Como influenciadoras negras ajudam mulheres a aumentarem sua autoestima? - Revista Esquinas

Como influenciadoras negras ajudam mulheres a aumentarem sua autoestima?

Por Victória Abreu : junho 26, 2024

“Não tô aqui para provar para racista que sou capaz, racista sempre vai ser racista e é lindo ver que eles se incomodam com uma preta que ficou rica e mudou a vida da família justamente por ser quem ela é”. Foto: George Milton/Pexels

Por meio da representatividade, criadoras de conteúdo digital promovem autoestima e celebram características antes considerados “fora” dos padrões estéticos convencionais

“Acho que é meio impossível não se comparar e querer ser como nossas referências, eu me cobrei a vida toda para entrar o mais próximo possível do que as pessoas achavam padrão”, diz a criadora de conteúdo Angélica Silva (@angelic4silva), ressaltando como por muito tempo evitou se olhar no espelho e sonhava com uma vida melhor se fosse esteticamente aceitável aos olhos dos outros. beleza

Essa mesma narrativa é compartilhada por grande parte da população negra, que apesar de corresponder a mais da metade dos brasileiros, cerca de 56%, segundo o Censo Demográfico de 2022, realizado pelo IBGE, ainda lida com a falta de representatividade na mídia e nas redes sociais. Segundo reportagem do jornal O Globo, publicada em dezembro de 2021, sobre influenciadores negros, dos mais de 900 mil perfis de criadores de conteúdo cadastrados na plataforma de dados da SamyRoad, empresa de marketing de influência, apenas 20% são de pessoas negras. Mesmo presentes em 56 segmentos diferentes, elas não predominam entre usuários com mais de 5 mil seguidores.

Angélica, que trabalha com beleza há mais de 15 anos, destaca a importância de ter referências que se pareçam com ela, tanto esteticamente quanto pela história de vida, ajudando-a a entender melhor sua própria existência. “Amo poder desconstruir o que foi posto como padrão. Mais do que isso: amo ser essa pessoa que comunica beleza mesmo tendo sido chamada de feia a minha vida inteira. Antigamente, eu achava que eu só conquistaria grandes coisas se mudasse o meu corpo, a minha cara e o meu cabelo. Hoje, eu recebo elogio até da Hailey Bieber!”, afirmou a maquiadora em entrevista a revista Elle, celebrando sua jornada pessoal e profissional.

Assim, a representatividade no segmento de beleza – assunto que corresponde cerca de 22% dos temas abordados por influenciadores conforme o Relatório Influenciadores Digitais, realizado pelo Opinion Box e pela Influency.me – desempenha um papel fundamental no campo na construção de identidade e autoestima.

Fabiana Lima (@iamfabiana), jornalista e maquiadora, compartilha uma experiência semelhante, ressaltando como a maquiagem foi uma ferramenta crucial para sua autoestima desde a infância. “Eu sofria muito racismo na escola e eu sentia que a maquiagem me dava uma segurança de ‘não tô tão feia assim’, sabe?”.


A influenciadora também fala sobre a pressão para se adequar aos padrões estéticos desde cedo, alisando seu cabelo para parecer mais com sua mãe e enfrentar menos bullying. A falta de referências positivas na mídia e nos desenhos animados dificultava ainda mais sua aceitação. “Nesse momento de infância era muita pressão mesmo, porque não tinha nada, então eu pensava que tinha algo de errado comigo, eu achava que tinha algo de errado com a minha cor, com a minha aparência”, complementa.

“Quando falamos em beleza, falamos em valorizar nossos próprios traços e não de mudar quem somos para se encaixar em um determinado padrão ou um padrão inalcançável”, afirma o casal de psicólogas Priscila Brasileiro e Mariana Rosa, da clínica integrativa Psicologia das Pretas

Para as profissionais, a autoestima da população negra está ligada a ter referências de pessoas pretas fazendo algo positivo e não apenas em situações de violência, por exemplo. “Chamamos de representatividade positiva”, diz a dupla.

Nesse sentido, a representatividade ajuda na validação da identidade, principalmente dos mais jovens. “Também é importante combater os estereótipos. É importante que as figuras da mídia sirvam de exemplo e motivação”, complementam.


Diante desse cenário, a presença de influenciadoras negras em conteúdos de beleza é capaz de estabelecer relações de identificação. Isso permite que traços e características anteriormente considerados “fora” dos padrões estéticos convencionais passem a ser valorizados e celebrados.

