Contrate Quem Luta: conheça o canal de serviços ofertado pelo MTST - Revista Esquinas

Contrate Quem Luta: conheça o canal de serviços ofertado pelo MTST

Por Lara Vital : setembro 19, 2023

Divulgação do Contrate Quem Luta

O núcleo de Tecnologia do MTST aprimorou o contato para oferta de serviços ao público

Você sabia que o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) tem um canal de atendimento que oferece diversos serviços para o público? Funciona da seguinte forma: basta acessar o site https://contratequemluta.com/ ou através do número de WhatsApp +55 11 97195-0612, e lá um robô apresentará quais serviços estão disponíveis e localizará um trabalhador mais próximo do cliente.

Assim, o prestador é avisado da necessidade do contratante e é direcionado para conversar com a pessoa interessada no serviço. Logo, a negociação ocorre entre as duas partes e o pagamento será realizado diretamente para o prestador, sem intermediação do MTST.

MTST

Apresentação da plataforma Contrate Quem Luta na Ocupação Luisa Mahin, extremo Sul de São Paulo, em março de 2022.
Divulgação/Instagram

O número de WhatsApp foi lançado durante a pandemia e contava com mais de 100 prestadores na grande São Paulo. Logo no início, boa parte dos prestadores conseguiu estabelecer uma rotina de trabalho mesmo sem muita divulgação e de maneira autônoma, graças ao  “Contrate Quem Luta”.

Conversamos com Fernando de Oliveira Amaral, 40, coordenador do núcleo de atendimento, responsável por distribuir os serviços, e supervisor de trabalhos executados pelo coletivo. Fernando afirmou que, antes do “Contrate Quem Luta”, sua relação com o trabalho alternava entre períodos com muita demanda e outros sem serviço. Após o lançamento da plataforma, ele conta que não falta trabalho.

Automação dos serviços

O coletivo já oferecia serviços individuais, e, com o passar do tempo, a propaganda boca a boca se mostrou um sucesso, ocasionando um aumento considerável da demanda. Então, para melhor atender aos clientes, surgiu o Contrate Quem Luta (CQL).

Bonel conta que percebeu uma reprodução de vícios de plataforma de mercado, que isolam o trabalhador em um ambiente virtual e não permitem troca, que ainda ocorre em aplicativos como o Uber, i Food e Rappi. Logo, ocorreu uma automatização somente na parte do pedido, deixando a troca de mensagens para um coordenador que faz uma segunda análise e repassa o trabalho para os grupos que estão organizados por região. Assim, os trabalhadores do Contrate quem Luta conseguem se organizar coletivamente, trocando informações o tempo inteiro.

Felipe Bonel é atualmente o responsável por dar as diretrizes de desenvolvimento em aplicações de tecnologia e pensou no WhatsApp como uma adequação ao público alvo de acampados, uma vez que a rede social é capaz de amenizar alguns dos problemas enfrentados pelos prestadores de serviço. Ele destaca os motivos pelos quais essa ferramenta se adequaria ao movimento:

Com o Whatsapp, a curva de aprendizagem, ou a necessidade de garantir a interface amigável, é de fácil navegação, e a maioria das operadoras de celular oferecem navegação ilimitada para o aplicativo mesmo em planos pré-pagos. Além disso, ele é muito popular, e a ideia de se apropriar do WhatsApp é bem mais engenhosa do que fazer o usuário baixar outro aplicativo e ocupar espaço no aparelho para depois ter que apagá-lo.

MTST

Catálogo de serviços do MTST
Equipe Contrate Quem Luta

“A junção desses três fatores nos fez ir adiante numa tecnologia conveniente para o sem-teto e para o contratante – este não precisando excluir um aplicativo que certamente não usaria com uma frequência tão grande”, afirma Felipe. “A possibilidade de acessar novamente o serviço por um contato no WhatsApp, no nosso caso, era mais vantajosa do que ter um aplicativo web que pudesse ser desinstalado.”

