"Se Essa Rua Fosse Minha": no teatro, o País se torna palco e palanque - Revista Esquinas

“Se Essa Rua Fosse Minha”: no teatro, o País se torna palco e palanque

Por Thiago Lacerda Peres, Juliana Picanço, Catharina Pinheiro e Fernanda Viana : novembro 17, 2022

Fotos: Isabella Delgado

Releitura sobre o impasse histórico entre USP e Mackenzie nos “Anos de Chumbo” é o novo espetáculo apresentado pelo coletivo de teatro “Despertar”

História é cultura, cultura é arte, e arte, dentre tantas, também é teatro. Teatro que, por sua vez, na arte, na cultura, na história e no Brasil, por mérito, é resistência. A 5ª Arte é Chicó, Severino e Zé do burro. É Sertão, é Leblon, mas, nesse caso, é uma sala no DOPS, um quartel no Araguaia e até mesmo um diretório estudantil.

“Se Essa Rua Fosse Minha – O Amor nos Anos de Chumbo” é o novo projeto do “Despertar”, coletivo de teatro musical da Faculdade Cásper Líbero. Ambientalizado na década de 60, que foi marcada por movimentos sociais e inquietações com o regime político, o espetáculo conta a história de dois estudantes, de faculdades e famílias opostas, que se apaixonam.

Roteirizado pelo diretor Marcos Ferraz e adaptado pelos diretores Pedro Cantelli e Giulia Gianolla, a peça carrega consigo um repleto de detalhes e referências à memória da Ditadura Midiática-Civil-Militar no Brasil. Inspirada em “Romeu e Julieta”, clássico de William Shakespeare, a trama mescla a ficção com um dos episódios da época: a Batalha da Maria Antônia.

No centro da cidade de São Paulo, alunos de duas universidades, uma pública e outra particular, sentem na pele o clima de antagonismo social. De um lado, o núcleo organizativo do movimento estudantil, onde era sediada a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP – atual FFLCH). Do outro, a célula do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), onde também era o endereço da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Diretamente para o teatro

Já na Vila Mariana, nos dias atuais, 43 alunos de comunicação se reúnem aos domingos e feriados em longos ensaios de canto, dança e atuação para trazer aos palcos um momento marcado no tempo pela mancha de sangue na história brasileira.

O coletivo ensaia desde março para transportar o público a Maria Antônia dos anos 60 através das composições de grandes nomes da música popular brasileira, como Chico Buarque, Gal Costa, Caetano Veloso, Os Mutantes, entre outros artistas que causaram grande impacto na nossa cultura e memória musical.

De “Apesar de Você” até “Brasil”, o grupo conta, com alto astral e canções, diferentes histórias daquela época – desde o alienado rico que se beneficia do sistema até a mãe que se preocupa com a filha militante. Com muita leveza e sacadas cômicas, o musical conecta a plateia que consegue se enxergar um pouco em todos os personagens.

“O tempo do teatro é o eterno retorno, é nietzscheano, é o tempo do amor.”

– José Celso Martinez, pai do Teatro Oficina

Com Pedro como protagonista, o Romeu da peça, acompanhamos a vida do estudante de filosofia da USP que se opõe ferrenhamente às imposições do regime militar, mas com a doçura e a singeleza de uma família humilde que sonha com outra realidade.

“O Pedro é um personagem que tem grande importância, não só no enredo, como no significado da nossa história, pois ele traz consigo uma grande importância para a luta dos personagens por uma faculdade melhor, um país melhor”, explica Leo Kenji, o Romeu brasileiro da produção, que divide o papel com Vinicius Salgueiro.

“Não só isso, ele carrega um romance que podemos trazer para hoje em dia, pois mostra o que as pessoas são capazes de fazer, ou até capazes de abandonar por amor. Nos ensaios, nós estamos dando tudo nas coreografias e nas músicas para trazer pro público um musical incrível”, complementa.

