“Terapia em dia”: quais as novas Red Flags para os relacionamentos do séc XXI? - Revista Esquinas

“Terapia em dia”: quais as novas Red Flags para os relacionamentos do séc XXI?

Por Mayara Victorio e Tiago Pechini : dezembro 13, 2024

O imediatismo em saber se está com a alguém ideal ou não pode tirar a parte mais orgânica do relacionamento: conhecer a pessoa. Foto: Reprodução/Pexels

Por que os pré-relacionamentos heteronormativos só podem acontecer a partir de um “checklist” tão rigoroso? 

Arrasta para a direita, arrasta para a esquerda, “superlike”. Quem abrir qualquer aplicativo de relacionamentos pela primeira vez, irá se deparar com um sistema auto intuitivo e mecânico. “Tinder”, “Bumble” ou “Grindr” se tornaram uma das maneiras mais fáceis de conhecer pessoas no século XXI.

O objetivo de todas essas redes é simples: encontrar um parceiro. Mas qual o critério para um match? O que faz alguém ser a pessoa escolhida para um próximo passo fora da vivência cibernética? 

Nos últimos anos, o termo “red flag” (bandeira vermelha) foi popularizado majoritariamente entre mulheres heterossexuais no TikTok, na intenção de identificar sinais de machismo e misoginia em homens na fase dos “pré-relacionamentos” – peguetes, ficantes, “ficantes-sérios” (sim, isso existe) ou as importadas “situationships” (carinhosamente apelidadas de ‘casinhos’) – e evitar a evolução dessas relações para algo abusivo e, infelizmente, estável.

O objetivo das “red flags” não era inicialmente ruim: eram apenas mulheres compartilhando de experiências em comum, achando padrões no comportamento masculino e tentando criar hábitos mais saudáveis para si mesmas ao filtrar aqueles com quem iriam se relacionar. Elas mostraram que identificar um “boy lixo”, e evitá-los, não era tão difícil quanto um dia já pareceu ser.  

A jornalista Ana Clara Cottecco, da Folha de S.Paulo, tem 20 anos e escreve principalmente sobre relacionamentos na Geração Z. Ela considera que os aplicativos de relacionamento funcionam como uma espécie de cardápio digital, e que aumenta a velocidade do descarte.  

“É claro que prestar atenção nas falas, comportamento e histórias negativas de uma pessoa pode te livrar de um enorme problema, como entrar em um relacionamento abusivo ou namorar um completo sem noção, mas radicalizar e cortar completamente o contato com alguém que você está conhecendo na primeira atitude que você não concorda totalmente, me parece o caminho certo para entrar em uma bolha e perder a oportunidade de conhecer outras pessoas.”  

Com a viralização do termo, quase tudo passou a ser chamado de “red flag”. Algumas das bandeiras vermelhas citadas pelas influenciadoras do TikTok são: Ser muito próximo da mãe, ser muito distante da mãe, jogar videogames em excesso, fazer esportes em excesso, não praticar esportes, ser desempregado, se vestir “vulgarmente”, falar mal da ex, ser amigo da ex, ter amigos próximos do sexo oposto, ser insensível, ser sensível demais, entre outros.  

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As “green flags”, suas irmãs gêmeas do bem, alertam teoricamente, sinais de que você é uma pessoa ideal para se relacionar, e se tornaram material de vitrine em aplicativos de relacionamento.

É necessário ter a terapia em dia, transparecer ter planos para o futuro e uma vida bem estabelecida – são instituídos padrões que não necessariamente são facilmente achados fora do mundo digital, em que é muito fácil passar a impressão de perfeição.  

Numa lente geral, se relacionar na modernidade se tornou algo instantâneo e desprovido de paciência, visto que que se tem fácil acesso à vida do outro e à conveniência de idealizar outro indivíduo na palma da mão. As pessoas procuram o relacionamento perfeito na ação de dar “like” em completos estranhos que parecem cumprir requisitos pré-estabelecidos, como se fizessem uma encomenda.

Essas exigências desnaturalizaram a coisa mais orgânica das relações interpessoais: o processo de conhecer alguém e entender o que é bom, o que gera identificação e o que não serve, sem influências externas. O que se consome sobre relacionamentos nas redes se tornou quase uma doutrina em prol do amor-próprio, mas que não tem nenhum recorte de individualidade. 

A pesquisadora e psicanalista Natália Leon Nunes considera que estabelecer regras quando se trata de relacionamentos românticos é algo negativo, visto que o que é funcional para uma pessoa, pode não ser para outra.  

“Tem um problema de falar sobre red flags como se elas existissem para todo mundo, que é aniquilar a singularidade de cada um. Às vezes o que você quer em um relacionamento é muito diferente do que outra pessoa quer. Me parece que esse excesso de “reconheça os sinais” vai aniquilando o que é próprio do amor e das relações: a experiência de estar com o outro. Só estar junto nos diz se aquilo é bom ou não” 

Por um lado, é importante ler situações que sejam potencialmente prejudiciais no futuro, mas é necessário não seguir essas doutrinas à risca, porque é um paradoxo sem fim: a internet está carregada de o que faz um bom relacionamento, mas ninguém de fato se relaciona – no contexto, é como se fizéssemos compras impulsivas e ficássemos frustrados quando o produto vem com defeito, e então ele é descartado.

É aí que entra o perigo: de alguma forma, experiências pessoais, quando viralizadas, são adotadas como verdades universais – e essas “verdades” não podem ser adaptadas para realidades distintas.  

Nunes conclui:  

“Quem disse que os relacionamentos só dão certo a partir de um checklist? Existem casos que cumprem todos os requisitos e ainda dão errado. É uma forma de evitar o sofrimento e o desconhecido, uma proteção. Não é ruim estabelecer parâmetros, mas o amor e as relações envolvem o novo e o inesperado, e isso extrapola essas listas. Se elas dessem certo, a gente não estaria tão perdido e bagunçado”.

Editado por Bruna Blanco

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