Cursinhos populares: o que mudou com a pandemia? - Revista Esquinas

Cursinhos populares: o que mudou com a pandemia?

Por Cintia Miyuki, Íris Chadi e Luísa Cerne : fevereiro 1, 2021

Estudantes e pessoas ligadas aos cursinhos populares contam como foi a adaptação do ensino durante a pandemia

Leonardo Anastácio, 18, cursava Psicologia no começo do ano. Já nos primeiros meses da graduação, ele percebeu que não era o curso ideal e que queria mesmo cursar ciências sociais na USP. Ele saiu da faculdade e se matriculou em dois cursinhos populares, o Aluno Ensina e a UNEafro, assim que as aulas presenciais foram suspensas por conta da pandemia. Seu ensino é virtual neste período.

Leonardo prefere aulas presenciais. Mesmo conseguindo assimilar as aulas ao vivo, o aprendizado das disciplinas que ele tem mais dificuldade, como as de exatas, fica defasado por conta da falta de acompanhamento nos estudos. No começo do processo de adaptação dos cursinhos havia apenas aulas gravadas, e era ainda mais difícil de acompanhar: “Meu problema era estudar sozinho vendo as aulas gravadas, não me ajudava tanto quanto ao vivo. Agora, as aulas online com o professor passando textos e lendo com a gente, conversando, é a mesma qualidade do presencial.”

Diferentes instituições buscaram diferentes adaptações. O cursinho 4 de Dezembro (4D), fundado por alunos da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) dava todas as aulas na própria faculdade. Sem este local, os colaboradores buscaram alternativas virtuais. No primeiro semestre, entender o sistema EAD foi complicado, tanto que o cursinho 4D só forneceu aulas próprias de redação, além de uma parceria com o Descomplica, plataforma que fornece aulas à distância, simulados, exercícios, entre outros. Apenas no segundo semestre o cursinho voltou a dar aulas de todas as disciplinas. “Estava tudo pronto para começar, só que por conta da pandemia, a gente teve que procurar essa parceria com o Descomplica para não deixar os alunos na mão”, diz Pedro Romani, 19, Diretor Institucional do cursinho 4 de Dezembro.

O Cursinho FEA-USP (Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo) também tem uma parceria com a plataforma Descomplica. Maria Julia Bastos, 19, é coordenadora de Marketing do cursinho da FEA e comenta que trabalha com o Descomplica, pois a plataforma oferece um auxílio positivo aos estudantes: “Muitos alunos acabam se perdendo um pouco com as aulas online, então eles optam por ver alguns conteúdos no Descomplica”. A adaptação do cursinho da FEA foi bem rápida. Houve uma pausa de três dias até que os professores se organizassem para oferecer aulas virtuais e síncronas a partir de então.

Principais dificuldades

Uma das maiores barreiras do ensino online são as dificuldades tecnológicas. No cursinho da FEA, que conta com 240 alunos, cerca de 40 assistem às aulas online e outros 40 assistem às aulas gravadas, de acordo com um questionário veiculado entre os estudantes. Outro problema com o aprendizado dentro de casa é que, muitas vezes, o ambiente não é favorável. Alguns alunos não têm espaço confortável para estudar, além da rotina de cada família, que influencia o horário de estudo de cada um. “Se antes tinha horário fixo para ver aula, hoje não tem, porque depende muito de como é a rotina em casa, se tem muita gente, muitos fazem escola junto e muitos trabalham”, completa Maria Julia.

Mesmo que a adaptação ao ambiente virtual tenha funcionado, a nova dinâmica não é perfeita. Tanto professores quanto alunos sentem a perda de contato humano com os colegas. “Falo sempre que tenho muito medo de ter um colega de faculdade e eu não saber que dei aula. É legal entender com quem a gente tá lidando”, diz Pedro. “É sempre bom ter colegas de estudos, não só para temas de vestibular, mas para conversar sobre outras coisas. E também ajuda no vestibular, pois aumenta nosso capital cultural”, destaca Leonardo.

Outro problema que os cursinhos enfrentam é a falta de visibilidade. Muitas vezes, essas instituições funcionam sem auxílios, por universitários que também estão aprendendo e os alunos não se beneficiam das vantagens legais de ser estudante. Para enfrentar essa dificuldade, surgem iniciativas como a Brasil Cursinhos, uma associação privada sem fins lucrativos composta por universitários e que tem como objetivo auxiliar cursinhos populares pelo país. Ela proporciona uma rede de apoio e contato, para que as instituições possam se comunicar, além de cursos e palestras de capacitação. Quanto à questão da visibilidade, Douglas Jun, 22, Presidente da Associação, comenta: “Não acho que é falta de empatia com a causa, mas uma questão da gente se mostrar mais pra sociedade”. Para Douglas, a invisibilidade vem do cursinho ser uma ferramenta de reparação do Ensino Básico. Leonardo concorda: “Eu vejo o cursinho como algo gerado pela falha do ensino, porque a escola não nos prepara para o vestibular.”

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Vantagens do EAD

As aulas online são uma possibilidade para pessoas de locais diversos que querem estudar. “Se por um lado, com a internet todo mundo fica mais distante, também é uma forma de tentar atingir todo mundo, justamente por não ter muitas fronteiras”, comenta Maria Julia. No cursinho da FEA, os professores aproveitaram para pensar em novos recursos, como quizzes e rodas de conversa online.

Para o cursinho 4D, a mudança para o online possibilitou engajamento nas redes sociais, onde colaboradores postam conteúdos de vestibular e impactam mais de 1000 seguidores. Além disso, foi implementado um acompanhamento semanal individual, para tratar tanto dos estudos, quanto do emocional.

Douglas, a partir de seu trabalho com cursinhos em todo o Brasil, vê que a pandemia trouxe aprendizados: “É uma leva de universitários que passaram por uma experiência única e desenvolveram competências muito boas como resolução de problemas e transformar todo um modelo de negócio que já estava estabelecido. Foi um ano de vitórias.”

Todavia, essas vantagens, para Leonardo, não fazem do ensino virtual melhor. Mesmo assim, ele reconhece a importância de manter as aulas neste período: “Eu acho que os cursinhos continuam contribuindo com a educação, é isso que importa, se adaptar às dificuldades. Por mais que não tenha cursinho presencial neste ano, os online suprem a demanda e são extremamente necessários.”

Tanto as instituições quanto os alunos concordam que as aulas à distância, do modo que ocorrem em 2020, não são ideais, porém boa parte dos cursinhos conseguiu dar continuidade ao ensino. Dos 16 cursinhos associados à Brasil Cursinhos, apenas um interrompeu as aulas. Apesar das dificuldades, este certamente foi um período de aprendizados, que contribuirá para o ensino futuramente, seja ele presencial ou virtual.

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