Poesia de rua: conheça o palco da Batalha da Juventude - Revista Esquinas

Poesia de rua: conheça o palco da Batalha da Juventude

Por Ana Carolina Oliveira , Enzo Cipriano, Letícia Lima, Tiffany Maria e Victória Acquaviva : janeiro 30, 2024

Rimas que são mais do que um mero ataque ao adversário, são um meio de trazer questões sociais à tona e fazer com que até mesmo a voz mais reprimida garanta uma oportunidade de ser ouvida. Foto: Luis Quintero/Pexels

Nas noites de segunda-feira, o Centro Cultural Ruth Cardoso é palco de rimas que se tornam arte, criando oportunidades e desafiando a marginalização

Muito se discute se a poesia brasileira ainda existe, mesmo depois de Clarice Lispector, Mário Quintana e Ariano Suassuna. E a resposta é um contundente sim, e ela está mais próxima do dia a dia das pessoas.

Hoje, fala-se muito sobre o RAP (Rhythm And Poetry) e o Hip Hop, juntamente com suas intervenções no mundo contemporâneo desde a ascensão de ambos os estilos. Originados nos Estados Unidos, o Rap e o Hip Hop no Brasil nasceram na cidade de São Paulo, em batalhas de rimas. Existem inúmeros desses movimentos pelo país, e é na capital paulista onde a “cena” da poesia do Rap é mais forte.

Uma das pequenas gotas desse grande mar é a Batalha da Juventude. O evento tem o objetivo de promover a desmarginalização do Rap e abrir espaço para jovens periféricos irem ao encontro das artes e se expressarem por meio das rimas.

Gabriel Alves é um dos envolvidos na criação do projeto, iniciado em 2022. Rimando há mais de sete anos, ele começou logo depois de terminar seus estudos em uma pequena escola na Zona Norte da terra da garoa. O jovem de 25 anos se apaixonou pelo mundo das batalhas e ficou intrigado ao perceber que ainda não havia tantos projetos em sua região. Isso o incentivou, então, a organizar movimentos culturais no bairro da Lauzane Paulista, também na região norte da capital.

Nas noites de segunda-feira, a Batalha da Juventude traz a sua voz, a partir das 19 horas, bem em frente ao Centro Cultural Ruth Cardoso, no coração da Zona Norte. Pequenos grupos vão chegando ao local, e para ser um dos artistas da noite, basta fazer a inscrição.

Gabriel pega o microfone, e ao som do primeiro beat, a área se transforma, e a energia vibrante das ruas se concentra na voz de cada um presente. De maneira aleatória, os confrontos são definidos, e cada MC tem 40 segundos para deixar sua marca.

MCs de vários lugares e idades participam. A batalha atrai artistas até de outras cidades do Estado e oferece oportunidades desde cedo para os jovens que desejam entrar no mundo das rimas.

As rimas, mais do que um mero ataque ao adversário, são um meio de trazer questões sociais à tona e fazer com que até mesmo uma voz reprimida tenha uma oportunidade de ser ouvida. É o que relata Pedro, de 19 anos, que frequenta o local há alguns meses.

“Cara, a Batalha de Rima é a pura essência da comunidade. É onde você encontra uma mistura de culturas e histórias. É terapêutico estar aqui e compartilhar seus pensamentos com tanta gente que te entende. É como sair de uma reunião de amigos, um elo forte com a galera que valoriza a rima e a expressão.’’

Assim como Pedro, Luiza, de 20 anos, enxerga nas batalhas uma oportunidade de libertação. Frequentando a Batalha da Juventude há pouco mais de um mês, ela expressa grande admiração pelo mundo das rimas. “A Batalha de Rima é um evento muito foda! A atmosfera é absurda. Você pode sentir a paixão de todo mundo ali. É incrível ver como a criatividade flui no calor do momento. É um lugar onde a arte e a cultura se encontram em uma esquina qualquer da Zona Norte.”

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Quanto ao impacto dessas batalhas nas comunidades, Gabriel visualiza de maneira positiva, já que, de acordo com ele, a Zona Norte possui áreas em que os jovens são carentes em quesito cultural. “A gente faz a batalha e não cobra nada. Consigo ver a reação dos jovens demonstrando interesse em começar a rimar, e é incrível. Isso nos dá mais vontade de continuar [com o projeto]”, conta.

A marginalização era, e ainda é para alguns grupos, o maior problema das batalhas mais antigas. Muitos policiais impediam os jovens de se reunirem e expressarem suas ideias. Gabriel observa hoje um retorno e um reconhecimento muito melhores daqueles que não vivem a “cena”. E isso, afirma ele, se deve em grande parte ao sucesso da famosa organização desses movimentos, a Batalha da Aldeia, que hoje possui mais de dois milhões de seguidores no Instagram e está quase chegando à marca de cinco milhões de inscritos em seu canal do YouTube.

Enquanto um confronto acontece, é possível notar a atenção de cada espectador em uma rima após a outra, e quando uma surpreende, todo o público libera sua adrenalina através da voz, e a euforia toma conta do confronto. Round após round, um vencedor é escolhido após uma simples votação, onde basta levantar a mão para o MC que você acredita ter feito a melhor rima. Mesmo com a escolha de um vencedor, todos recebem o merecido reconhecimento e podem divulgar um pouco de seu trabalho.

Gabriel pega o microfone, um novo beat se faz presente, e ao som do tradicional canto “vai matar ou vai morrer”, mais uma batalha se inicia na noite adentro na Batalha da Juventude.

Editado por Mariana Ribeiro

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