Meneghetti movimentou São Paulo no século XX com seus planos que lembram espetáculos de circo e dedicou sua vida toda ao crime
A São Paulo do século XX proporcionou movimentos políticos e artísticos consideráveis, representando figuras marcantes, mas esquecidas na memória do paulistano. Gino Meneghetti é o caso do acaso, onde o “herói do pobre” foi capa de jornal diariamente e sem preocupação incomodou a elite brega da capital.
O “Rei dos Ladrões”, o “Gato dos Telhados”, o “Mestre dos Disfarces”, o imigrante italiano que chegou ao Brasil na segunda metade do século XIX, foi o símbolo da revolta política no reduto italiano do Bixiga e da Mooca. Meneghetti era um gato de rua, perambulava por São Paulo dia e noite, mas o seu ponto de repouso era a pensão de Maria Lazaroni, sua tia.
A origem do ladrão
A sua vinda ao Brasil partiu de uma fuga de autoridades italianas e francesas por conta de assaltos a joalherias locais. A vida no crime começou cedo, desde os 14 anos, o garoto já realizava pequenos furtos e justificava: “Vou roubar a fonte da vaidade dos ricos”.
Em São Paulo, o horário preferido do criminoso era entre o entardecer e o amanhecer. A escolha por esse período se dava pela escuridão das ruas, que facilitava a fuga de Meneghetti. Gino gostava de regiões próximas a Avenida Paulista e bairros como, Pacaembu e Higienópolis, que no século XX, eram lares da alta classe paulistana e que contavam com a presença de galpões e plantações dos barões do café. O gatuno sabia por onde andava.
A finalidade dos roubos não era para uso pessoal, Meneghetti ficava com o necessário para sobreviver e o resto da verba era distribuída entre amigos, parentes e pessoas necessitadas. Nunca roubou dos pobres, apenas de famílias ricas, o tal do Robin Hood paulistano.
Gino não se considerava um ladrão e utilizava da ideologia: “Toda propriedade é um roubo”, do filósofo francês Pierre-Joseph Proudhon. De acordo com o quadrinista Kash Fyre, autor do livro “Espetaculare Meneghetti”, o gatuno tinha três regras essenciais para continuar os roubos: sem violência, armas e drogas.
Caspita! Meneghetti em ação
“Parece irreal o que vou falar, mas há um trecho no livro em que Meneghetti aparece nadando nu pelo rio Tamanduateí e sai pulando de telhado em telhado só para fugir das autoridades”, comenta Fyre sobre uma das principais fugas do ladrão. Gino havia sido colocado na solitária após tentar escapar da prisão com um colega de cela.
Sozinho e inteligente, o gatuno esperou chegar a madrugada e decidiu escalar as paredes do espaço até chegar ao topo, onde conseguiu acessar o pátio da prisão e passar despercebido até o Tamanduateí. Chegando a margem do rio, saltando por telhados e parando só na casa de um tio que morava próximo do presídio, o italiano fugiu com maestria.
Fyre comenta que um dos momentos mais impressionantes de um de seus disfarces foi em meio a uma coletiva de imprensa da polícia: “Meneghettti estava para ser preso e a polícia pronta para anunciar a sua prisão”. Só que as circunstâncias mudaram.
“Ele mudou sua aparência e se infiltrou na coletiva em frente aos jornalistas e fotógrafos. Quando a entrevista acabou ele entregou um bilhete a um dos fotógrafos e estava escrito ‘Por que não me prenderam?’”, completou o quadrinista.
Não só as fugas impressionam, como os disfarces também, de dia andava com terno e chapéu no meio da multidão, e com seu bigode expressivo, que na verdade era postiço pois o original havia sido raspado na intenção de se esconder com maior facilidade.
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A grande fuga de 1926
Com a chegada das autoridades, relatos da época dizem que Meneghetti disparou contra os policiais, forçando assim, a ruptura de uma de suas regras essenciais em seus atos, “sem armas”. Os disparos serviram de gancho para culpar Gino da morte de um dos policiais.
Em 1926, São Paulo tinha uma das madrugadas mais frenéticas de sua história e o motivo não poderia ser outro, o italiano atuava de novo, entretanto, sem sucesso desta vez. Meneghetti ficou encurralado pelas autoridades da época forçando-o à uma longa fuga pelo bairro da Santa Ifigênia no centro da capital.
O procurado preparou a fuga por meio de telhados, dificultando as forças cívicas e públicas da metrópole paulista (atual polícia militar), necessitando de apoio dos bombeiros para poder escalar o topo das casas e seguir a perseguição de lá.
Gino Meneghetti foi detido por volta das 05h30. A população local se aglomerava para ver o que acabara de acontecer após uma baderna pela região. A sentença do italiano ficou entre 26 a 28 anos de prisão, essa seria a reclusão mais longa que o assaltante teve em toda sua carreira do crime.
Por outras esquinas
Em 1944, após sua longa pena, o “Gato do Telhado” mudou seus ares, saía da vida agitada da cidade paulista e ia rumo ao sul do país em busca de um lugar mais calmo para arquitetar suas novas manobras. Além de pequenos furtos, acabou abrindo uma loja de penhores e uma casa de apostas clandestina. Nesse período chegou a ser preso em Ponta Grossa (PR).
Devido a popularidade na região, Meneghetti ficou preocupado com as autoridades e decidiu retornar ao seu palco de estreia: São Paulo.
Até logo ou não?
Após anos no crime, o “Rei dos Ladrões” ganhou a sentança da idade. Sem capacidade para escalar e pular, decidiu largar a vida de assaltante e o posto de Robin Hood.
“O meu pai tinha um bar na Baixada do Glicério, em frente ao quartel do parque Dom Pedro II. E todo mundo conhecia o Gino por lá, era muito benquício naquela época”, relembra o jornalista e historiador Heródoto Barbeiro. O “Bar do Barbeiro” era o outro repouso de Meneghetti. O jornalista, na época criança, teve longas conversas com o já senhor Gino.
Durante a “aposentadoria”, o italiano ganhou uma banca de jornal do então prefeito de São Paulo, Faria Lima. Fyre comentou sobre a banca no “Espetaculare Meneghetti”, destacando que a propriedade ficou mais fechada do que aberta, muito pelo histórico criminoso de Gino.
Segundo registros, o último trabalho de Menehetti foi uma tentativa de arrombamento em uma casa na rua Fradique Coutinho, em Pinheiros.
Gino Meneghetti faleceu aos 97 anos por conta de uma trombose, em São Paulo. A notícia da morte foi noticiada por diversos veículos de imprensa, inclusive o extinto “Notícias Populares”.