“Ser uma mulher gorda, negra e que veio de uma comunidade traz esperança a pessoas como eu que sonham em trabalhar com beleza, me tornar uma referência de beleza nas redes abre caminhos que antes não existiam ou eram extremamente limitados, eu recebo mensagens de pessoas me agradecendo por ter conseguido emprego, por exemplo, porque melhoram autoestima e confiança através da maquiagem”, diz Angélica Silva. 

As psicólogas Priscila e Mariana explicam que atitudes como essa promovem a representatividade positiva, algo que vai além de apenas ocupar espaços, mas que inspira a população negra a querer sonhar. “O que pode parecer fútil e pequeno muitas vezes é a engrenagem e a motivação para pessoas que não tinham referências, ser alvo de comentários gordofóbicos, racistas e elitistas é a prova de que uma pessoa plural incomoda, mas muda algo”, complementa Angélica.

E qual o papel das marcas? beleza

“Não tô aqui para provar para racista que sou capaz, racista sempre vai ser racista e é lindo ver que eles se incomodam com uma preta que ficou rica e mudou a vida da família justamente por ser quem ela é”, Angélica Silva

Como criadores de conteúdo, os influenciadores participam do marketing de Influência, estratégia em que as marcas colaboram com esses perfis para promover seus produtos ou serviços. Especialmente no segmento de beleza, as empresas adotam essa abordagem com frequência para divulgar seus lançamentos. Isso pode acontecer de forma orgânica, com envio de press kits, ou pela conhecida #publi, na qual as marcas pagam um valor e estabelecem um briefing para aquela publicidade.

Contudo, até mesmo a contratação para conteúdos patrocinados acontece de forma desigual. Uma pesquisa realizada pelas organizações Black Influence, Site Mundo Negro, YOUPIX, Squid e Sharp, mostrou que os influenciadores pretos são menos contratados para campanhas de publicidade. Entre os entrevistados, 53% já tinham feito alguma campanha, porém, essa proporção era 17% menor do que a média geral. Influenciadores brancos recebem, em média, R$ 564 por ação publicitária nas redes, enquanto os pretos recebem R$ 496 e os pardos ainda menos, R$ 459. 

Da mesma forma, Fabiana Lima sente que os padrões historicamente valorizados ainda seguem ganhando destaque, ainda mais no nicho de beleza. “Já passei racismo com agências também que me contrataram e falaram que eu não estava sendo elegante o suficiente, me mandaram diversas referências de mulheres brancas, de cabelo liso. Quando eu questionei eles, eles tinham referências negras, eles não souberam muito o que responder, foi muito constrangedor”, relata.

Além disso, os profissionais brancos ganham, em média, valores mínimos de R$ 261,10 por campanha, com máximos de R$ 4.181,01, valores 2,5 vezes superiores ao recebido por influenciadores negros, cujos valores mínimos médios são R$ 235,97 e máximos R$ 1.626,83. Influenciadores pardos, em média, recebem R$ 203,84 no mínimo e R$ 2.384,16 no máximo.

Sobre experiências racistas durante sua trajetória nas redes sociais, Angélica diz: “nunca tento convencer os preconceituosos, acho que essa é a verdade, eu mostro para eles que sou capaz de vender e comunicar tanto quanto uma mulher padrão. Poxa eu esgoto estoques de produto em rede nacional, as pessoas me param na rua e tiram produtos que indiquei da bolsa falando que comprou por minha causa, eu analiso marcas que valem a pena estar nas minhas redes por que sei que posso gerar virais e é importante entregar qualidade ao meu público, o que eu faço é trabalho e é trabalho duro, de muita pesquisa, sinceridade e respeito.”

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O potencial da representatividade negra em conteúdos de beleza

A falta de diversidade em publicidades contratadas pelas marcas significa negligenciar a parte não representada, reforçando padrões estéticos excludentes. Angélica pontua a necessidade de inovação das empresas, “hoje em dia influenciadoras negras indicam produtos e tem muita relevância no mercado, as pessoas esperam as minhas resenhas muitas vezes para decidir a compra e isso é claro que se reflete nas marcas, se não existe inclusão você não comunica em todos os lugares”, ela complementa.


Apesar de um cenário ainda desigual no mercado de conteúdos digitais de beleza, Fabiana Lima reforça que recebe diversas mensagens emocionantes de seguidoras que passaram a se sentir bonitas, “nada mais bonito do que incentivar muitas mulheres a se olharem no espelho e pensar, ‘pô, eu sou bonita também’. Nesses pequenos detalhes que a gente vê a força do nosso trabalho”, complementa.

Editado por Mariana Ribeiro

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