Pressões sociais e atividades excessivas, somadas à exposição digital, aceleram a vida das crianças; especialistas explicam os efeitos desse fenômeno
Em vez de brincar no quintal ou se perder nas fantasias de faz-de-conta, as crianças estão sendo empurradas para a vida adulta muito antes do tempo. Elas assumem responsabilidades domésticas que não são compatíveis com suas idades, ocupando o papel de “pai” ou “mãe” dos seus irmãos mais novos. Em casos ainda mais graves acabam expostas precocemente a sexualização, consumindo vídeos ou músicas que tem como público-alvo os adultos nas redes sociais.
O termo “adultização” caracteriza o processo pelo qual uma criança passa quando é tratada, vestida, responsabilizada ou incentivada a adotar comportamentos incompatíveis com sua idade e maturidade. Esse fenômeno, que vem sendo normalizado pela sociedade, deixa marcas profundas no desenvolvimento infantil e expõe as crianças a riscos, podendo facilitar a ação de pessoas com intenções prejudiciais.
As consequências da adultização se refletem na rotina das crianças, afetando seu desenvolvimento emocional e cognitivo. Como observa a psicanalista Viviane Vivaldini, elas vêm enfrentando agendas cada vez mais cheias: balé, futebol, inglês, responsabilidades excessivas em casa, e estão cada vez mais expostas a estímulos digitais e ao acesso às redes sociais. Por isso, é fundamental entender como essas atitudes vão repercutir no crescimento infantil, o que exige a análise de profissionais que acompanham os pequenos em diferentes contextos.
O palco da adultização silenciosa
Os impactos da adultização podem ser profundos, duradouros e ganhando uma nova dimensão com as redes sociais. De acordo com a pesquisa “TIC Kids Online Brasil”, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, mostrou que 93% dos brasileiros entre 9 e 16 anos são usuários da internet e mais de 20% dessas crianças e adolescentes já acessaram a internet antes de complementarem seis anos de idade. Como a psicanalista Viviane alerta: “agora com as redes sociais, isso [a adultização] tomou uma proporção enorme”, enfatizando como os personagens de jogos e conteúdos transmitem ser totalmente lúdicos, mas podem carregar uma sexualização velada.

Foto: Reprodução/ Pexels
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A psicanalista Rejane Maria Alves, reforça que esse uso excessivo mexe bastante com o desenvolvimento emocional. Ambas especialistas apontam que o ambiente digital vem carregado de estímulos acelerados e pré estabelecidos comprometendo a capacidade de imaginação,abstração e até na construção de amizades.
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A adultização na lei
A exposição infantil gerou um alerta jurídico e social. O projeto de lei nº 2628/2022, conhecido como PL da Adultização, surge como resposta à falta de regulamentação, buscando impedir que conteúdos de cunho sensual envolvendo menores sejam monetizados.
permitindo que os conteúdos de cunho sensual envolvendo menores sejam monetizados, sem que isso configure crime explícito.
De acordo com o advogado Luiz Augusto Durso, o ordenamento jurídico brasileiro já prevê limites claros à liberdade de expressão, especialmente quando há anonimato e práticas que configuram bullying, cyberbullying ou exposição vexatória de crianças e adolescentes.
“A Constituição garante a liberdade de expressão, mas ela não é absoluta. Quando há anonimato ou quando essa liberdade ultrapassa os limites legais, como racismo, ameaças ou difamação, ela deixa de ser protegida”, afirma o especialista.
Durso destaca ainda que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código Penal já criminalizam conteúdos explícitos envolvendo menores, mas não incluem a “sensualização”, em que a imagem infantil é explorada, muitas vezes com fins lucrativos.
“Não existe previsão legal para a monetização de conteúdos sensuais envolvendo crianças. Isso é uma lacuna grave que precisa ser preenchida com urgência”, alerta.
Outro ponto que merece destaque é a responsabilidade das plataformas digitais. Após julgamento recente do Supremo Tribunal Federal, o artigo 19 do Marco Civil da Internet foi reinterpretado, impondo às plataformas a obrigação de remover conteúdos ilícitos envolvendo menores assim que receberem notificações. E caso isso não for respeitado, podem ser responsabilizadas civilmente.
Devido ao avanço contínuo da tecnologia e a falta de iniciativas na educação que ensine a faixa etária infantil a se prevenir, está cada vez mais difícil conter os crimes cibernéticos envolvendo crianças. Além da legislação estar sempre atualizada, é essencial que o sistema de justiça auxilie as escolas, famílias e profissionais da saúde na criação e divulgação de materiais que informem e promovam ações de conscientização sobre os perigos que cercam o ambiente das redes sociais.
A adultização silenciosa é um desafio maior do que parece, ultrapassando o meio jurídico e institucional. A tramitação do PL 2628 representa um pequeno avanço, mas ainda não é suficiente, carecendo de políticas públicas, fiscalização ativa, e uma mudança de pensamento, especialmente por parte dos responsáveis sobre o significado de proteger a infância em tempos digitais.