Entenda como uma ONG de animais é formalizada e conheça três instituições que estão fazendo a diferença na causa
Embora seja um sonho comum para muitos amantes de animais, abrir uma Organização Não Governamental (ONG) para ajudar na causa animal não é tão simples quanto parece. Sendo uma instituição sem fins lucrativos que não possui nenhum vínculo com órgãos do governo, enfrentar a burocracia e superar os desafios diários são apenas algumas das dificuldades encontradas por essas instituições no Brasil.
Segundo o Instituto Pet Brasil (IPB), o país possui mais de 350 organizações voltadas ao assunto, sendo quase metade delas localizadas na região Sudeste. Apesar dos números de instituições serem altos, a quantidade de animais abandonados ou acolhidos após maus tratos é ainda maior, chegando a quase 200 mil resgatados no total.
A presidente da organização Enquanto Houver Chance (EHC), Juliana Santana, conta sobre o processo de fundação e os setores presentes em uma ONG.
“Eu trabalho com animais em situação de abandono desde 2007. Primeiro atuei com cães em um abrigo de uma acumuladora de 2007 até 2013, e depois fiquei em outro projeto até resgatar minha primeira gata em 2015. A partir daquele ano, me apaixonei por felinos, e fundei o Enquanto Houver Chance, em dezembro de 2016, atuando apenas com felinos domésticos.”
Juliana complementa explicando como funciona a gestão do projeto, subdividido em diversos setores que garantem uma operação eficiente de funcionamento do local:
“Temos a parte burocrática, como recursos humanos, financeiro, captação de recursos e parcerias. De comunicação, abrangendo mídias sociais, produção de conteúdo, e-mails, gerenciamento de sites, mensagens e fotos; voluntariado, tanto presencial quanto remoto, incluindo gestão de vagas, treinamentos e contratos; triagens de adoção, envolvendo pré-avaliação, triagens, elaboração de termos de adoção, documentação e acompanhamento pós-adoção; e atividades operacionais, como cuidados veterinários, exposição dos animais para adoção.”
Os critérios e obstáculos na formalização de uma ONG
Entretanto, um nome, uma sigla e um local não são o suficiente para formar uma entidade não governamental sem fins lucrativos. Para formalização de uma ONG, as instituições precisam de um CNPJ, que pode ser obtido através da escolha entre duas naturezas jurídicas: Associação ou Fundação. Enquanto uma Fundação requer obrigatoriamente um patrimônio inicial, uma Associação não exige tal requisito. Ambas atuam no terceiro setor, resolvendo questões ambientais ou sociais sem visar lucro.
Para registro da ONG, são necessários documentos como o Estatuto Social, que inclui nome, missão, objetivo, sede e administração, aprovados durante uma Assembleia Constitutiva com os membros fundadores e outros integrantes, seguindo as determinações do Código Civil, devendo ser assinado por um advogado. Além disso, é exigida a Ata de Constituição, gerada na Assembleia Constitutiva e aprovada pelos sócios fundadores, sendo agrupada com os demais documentos da Assembleia para registro em cartório.
A formalização das organizações traz vantagens, tanto para ganhar mais credibilidade para a instituição, quanto para viabilizar e ampliar a captação de recursos, uma vez que sem a formalização, é impossível obter recursos por meio de parcerias com o poder público ou até mesmo de programas de incentivo fiscal.
Aline, bióloga e uma das responsáveis pela ONG Cão Sem Dono, localizada em Itapecerica da Serra e com 450 animais em média, conta um pouco sobre o processo de formalização.
“A ONG tem CNPJ desde 2018. Os procedimentos de qualquer ONG incluem a elaboração de uma Ata e um Estatuto. Porque, na verdade, a ONG não tem um contrato social, é diferente. E aí formou-se um estatuto e abriu a ONG. Mas a gente tem controle de tudo, zoonose, bombeiro, prefeitura, a gente tem que ter tudo alinhadinho, toda a documentação, INSS dos funcionários. Não tivemos um desafio no processo de formalização, foi só se organizar com a advogada e contabilidade, foi bem tranquilo.”
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Por outro lado, como é o caso da mantenedora do santuário Abraço Animal, Fernanda Somaggio, grande parte das instituições que abrigam animais resgatados possuem certas dificuldades ao longo do processo de formalização para tornar o abrigo em uma ONG, devido aos protocolos que são requeridos ao elaborar uma proposta de estatuto.
Com isso, muitas pessoas que se voluntariam nesse ramo acabam por se tornar independentes e realizar os procedimentos de resgate e cuidados de maneira menos burocrática, porém sempre enfrentando os mesmos desafios das formalizadas.
Graças ao carinho de Fernanda por cavalos e bois, a instituição surgiu há sete anos no sítio onde ela mora, em São Roque, tornando-se um lar para mais de 90 animais de grande porte. Sendo um local considerado pequeno pela proprietária, ela afirmou o motivo para nunca ter oficializado o local.
“Os procedimentos são muito burocráticos e ineficientes diante dos desafios que as ONGs enfrentam, uma vez que não existe nenhum benefício para se manter uma ONG. Eu não vejo nada vantajoso em ter um CNPJ, já que não existe incentivo. Nota fiscal paulista, por exemplo, não tem bom retorno e não recebe verbas impositivas de políticas, porque eles sempre querem algo em troca, no meu caso, mandar cavalos indiscriminadamente para eu cuidar.”
Por ser um processo detalhado e com possíveis ressalvas, o site do Jusbrasil apresenta um passo a passo de como se organizar corretamente para que haja uma formalização adequada de ONGs.
Como funciona um resgate?
