“Não existe jornalista neutro”, diz Paulo Markun, ex-presidente da Fundação Padre Anchieta - Revista Esquinas

“Não existe jornalista neutro”, diz Paulo Markun, ex-presidente da Fundação Padre Anchieta

Por Giulia Peruzzo, Giuliana Lima Miranda, Gustavo Rosmaninho, Mariana Aguiar e Sofia Faltz : junho 19, 2024

Paulo Markun e alunos de jornalismo da faculdade Cásper Líbero. Foto: Arquivo pessoal/Giulia Peruzzo

Paulo Markun fala sobre democracia, liberdade de expressão e a regulamentação da profissão de jornalista

Existem alguns questionamentos sobre a atividade de jornalista nos dias de hoje. Há quem diga que esse profissional tem que ter um diploma, mesmo com a suspensão dessa obrigatoriedade desde os anos 2000. Outros acreditam que, independentemente disso, o essencial é ser imparcial. Para Paulo Markun, porém, não existe ‘jornalista neutro’. E quem diz ser neutro tem uma posição que não quer entregar.” O que então envolve um fazer jornalístico?

ESQUINAS conversou com o jornalista que presidiu a Fundação Padre Anchieta, responsável pela gestão da prestigiada TV Cultura, e apresentou o programa Roda Viva por dez anos. Markun também é autor de mais de 15 livros e trabalhou como repórter, editor, comentarista, chefe de reportagem e diretor de redação.

Um debate levantado recentemente discute a necessidade de regular mais rigorosamente o exercício do jornalismo e as redes sociais. Em uma audiência na Câmara dos Deputados em 2023, que discutia a proposta do retorno da obrigatoriedade do diploma para a prática profissional, Samira Cunha, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), disse: “em um cenário que temos a maioria da população se informando por redes sociais, nós precisamos qualificar cada vez mais o jornalismo praticado no Brasil.”

Markun não vê a regulamentação como a solução, mas destaca que caminhar para esse debate é importante e levanta a discussão de qual o limite da regulamentação, principalmente, para as “grandes corporações que hoje dominam a comunicação no mundo, que não são as grandes emissoras, são as redes sociais”.

O jornalista avança sobre a discussão do fazer jornalístico e diz que expressar uma opinião por meio de um texto não é totalmente proibido, mas deve ter o seu lugar identificado dentro de uma publicação. “Há muitas questões que não se resolvem no preto e no branco, no sim ou no não, no a favor ou no contra. Existem nuances. Esse cuidado é necessário, mas não existe ‘jornalista neutro’. E quem diz ser neutro tem uma posição que não quer entregar.”

Com uma apuração precisa e a produção de fatos, o jornalismo é promove a manutenção da democracia. “Ele contribui se conseguir demonstrar que é melhor se valer da informação com credibilidade, apurada, investigada, do que de qualquer coisa que a gente encontra na internet.” Markun relembra as Diretas Já, em 1984, período em que a rádio e a televisão estavam completamente censuradas. “A emenda que pedia as eleições diretas perdeu, porque não teve votos suficientes. Talvez se tivesse liberdade, tivesse tido a possibilidade de demonstrar quem votou contra ou quem não compareceu, o resultado talvez fosse outro.”

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A profissão de jornalista foi oficializada em 1969 e passou a indicar  que uma pessoa que deseja praticar o jornalismo no Brasil deve apurar um fato, coletando e compartilhando informações relevantes para a sociedade, enquanto segue  um código de ética específico. Passar a informação de modo transparente e responsável requer liberdade para expressá-la, o que não era possível no ano em que esse decreto foi emitido, devido à censura estabelecida durante a ditadura civil-militar.

Markun militou no Partido Comunista durante o regime militar, foi colega do jornalista Vladimir Herzog e sofreu as represálias da época. Sobre isso, ele escreveu um livro, publicado pelo selo Objetiva, chamado Meu Querido Vlado. “Eu tenho a impressão de que nunca é suficiente relembrar essa história para as novas gerações, porque o tempo vai passando, a história vai ficando no passado, e ela contém algumas questões que considero importantes de a gente relembrar.”

A publicação conta como os dois se conheceram no período de militância e da tentativa de exercer um bom trabalho jornalístico em meio à censura. No podcast Ficha Criminal, do Uol, Clarice Herzog, esposa de Vlado, diz que seu marido escolheu a aproximação com o chamado Partidão como única opção para derrubar a ditadura, já que era judeu e não poderia se juntar à igreja católica, tamanho era o compromisso dele com a liberdade de informação.

“É fundamental você ter liberdade. Eu trabalhava no Estadão e tinha um censor que cortava as matérias”, relembra Markun. Hoje, destaca, existe um limiar entre o que é ter a liberdade de se expressar e o que viola os direitos humanos. “Eu acho que ter liberdade de expressão para defender racismo, o fim da democracia e o nazismo não é liberdade de expressão.”

Editado por Ludmila Borba

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