Na saúde e na doença: como a indústria de casamentos e noivos enfrentaram a pandemia? - Revista Esquinas

Na saúde e na doença: como a indústria de casamentos e noivos enfrentaram a pandemia?

Por Letícia Iervolino e Giovanna Ragano : outubro 7, 2021

Mestre de Cerimônias Eloísa Silveira realizando um casamento. Foto: Acervo Pessoal

Com medo de aglomerações, casais e trabalhadores tiveram que adiar eventos ou encontrar alternativas, como casamentos virtuais e kits para delivery

“A gente se envolve de uma maneira e quando você vê está chorando junto e abraçando. A pandemia tirou um pouquinho desse contato tão amoroso e afetivo que a gente tem com os nossos clientes”, conta Eloisa Silveira, mestre de cerimônias há mais de oito anos. No início de 2020, muitos casais tinham o sonho de oficializar a união através dos casamentos. Entretanto, a crise da covid-19 tornou-se um obstáculo para a realização desse desejo. Para enfrentar a situação, noivos e trabalhadores da indústria de matrimônios precisaram se reinventar a fim de superar as imposições dessa situação atípica.

Entre os desafios que estes profissionais precisaram enfrentar estão o desemprego alarmante e o fechamento de comércios relacionados à área, como as floriculturas, confeitarias e buffets. No segundo semestre de 2021, cerca de 14,1% dos brasileiros foram vítimas das demissões em massa, na tentativa de contornar o problema econômico do País, de acordo com o IBGE.

“Eu presenciei duas confeitarias que baixaram as portas, e tinham anos de estrada, muito mais do que eu tenho”, afirma Bruna Aparecida Ciqueira, dona da confeitaria Mel Rosa, em São Bernardo do Campos.

Na riqueza e na pobreza

Com o início das restrições por conta da covid-19, Eloisa sentiu insegurança e medo, mesmo que a sua renda não fosse exclusiva dos eventos que faz, já que ela também atua como professora. “No início, eu pensei que isso duraria quinze dias, um ou dois meses, no máximo. Quando passaram esses quinze dias, eu já comecei a ligar para os clientes, só que aí não dependia de mim, os buffets não podiam abrir e ninguém podia trabalhar”, lembra.

Assim como os mais de 14 milhões de desempregados, a mestre de cerimônias viu de perto colegas do ramo migrarem para outras áreas para complementar a renda, já que o mercado de casamentos se encontrava instável. “Nós, [celebrantes], não temos registro em carteira, por isso vários migraram e não quiseram voltar, porque a gente não tem estabilidade”, alega Eloisa.

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Mestre de Cerimônias Eloísa Silveira realizando um casamento
Acervo Pessoal de Eloísa Silveira

Ela explica que realizou apenas um casamento presencial durante a pandemia e que os noivos tinham grandes preocupações com uma possível aglomeração e com as medidas de distanciamento social, já que os convidados poderiam ser do grupo de risco, como os idosos ou pessoas com comorbidades: “Eu vi os noivos tensos, cansados e principalmente preocupados”.

A dona da loja de doces Mel Rosa, Bruna Ciqueira, também acreditou que a crise sanitária duraria apenas alguns meses. “A primeira coisa que fiz foi entrar em um banheiro e começar a chorar, mas aí se passaram dois, três dias e veio aquela avalanche de mensagens com casamentos sendo remarcados”.

A confeiteira, assim como vários profissionais do mercado, precisou se reinventar para superar a situação. Para isso, passou a investir nos “kits de festa pocket”, “algo bem compacto mesmo: um bolo, salgadinhos e doces”, segundo ela. O produto se tornou um sucesso para a loja e possibilitou que o comércio permanecesse ativo através do delivery.

Além do kit festa, Bruna também encontrou alternativas nos mini weddings, casamentos menores que são realizados em um espaço pequeno ou aberto. “As pessoas não deixaram de comemorar e, na maioria das festas que estamos fazendo agora, muitos dos casais já tem até filho, casaram no civil, foram morar juntos e agora vão fazer só a festa”, explica.

Casamentos adiados

Isabella Montoro vivenciou toda a experiência em dose dupla: além de trabalhar como maquiadora em casamentos, também é uma noiva em tempos de pandemia. “Eu não sei o que é pior: ficar frustrada já que está sem a sua principal renda ou não conseguir realizar o seu sonho”, desabafa.