O resgate, muitas vezes desencadeado por denúncias ou pedidos de socorro, representa o primeiro passo na missão de salvar vidas e oferecer uma segunda chance aos animais em situações de abandono, maus-tratos ou perigo. Esse processo envolve uma série de procedimentos, desde a avaliação da viabilidade do acolhimento até a organização logística do resgate, que pode incluir o registro de boletins de ocorrência, a coordenação de transporte e a garantia de assistência veterinária adequada.
Juliana Santana, explica que o resgate possui requisitos que precisam ser seguidos antes e depois do acolhimento e destaca como fazem pra selecionar os animais atraves de uma tabela específica para categorizar os casos reportados.
“Para decidirmos quais os animais que entram na ONG, precisamos primeiro nos embasar em um critério seletivo e para isso usamos a tabela do resgate seletivo que é utilizada pela Medicina de Abrigo. Nela existe uma tabela que podemos comparar ao protocolo de Manchester, que existe nos hospitais quando damos entrada no pronto socorro. Emergência, muito urgente, urgente, pouco urgente e não urgente. Então, sempre que recebemos um pedido de acolhimento, a primeira coisa que vemos é: qual a urgência desse acolhimento? Se é emergência ou urgência, damos prioridade e fazemos o acolhimento.”
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O resgate de um animal, não se restringe apenas em “salvar” o animal e retirá-lo de um lugar onde era maltratado, ou onde foi abandonado, por exemplo, mas também envolve um processo de tratamento, acomodação, alimentação e todos os cuidados que um animal precisa.
“O animal entra na ONG sempre em isolamento, é aberto um prontuário e lançamos todos os dados do animal. Ele é admitido, pesado, vermifugado, despulgado, e, posteriormente, tratado para qualquer problema de saúde que ele apresente, ou seja: se tiver que fazer exame, faz, se tiver que operar, opera, se tiver que ser tratado, é tratado. Após os animais estarem 100% prontos e saudáveis, eles são encaminhados para a adoção”, complementa Juliana.
Os processos de uma adoção ONG
Animais são postos para adoção por diversos motivos, como abandono, perda ou realocação de sua família. Porém, a grande questão relacionada à adoção é se o novo dono pode fornecer um lar seguro, protegido e permanente para o animal adotado, pois, muitos acham que adotar é comprar de graça, mas não sabem sobre as suas responsabilidades enquanto tutores.
Um novo proprietário pode enfrentar desafios com um animal de estimação que foi negligenciado, abusado ou destreinado. E com isso esses seres vivos podem começar a ser maltratados, agredidos e até abandonados, pois o seu dono não tem condições psicológicas de cuidar de um animal que, muitas vezes já passou por essa mesma situação, com um antigo dono, Assim as instituições de resgate podem se recusar a fornecer pets a pessoas, se identificarem que os indivíduos não fornecerão apoio, cuidado, carinho e todas as condições adequadas que um animal precisa.
Com isso, Fernanda Somaggio, do projeto Abraço Animal, conta que o processo de adoção inclui algumas etapas:
“Antes de realocarmos um animal, o interessado em adotar um animal é submetido a um processo de entrevistas, dependendo do animal ocorre visitas ao possível local, análise de condições financeiras e psicológicas do possível adotante, até a assinatura do termo de adoção.”
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Desafios
As ONGs, assim como qualquer empresa, enfrentam uma série de desafios para se estabelecer e manter suas operações. Entre esses desafios, um dos mais significativos é a questão da arrecadação financeira e de produtos. Muitas organizações sem fins lucrativos dependem exclusivamente de doações para financiar suas atividades, o que pode ser um processo desafiador e incerto.
“A maior dificuldade em questões financeiras são as arrecadações e captações de recursos, pois muitos estão precisando de dinheiro e não apenas a sua organização. Não dá pra sobreviver arrecadando apenas de pessoa física e hoje é necessário mudar a visão e se profissionalizar para conseguir arrecadar também de outras empresas”, enfatiza a fundadora do EHC.
Entre outras dificuldades, a organização Abraço Animal cita que divulgar seu trabalho para um público mais amplo, através das redes sociais, buscando converter esse número em pessoas que doam ou em engajamento para ter maior apoio, tanto financeiro quanto para a adoção dos animais abrigados na instituição.
“Nossa maior dificuldade é furar a bolha da internet para que nossa mensagem chegue ao maior número possível de pessoas e assim conseguir arrecadar para cobrir o custo mensal que é de 30 mil reais. Além disso, transmitir aos potenciais adotantes que os animais acolhidos não são para retornarem a ciclos de exploração, mas sim para serem criados como animais de companhia”, diz Fernanda Somaggio.
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A importância das doações
As ONGs sobrevivem majoritariamente de doações pela internet de pessoas que se sensibilizam com a causa e ajudam financeiramente em busca de apoiar o cuidado animal. Essas doações são usadas para a compra de alimentos, exames, medicamentos, além de outras necessidades usadas no dia a dia. Aline, uma das responsáveis da ONG Cão sem Dono, conta sobre as formas que arrecadam dinheiro.
“Nós temos doações de pessoas físicas, não necessariamente voluntários. Os voluntários geralmente doam o serviço, o trabalho deles, não financeiro. Os custos são muito altos, só de medicamento manipulado, por exemplo, gastamos uma média de 2 mil reais por mês. Então, esses custos altos são pagos através de padrinhos – apoiadores que doam valores mensais fixos para ajudar com as despesas -, pedidos, através das redes sociais, rifas e temos um bazar. É dessa forma que a gente consegue pagar e manter a ONG,” finaliza Aline.