Monarquia: qual o poder simbólico dessa forma de governo hoje? - Revista Esquinas

Monarquia: qual o poder simbólico dessa forma de governo hoje?

Por Brunna Bitencourt, Lucas Abdallah e Victória Abreu : julho 26, 2023

As monarquias estão presentes no imaginário coletivo da maioria dos países/Foto: Merlin Lightpainting, Pexels

Mesmo sem tanto destaque na mídia como a monarquia britânica, outros países pelo mundo ainda mantêm monarcas no trono, como é o caso do Japão, da Espanha e da Holanda 

Após os 70 anos do reinado de Elizabeth II, um novo monarca assumiu o trono britânico. No dia 6 de maio, o filho mais velho da rainha, Charles III, foi coroado e agora assume a posição de rei, dando continuidade à monarquia britânica, sendo o 62º a ocupar o cargo.

Desde sua formação da maneira como é conhecida atualmente, em 1707, a monarquia britânica reúne uma legião de fãs. O último casamento da família real, de Harry, filho de Charles III, com a plebeia americana Meghan Markle, contou com uma audiência de aproximadamente 13 milhões de telespectadores no canal da emissora BBC, em 2018. Já a coroação do rei Charles III, em 2023, reuniu mais de 20 milhões de pessoas durante a transmissão ao vivo do evento, segundo a UK Broadcaster’s Audience Research Board (Barb).

Além da influência do império, construída com o passar dos séculos, Kai Enno Lehmann, professor de Relações Internacionais na USP, destaca que a continuidade da popularidade britânica é resultado de mudanças comportamentais da sociedade e da família real, além do marketing que envolve os monarcas. “Estamos falando de uma linha de sucessão que não quebra faz mais de 20o anos, o que é uma coisa fascinante.” O pesquisador explica também que os dramas e fofocas envolvendo a realeza geram interesse por parte do público.

Segundo a biógrafa e comentarista de assuntos reais Sarah Gristwood, a capacidade de adaptação ao longo da história, como o uso das mídias, foi um dos grandes responsáveis para o fortalecimento da imagem da família real. A cultura dos casamentos televisionados, por exemplo, foi  iniciada graças a Elizabeth II e Philip, seu marido, como uma estratégia de se aproximarem do povo.

Contudo, assim como a Inglaterra, outros países ainda mantêm suas monarquias, como Espanha, Japão e Holanda. Como estão estes reinados atualmente? E qual será o futuro dos monarcas?

Monarquia Japonesa

A monarquia japonesa é considerada a mais antiga da história, já que ela existe desde aproximadamente 660 a.c. Segundo a tradição, ela iniciou no momento em que Jimmu, filho da deusa sol Amaterasu, se transformou em imperador.

O caráter divino acompanhou o trono até o final da Segunda Guerra Mundial, quando Hirohito (1901-1989) renunciou publicamente sua divindade. Desde então, com a promulgação da Constituição pós-guerra de 1947, o imperador não é mais considerado chefe de Estado no país. Assim, atualmente, a família real cumpre um papel de “símbolo do Estado e da unidade do povo”.

Entre os deveres do atual imperador, Naruhito, dentro da democracia constitucional do Japão, estão a liderança de cerimônias anuais e as orações a para prosperidade da nação. Além de ser uma figura cerimonial e ocupar a mais alta autoridade da religião xintoísta, o imperador atua como uma representação simbólica do Estado, carregando a responsabilidade de assinar documentos, acompanhar recepções, receber representantes, entre outras atividades.

Desde primeiro de maio de 2019, o Japão vivencia a era Reiwa, com a ascensão de um novo imperador. O nome escolhido, que faz referência a uma antiga poesia japonesa, reflete a continuidade da defesa da harmonia. Naruhito herdou o reinado de seu pai, Akihito, que marcou a era Heisei, palavra que significa “atingindo a paz”. O antigo imperador foi responsável pela humanização do trono japonês, através do contato direto com a população e a reaproximação com ex-inimigos e vítimas do Japão durante a época de seu pai, Hirohito.

Contudo, graças à cultura que proíbe mulheres a herdarem o trono, a monarquia japonesa pode enfrentar uma crise sucessória. Após a princesa Mako se casar com um plebeu, em 2021, perdendo o status da família real, restam apenas 17 membros do império e, entre eles, apenas cinco são homens.

Monarquia Holandesa

Em seu formato atual, a monarquia da Holanda data de 1815, ano em que Guilherme Frederico, até então príncipe de Orange-Nassau, foi coroado rei Willem I. 

A monarquia holandesa possui um caráter constitucional, ou seja, os membros da família real, sobretudo o rei, possuem poderes limitados. O monarca, em conjunto com os ministros, forma o Governo, porém não é responsável, perante o Parlamento, pelos atos e decisões do país, que cabem a um gabinete formado por políticos.

Vale ressaltar que, na linha de sucessão ao trono, o gênero do futuro monarca não é levado em consideração. 