Apesar de ter se desesperado no início, Isabella encontrou uma salvação: “Comecei a lidar mais com o Instagram e as minhas redes sociais começaram a aumentar, fazendo com que as clientes acabassem me procurando”. A maquiadora percebeu que os consumidores estavam interessadas diretamente em seu serviço, e não no salão em que ela trabalhava. “Isso me deu forças para abrir o meu próprio espaço no meio dessa loucura toda”.

Entretanto, como maquiadora profissional, Isabella conseguiu criar um vínculo com aquelas que também precisaram remarcar o evento tão esperado. “Muitas se identificaram comigo, assim como eu também me identifiquei com elas, porque estamos na mesma situação”, afirma ela.

Isabella foi apenas uma das milhares de noivas que precisaram deixar o casamento de lado. Tanto ela quanto o seu noivo decidiram adiar a união dos votos para que o matrimônio fosse do jeito que sempre sonharam. “A minha família é muito grande e unida e também o meu sonho é fazer uma grande festa. Optei por esperar até conseguir fazer o casamento do jeitinho que eu quero”, conta.

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Isabella e seu marido
Reprodução: Arquivo Pessoal de Isabella Montoro

Na alegria e na tristeza

Por outro lado, alguns casais optaram por seguir um caminho contrário. Caio dos Santos, analista de sistemas, optou por jurar os votos de casamento em tempos de pandemia. Além dele e de sua esposa, apenas os dois padrinhos estavam presentes no cartório, sem a presença de parentes mais próximos, como o pai e a mãe de ambos os noivos. “Foi uma coisa muito simples, já que não podia ter aglomeração“, diz.

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Para Jonas Leme e Isabel Sanches, a cerimônia de casamento foi além da oficialização dos votos pelo cartório. Os companheiros afirmaram que, apesar dos desafios impostos pela quarentena, a vida de casados já era algo planejado entre eles. “Como a gente não ia precisar mais gastar tanto numa festa, decidimos investir na nossa casa”, conta Jonas.

Inspirados por uma amiga em comum, Jonas e Isabel decidiram transmitir o grande dia para os familiares e colegas de maneira virtual. O casal de professores convidou um cerimonialista para oficializar a união e parentes e amigos próximos para que estivessem presentes no evento tão aguardado, enquanto os outros convidados assistiram a cerimônia remotamente.

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Isabel Sanches e Jonas Leme em seu casamento
Reprodução: Arquivo Pessoal de Isabel Sanches  

“Todos fizeram teste antes de virem para cá. Uma coisa que foi bem legal é que contratamos um buffet e todos eles também fizeram também, assim como o fotógrafo que estava presente. Todos deram negativo. A transmissão foi onde nos sentimos mais seguros, mais tranquilos”, lembra.

Esperança no meio da crise

O número de casamentos no Estado de São Paulo apresentou uma queda de 27% com relação ao ano de 2019. Ao todo, foram menos 73,4 mil casais que, em 2020, não conseguiram ou que precisaram esperar para finalmente “subirem ao altar”. Mas, apesar dos problemas que os últimos dois anos criaram na vida de muitos companheiros e trabalhadores do mercado de casamentos, alguns deles conseguiram extrair algum resultado positivo do momento.

No caso de Bruna Ciqueira, a confeiteira começou a aperfeiçoar e acelerar o atendimento da sua loja. “Se não fosse a pandemia, eu não teria o delivery e não teria focado tanto no “kit festa pocket”, que é um produto que eu sempre tive, mas que nunca foi vendido tanto quanto nesse momento”, explica ela.

Bruna Ciqueira na inauguração de sua confeitaria
Reprodução: Arquivo Pessoal de Letícia Iervolino

Para Caio dos Santos, mesmo não conseguindo realizar uma grande festa para comemorar o matrimônio, ele e sua esposa receberam um grande presente durante o período de isolamento social: o nascimento de sua filha Mariana.

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Caio dos Santos e sua família
Reprodução: Arquivo pessoal de Caio dos Santos

Isabella Montoro, assim como mais de 70 mil casais, decidiu esperar para realizar o evento. Entretanto, a esteticista conquistou a abertura do seu próprio negócio de maquiagem e estética em novembro de 2020.

Já para Isabel Sanches e Jonas Leme, mesmo sem a tão sonhada festa, a transmissão virtual do casamento possibilitou compartilhar com amigos e parentes a nova etapa de suas vidas.

Eloisa Silveira, após ficar distante das cerimônias de casamento que realizava, percebeu que “o evento é associado à alegria. Você chega nele com um clima contagiante e depois que você passa por tudo isso, você quer muito mais: mais gente, mais eventos e mais festas cheias. Eu quero viver, quero ver pessoas felizes”, afirma.

Editado por Julia Queiroz.

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