evento assume todas as responsabilidades descritas no CDC (Código de Defesa do Consumidor)”. Isso significa que toda informação veiculada sobre o show, como data, horário, local, valor do ingresso, tipo de acomodação, acessibilidade, regras de cancelamento e eventuais restrições, deve ser clara, precisa e verdadeira. Qualquer divergência entre o que foi anunciado e o que é efetivamente entregue caracteriza propaganda enganosa e pode gerar a responsabilização civil do organizador. Dessa forma, os consumidores têm o direito de exigir que o evento seja realizado exatamente como foi divulgado, e a violação dessa expectativa pode resultar em danos significativos à credibilidade do organizador.

Outra questão crítica que surge frequentemente em eventos desorganizados é a superlotação. A lei é enfática ao afirmar que “são vedadas as práticas de permitir o ingresso de um número maior de consumidores que aquele determinado pela autoridade administrativa”. O descumprimento dessa norma compromete não apenas a experiência do público, mas também coloca em risco a segurança e o bem-estar dos presentes. Em casos de superlotação, o organizador não apenas infringe as normas de segurança, mas também pode ser responsabilizado por danos materiais e morais causados aos consumidores, como o desconforto extremo, o risco de acidentes e a impossibilidade de aproveitar o evento conforme o prometido.

Sendo assim, colocando em questões legais, a culpa pela desorganização em shows recai diretamente sobre os organizadores e fornecedores do evento, que respondem objetivamente por qualquer dano causado aos consumidores, conforme o artigo 6º, inciso VI do CDC: “A desorganização em shows é, à luz do Código de Defesa do Consumidor, culpa dos organizadores e fornecedores, que têm dever legal de garantir segurança, informação clara, respeito à capacidade do espaço, acessibilidade e respeito aos direitos do consumidor. A violação desses deveres pode acarretar reparação de danos, devolução de valores pagos e penalidades administrativas.”

Portanto, a culpa pela desorganização em shows não deve recair sobre o público, mas sim sobre os responsáveis pela produção e execução, que devem responder pelas consequências de sua negligência ou má gestão. Dessa forma, é imprescindível que os responsáveis pela realização de eventos estejam plenamente conscientes de suas obrigações legais e adotem medidas preventivas para garantir uma experiência segura e organizada. O respeito ao consumidor deve ser tratado como prioridade, não apenas para evitar sanções jurídicas, mas, sobretudo, para assegurar a integridade e a confiança em futuras produções.

Editado por Luca Uras

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