“Isso aqui é a minha família", diz mulher que adota animais abandonados na Av. Paulista - Revista Esquinas

“Isso aqui é a minha família”, diz mulher que adota animais abandonados na Av. Paulista

Por Fernanda Viana, Maria Edhuarda Castro e Thais Bueno : fevereiro 25, 2022

Nath pede auxílio pelo pix para a compra das rações.

Com a tutela de dez cachorros e um gato, goiana vive em situação de rua na avenida mais movimentada da capital paulista

A Avenida Paulista é local de trabalho, estudo e moradia de milhares de pessoas, inclusive e situação de rua. Com 2,7 quilômetros de extensão e bairros famosos como Consolação, Jardim Paulista e Paraíso, a histórica avenida da cidade de São Paulo possui um grande número de tudo que se possa imaginar.

Foi no bairro Bela Vista que encontramos a história da Nath, que deixou claro ter “muitos anos” – além de cachorros e gatos extremamente fofos. Há quase dois anos vivendo com seus animais nos arredores do Hospital Santa Catarina, Nath coleciona diversas experiências de vida que a ajudaram a definir e fazem parte de quem ela é hoje. Contudo, ela diz que prefere não viver no passado e nem no futuro, procura sempre dar mais importância ao momento presente.

Além da situação de rua

Nath é mulher trans, negra e se mostrou tímida de início. Apesar da beleza do seu trabalho com os animais, não era apenas uma tutora. Assim, decidiu compartilhar alguns detalhes de sua história não só com eles, mas também como pessoa em situação de rua e como um corpo socialmente rejeitado. Numa das mais famosas avenidas do Brasil, nos recebeu de batom vermelho e, aos poucos, trazia sua vida para nossos ouvidos enquanto os dela recebiam música.

Loirinho, Mineira, Neno, Chiquinha, Nicolas e Vaquinha com seus seis filhotes (dentre eles, um gato, todos ainda sem nome) a acompanham no seu cotidiano, na estrutura organizada que construiu numa das longas ruas da Paulista. É de Goiás, apesar de não nutrir desejo algum de retornar às suas raízes. Com espírito nômade, nos conta que já viajou o Brasil inteiro, na maioria das vezes a pé.

Indivíduos em situação de rua e animais abandonados são frequentes nas grandes cidades, um vínculo que se forma pelo isolamento constante a que são submetidos. Leslie Irvine, professora de sociologia na Universidade do Colorado, possui estudos direcionados para o entendimento dessa relação. Para ela, os animais de rua, cachorros em especial, são “facilitadores sociais” que aproximam pessoas que, em outras circunstâncias, jamais tentariam contato com os sem-teto.

A família não necessariamente é feita daqueles que são do nosso sangue. Nath, por exemplo, encontrou nas calçadas a sua: a “irmã de rua”, expressão que ela usa para se referir à Paula, mulher trans indígena, e seu cunhado, se tornaram companhia e apoio diários – além de seus animais, claro. Eles três revezam os cuidados entre a Sé e a Paulista, totalizando cerca de 25 animais tutorados.

Ela afirma: “Isso aqui é a minha família. Os animais dividem tudo comigo, não sou eu que divido com eles”.

Veja mais em ESQUINAS

“Não existem animais de rua. Existem animais nas ruas e essa não é condição deles”, diz protetor

Do aumento da fome à chegada da vacina: um panorama da população em situação de rua de São Paulo

Entenda por que São Paulo não liberou nenhuma vaga em hotel para a população de rua

 

A família que a gente escolhe

Contudo, nem sempre Nath morou na rua com a família que adotou. Ela conta que já teve vários empregos, uma casa própria e até uma moto. Porém, segundo ela, aquela nunca foi sua vida. Era como se sentisse que seu propósito e seu caminho era realmente estar naqueles dois lugares cuidando dos animais. Desse modo, toda ajuda que recebe é direcionada para eles.

Ao analisar sua situação, uma pergunta que frequentemente surge é: ela doa ou vende alguns deles? A resposta é muito simples: não. Lidando com cachorros e gatos ao longo de sua vida, a moradora de rua conheceu muitos veterinários – uma delas, inclusive, lhe indicou uma advogada que estava louca para ter um cachorro e garantiu que cuidaria muito bem dele. Sendo assim, Nath confiou na palavra dela e entregou-lhe Mineira.

No entanto, ela logo percebeu seu erro: um tempo depois, a veterinária voltou a encontrar com ela e contou que Mineira estava sendo maltratada pela dona, porém, disse que não tinha coragem de chamar a atenção da advogada. Então, Nath logo tratou de ir buscar sua cadelinha para viver com ela em seu lar na rua novamente.

CACHORRO

Mineira voltou aos cuidados de Nath após denúncias de abuso em seu outro lar.
Maria Edhuarda Castro e Fernanda Viana

Hoje, Mineira e todos os outros se encontram alegres e receptivos junto da companhia cotidiana de Nath. Ela diz que já sabe como tratar de vermes e outras doenças (embora, segundo ela, enfermidades quase nunca os acometam, como a pulga, que eles jamais tiveram).

Editado por Nathalia Jesus e Anna Casiraghi

Encontrou algum erro? Avise-nos.