Em 2013, após a renúncia da rainha Beatrix, seu filho, Willem-Alexander, assumiu o trono, se tornando o primeiro rei da dinastia Orange-Nassau desde a morte de seu trisavô, Willem II, em 1890. Com 46 anos na época, Alexander se consagrou como o rei mais jovem da Europa e prometeu ser um “rei do século 21”, abdicando de usar a coroa e afirmando que os súditos não precisarão chamá-lo de majestade. 

O futuro da monarquia dos Países Baixos está nas mãos da primogênita de Alexander, Catharina Amalia. Porém, a princesa, de 19 anos, declarou, em 2021, não se sentir pronta para assumir o trono e, caso seu pai abdique da coroa, prefere que sua mãe, que é argentina, assuma o papel de rainha da Holanda.

Monarquia Espanhola

A Espanha foi uma das primeiras monarquias a ser formada, juntamente com seu vizinho, Portugal. Porém, no início, a forma de governo ainda não era unificada, já que o país era dividido entre 4 reinos: Leão, Navarra, Castela e Aragão.

A consolidação do reino se deu após a morte do monarca Fernando II, em 1516. Carlos V, seu neto mais velho, assumiu o trono. O jovem, que não vivia na Espanha, deu início à dinastia de Habsburgo. Seu governo foi marcado pela tentativa de colocar em prática um império que deixasse sua marca em todo o mundo cristão, além de realizar expansões territoriais na América Latina. Com a morte de Carlos V e a realização de guerras contra a Inglaterra e a França, o país perdeu grande parte dos territórios conquistados anteriormente. 

Assim, graças aos conflitos e gastos exorbitantes da coroa, a Espanha entrou em decadência. Com a morte de Carlos II, último filho homem de Felipe IV, que não deixou herdeiros, foi iniciada uma disputa pelo trono, dando lugar a uma nova dinastia Bourbon. 

A Casa de Bourbon foi derrubada e restaurada diversas vezes durante os séculos XVIII e XIX, e só conseguiu se restabelecer novamente em 1978, com uma nova Constituição. A monarquia espanhola é constitucional parlamentarista, ou seja, o rei é chefe de Estado, mas possui poderes limitados. 

Em 2014, Felipe IV assumiu o trono espanhol após seu pai, o rei Juan Carlos, abdicar do trono por conta de diversos escândalos de corrupção em seu governo. O ex-rei da Espanha se exilou em Abu Dhabi. Para se afastar das polêmicas que envolvem o reinado do pai, a família real faz questão de ser mais transparente, sempre divulgando seus gastos e sua fortuna. 


Ao contrário da sucessão à coroa inglesa, na Espanha a preferência é por primogênitos homens entre os descendentes e legítimos do Rei Felipe IV, ou seja homens e seus descendentes diretos têm precedência em relação às suas irmãs. Entre irmãos do mesmo sexo, o mais velho está na frente dentro da linha sucessória.

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Motivos para a decadência das monarquias

Para Bruno Antunes de Cerqueira, graduado em História, especialista em Relações Internacionais, fundador e pesquisador do Instituto Cultural D. Isabel I a Redentora, a pouca visibilidade midiática das monarquias japonesa, espanhola e holandesa não representa um risco para o fim dos reinados. Contudo, ele afirma que “são famílias consideradas de forma respeitosa, claro, mas não com aquela aura toda que a casa soberana britânica possui”.

Bruno ainda destaca que, a extensão do domínio inglês durante o século XIX contribuiu para a continuidade da popularidade britânica.

“Na verdade, existe uma conexão entre o mundo em que os britânicos atuaram com os povos que eles colonizaram”, complementa o especialista. Assim, através da dominação em diferentes continentes, o império da Grã Bretanha atingiu uma posição global que, “no imaginário coletivo provoca fortes sensações.”

Contudo, apesar da magnitude britânica, o pesquisador Kai Enno Lehmann enxerga a possibilidade de mudanças na monarquia do Reino Unido, que, segundo ele, pode até mesmo se desfazer em médio ou longo prazo, “é muito provável que muitos países deixem de ter o rei britânico como chefe de estado”.

Além de atribuir a atual crise política e econômica do país como um empecilho para o sucesso do futuro do reinado, Lehman dúvida da disciplina de comunicação do atual rei, “não sei se o Rei Charles tem a mesma capacidade de apresentar a família real como esse polo de continuidade e estabilidade”. Caso a monarquia britânica chegue ao fim, os castelos e propriedades da família real podem se tornar atrações turísticas, “como na Alemanha, os locais em que se hospedaram muitas famílias ricas, agora são importantes como recorte histórico”.

Por fim, Antunes destaca que a importância de uma realeza varia em cada país, “as monarquias não são idênticas, elas são parecidas porque são hereditárias e existe uma Constituição na maior parte delas. Mas elas são muito diversas, são culturalmente muito diferentes”. 

Editado por Mariana Ribeiro

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