Felipe afirma que o objetivo é construir poder popular, para construir e pautar debates sobre tecnologias que sejam populares. A ideia é ser para o trabalhador e feita pelo trabalhador: “trata-se de se posicionar para tirar da mão do rico do norte global a decisão do que deve ser desenvolvido”.

A ferramenta que permite furar a bolha do mercado de trabalho

Em entrevista ao podcast AntifaCast, o desenvolvedor e técnico em automação Industrial Gabriel Simeone, que atua no MTST desde 2005 e atualmente integra o Núcleo de Tecnologia, descreveu como opera o mercado de trabalho em São Paulo:

“Quem cresceu na classe média, cresceu estudando num colégio particular, que é um colégio melhor, que não é um colégio público, cresce com o networking pronto. Cresce com o amigo que foi trabalhar no exterior, com um amigo na empresa de marketing, um amigo que trabalha em banco… De modo que quando você sai da faculdade, a melhor agência de emprego é o seu CEP.  (…) Quem é da classe média em São Paulo depende de uma indicação do porteiro para encontrar alguém da construção civil porque não tem um amigo pedreiro. A segregação socio-espacial é terrível”.

Segundo Gabriel, o núcleo de tecnologia tenta furar a bolha de indicação do mercado, trazendo a afirmação de que ainda “a indicação é o melhor diploma”. O objetivo é inserir os trabalhadores do CQL dentro de um mercado de trabalho que geralmente não os inclui.

Preconceito

Felipe diz ter se preocupado com a possibilidade do aplicativo esbarrar em receios e preconceitos, uma vez que está vinculado a um movimento de esquerda. Mas, segundo o desenvolvedor, o aplicativo teve boa aceitação, principalmente por simpatizantes e pessoas dentro do mesmo espectro ideológico.

“Também nunca tivemos problemas com extremistas de direita. Acho que o estigma social que o MTST sofreu graças à desinformação propagada por esses grupos fez com que as pessoas mais conservadoras tivessem medo de sequer entrar em contato, o que é muito louco! Eles acreditam nas próprias mentiras!”, conta Felipe. “Para não mentir, houve uma única vez que uma pessoa tentou nos assediar por mensagem, mas ela foi imediatamente bloqueada da plataforma e não teve acesso a nenhum prestador”.

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Experiência dos usuários

A iniciativa ficou bastante popular quando o ator Sérgio Marone fez um post no Twitter falando sobre o CQL. Bonel conta que, depois disso, em cerca de um mês surgiram mais chamados do que no último ano da plataforma.

A jornalista Cilene Marcondes, 49, conheceu o canal de atendimento através da divulgação do MTST, e disse ter achado esse modo de oferta de serviço genial. Marcondes relatou que se mudou para uma casa antiga e não conseguia encontrar ninguém disposto a aceitar o desafio de reformá-la, uma vez que o imóvel não passava por manutenção há mais de 30 anos. Ela conta que as pessoas não queriam assumir esse perfil de reforma porque exigia bastante conhecimento e dedicação.

MTST

Serviços do MTST
Fernando de Oliveira Amaral, coordenador do núcleo de atendimento

Quando a jornalista contratou o CQL, relatou que tinha certeza de que não seria enganada. “No primeiro instante sabia que, por ser uma ação gerada dentro do coletivo para as pessoas que estão na frente do movimento no campo, […] já tinha um critério ético de responsabilidade que eu queria muito”, diz.

A educadora Fernanda Malafatti Silva Coelho, 41, também foi cliente do grupo através do CQL e conta ter tido uma ótima experiência. “Havia uma expectativa sob lógica de funcionamento da prestação de serviços e ela foi concretizada. A contratação foi rápida e atenciosa em todas as etapas, o diferencial acredito que está nos valores de lutas dos profissionais, além de serem atenciosos e justos”, diz. “Por isso, além do trabalho realizado e da confiança, também tivemos bastante bate papo sobre a situação política, confiamos em valores justos. Especificamente sobre o serviço realizado, podemos afirmar que é de muita qualidade, ficou muito bonito!”