Carolina, como Julieta, representa o outro lado do muro. Matriculada no Mackenzie, Carol seria a representante-mor da classe burguesa na peça, que, quando não entende os percalços da ditadura, a exalta: é filha de um dos pilares econômicos do sistema.

“A Carol é uma personagem que diz muito sobre o passado, mas principalmente, sobre o presente”, conta Juliana Picanço, que divide a personagem com Melissa Carraro. “É uma menina rica, que estuda em uma das melhores universidades particulares da época e que não está nem um pouco interessada pelo cenário político vigente, muito menos pelas pessoas afetadas pelo regime militar. Até que ela conhece o Pedro e se vê de frente para uma realidade completamente diferente da que estava acostumada. A experiência de interpretá-la e de contar essa história está sendo muito interessante e divertida, ainda mais com a conexão e a amizade que o elenco construiu ao longo dos ensaios”.

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Um passado presente

Tal qual os personagens da montagem enfrentaram desafios em nome da democracia e do amor, o elenco do coletivo Despertar se dedica todos os domingos em prol da arte e da amizade.

“Nem todo mundo teria disposição para acordar cedo aos fins de semana, feriados… Não é um processo fácil, às vezes saímos frustrados ou ansiosos com a estreia que fica mais perto a cada dia que passa. Mas ver nosso musical ganhando vida, as coisas se encaixando e dividir tudo isso com pessoas que considero minha família não tem preço. É um amor de nós por nós que nos move”, diz Fernanda Viana, que interpretará a personagem Beth, militante e chefe do diretório da USP.

Em um cenário nacional de dicotomia política e guerra declarada entre os lados, urgem como grilhões protestos que deslegitimam o passado. Passado dos 434 mortos e desaparecidos. Passado da morte pela pátria e da vida sem razão. Passado daqueles que, com sangue nos quepes, ainda são lembrados como velhos amigos que lutaram pela democracia.

“Conheço muitos parentes dos integrantes do Despertar que negam a violência e a tortura promovida pela Ditadura Militar e que compraram ingresso para nos assistir. Acredito que a ARTE, principalmente uma arte tão imersiva quanto o teatro, torna-se o choque necessário para acordar os alienados distraídos da nossa plateia. Alguns se negarão a ouvir a mensagem que a gente se propõe a passar no palco, mas quem sabe acenderemos a faísca em muitos”, comenta Catharina Pinheiro, intérprete da personagem Judite, uma jovem religiosa e romântica estudante do Mackenzie.

“Se Essa Rua Fosse Minha – O Amor Nos Anos de Chumbo” será apresentado nos dias 1, 2, 3 e 4 de Dezembro, no Teatro UOL, no Shopping Pátio Higienópolis. Os ingressos custam R$60,00 e podem ser adquiridos pelo Instagram do coletivo ou diretamente com os atores.

Ficha técnica:

Roteiro: Marcos Ferraz.

Direção geral: Pedro Cantelli e Giulia Gianolla.

Coreografia: Giulia Zerbinato.

Direção musical: Clarissa Andreatti.

Produção geral: Brenda Rodrigues.

Mídias digitais: Gabi Travizzanutto e Leonardo Kenji.

Elenco: Alice Pinheiro, Anna Maria Prado, Bárbara Serra, Bruna Rocha, Camila Lutfi, Catharina Pinheiro, Clara Spechotto, Daniela Soares, Diogo Valencia, Felipe Sales, Fernanda Aranha, Fernanda Viana, Helena Cardoso, Isa Tumolo, Juliana Picanço, Juliana Simidamore, Laura Ferrazzano, Lara Martins, Laura Tega, Luana Miwa, Leo Kenji, Maria Cunha, Mariana Costa, Mariana Ribeiro, Mateus Ferreira, Mel Carraro, Pedro Cantelli, Pedro Pilon, Rafael Antunes, Rebecca Vergilio, Silvio Junior, Ulisses Belluzzo, Thiago Lacerda, Triz Folheni, Vanessa Serra, Victor Castro e Vinicius Salgueiro.

Editado por Nathalia Jesus

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