#PEC206NAO: entenda mais sobre a proposta de cobrança de mensalidades em universidades públicas - Revista Esquinas

#PEC206NAO: entenda mais sobre a proposta de cobrança de mensalidades em universidades públicas

Por Diogo Braga : junho 1, 2022

Kim Kataguiri, deputado federal e relator da PEC no Congresso. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Artistas e influenciadores se manifestaram contra o projeto, mas o que é a PEC 206?

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) número 206, de 2019, foi oficialmente apresentada à mesa diretora da Câmara dos Deputados no dia 27 de novembro de 2019, pelo Deputado General Roberto Peternelli (PSL/SP). O relator é o Deputado Kim Kataguiri (UNIÃO/SP), presidente da comissão de educação da Câmara.

A sugestão é permitir que as instituições públicas de ensino superior possam cobrar mensalidades dos alunos. Os recursos recebidos por essa cobrança seriam destinados ao custeio das próprias instituições de ensino (inclusive as de ensino básico), mas ainda seria garantida a gratuidade aos alunos que são economicamente desfavorecidos:

“Cada um destes entes poderá, se assim quiser, disciplinar a cobrança de mensalidade, observando a gratuidade garantida aos alunos pobres. A autonomia administrativa e legislativa dos diferentes entes é mantida. O que a PEC faz é alterar a disciplina que a Constituição Federal dá ao ensino público superior, disciplina esta que impõe, em todos os casos, a gratuidade”, reitera o autor da proposta.

A motivação da PEC

Em relatório publicado em 2017, o Banco Mundial expõe os motivos de realizar um estudo em que conclui que o fim da gratuidade do ensino superior consequentemente diminuiria a desigualdade social do País. Entre eles, destaca-se o fato de que a maioria dos estudantes brasileiros são matriculados em universidades públicas. Porém em 2015, dos aproximadamente 8 milhões de estudantes universitários, apenas cerca de 2 milhões estavam em unidades públicas de ensino superior.

Além disso, segundo o Banco, no Brasil, o estudante também resulta em um elevado “custo” para o estado: “Entre 2013 e 2015, o custo médio anual por estudante em universidades privadas foi de aproximadamente R $12.600 e R $14.850, respectivamente. Em universidades federais, a média foi de R$ 40.900”.

Peternelli afirma que o sistema das universidades públicas atualmente gera “distorções gravíssimas”. Segundo ele, os estudantes ricos ocupam as vagas disponíveis no vestibular em detrimento da população mais carente.

Outra questão que é muito discutida está relacionada a quanto será cobrado na mensalidade. O autor explica, no texto original do projeto, que isso ainda não está definido, pois se trata de um objeto de estudo mais profundo e que demanda tempo. Mas, segundo ele, “o valor máximo das mensalidades poderia ser a média dos valores cobrados pelas universidades particulares da região e o valor mínimo seria 50% dessa média”.

Na mesma linha, o relator Kim Kataguiri em seu parecer para o projeto, explica que as chances de um estudante pobre entrar na universidade pública seriam de 2%, enquanto a de um estudante rico de 40%. “É verdade que há casos de alunos no ensino superior em condição de pobreza – e estes devem continuar a ter o benefício da gratuidade – mas permitir que o Estado cobre mensalidades em cursos superiores dos alunos abastados nem de longe altera o núcleo do direito fundamental social à educação”, completa.

Além disso, Kataguiri acredita que é necessário focar no ensino básico, já que hoje o Brasil investe três vezes mais nas universidades do que nas escolas; e essa PEC traria recursos que tornaria possível diminuir essa disparidade.

Por fim, ele também traz um problema ainda mais fundo do país, segundo ele, que é a cobrança de impostos no consumo e não na renda: “Esse sistema faz com que os impostos sejam regressivos, (proporcionalmente, o pobre gasta mais o seu salário em produtos/consumos, do que o rico), penalizando quem tem menos. Assim, nosso ensino superior é bancado pelos pobres, mas usado pelos ricos.”

A situação atual do projeto

Desde 2019, quando a PEC foi apresentada pelo General Peternelli (PSL-SP), ela já passou por diversos estágios. Oficialmente, foi recebida pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) já no início de dezembro do mesmo ano.

Mas foi apenas em agosto de 2021, que o então deputado do DEM-SP, Kim Kataguiri, obteve a designação de relator do projeto. Um mês depois, o mesmo emitiu o primeiro parecer sobre o projeto para a CCJ e enviou o segundo parecer recentemente, no dia 18 de maio de 2022.

Veja a íntegra dos pareceres do relator

Parecer 1: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2083057

Parecer 2: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2173079

Desde então, diversos deputados contrários ao projeto emitiram requerimentos, que pediam a retirada dele, como os deputados Vicentinho Júnior (PP/TO),  Frei Anastácio Ribeiro (PT/PB) e Daniel Almeida (PCdoB/BA).

Já a deputada Maria do Rosário (PT/RS) requereu uma audiência pública para debater a PEC 206 de 2019. “Educação não é mercadoria”, grita a petista que foi apoiada por outros opositores à proposta e por integrantes de movimentos estudantis.

Como Kim estava de licença médica e o projeto não pode ser votado pela CCJ sem a presença do seu relator, a decisão da comissão foi adiada. Com isso, o presidente da comissão, Arthur Oliveira Maia (União-BA), acatou o pedido da deputada do Rio Grande do Sul e irá realizar uma audiência, antes que a PEC seja votada.

Hoje, a proposta está fora da pauta no congresso até que seja remarcada a votação e a audiência pública.

O caminho completo e detalhado da proposta pode ser acompanhado pelo site da Câmara.

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As críticas à PEC

Além dos famosos e deputados, muitas pessoas que, indiretamente ou diretamente, estão ligadas às instituições de ensino superior público, no Brasil, também expuseram sua visão crítica sobre a PEC.

Tábata Amaral, deputada do PSB-SP, trouxe um novo modelo para esse projeto. Ela concorda com o problema que existe no financiamento do ensino superior, mas propõem que, terminada a graduação, somente aqueles que conseguirem empregos com alta remuneração devem entregar parte dos salários à universidade: “Tem uma questão muito séria que diz respeito ao acesso. O texto diz que o valor das mensalidades vai ser definido pelos reitores. Acontece que os reitores neste momento estão sem dinheiro para pagar as contas de limpeza e de luz.”, alerta.

Assim como Tábata, o economista e professor da FGV, Paulo Meyer Nascimento, está alinhado com a ideia da PEC, mas não está de acordo com o modo que ela propõe. “A mensalidade é ruim porque cria uma barreira financeira para quem quer estudar. O modelo que proponho é vinculado à renda e cobrado pela Receita Federal, retido na fonte, semelhante ao Imposto de Renda. Há experiências semelhantes a essas em países como Austrália, Hungria, Nova Zelândia e Uruguai”, conclui ele.

A UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), além de outras oito importantes instituições se posicionaram fortemente contra a PEC. Elas emitiram uma nota de repúdio contra políticos e movimentos da Câmara a favor da proposta.

Em 2018, uma pesquisa foi feita pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e mostra que 70,2% dos estudantes apresentavam renda per capita mensal familiar de até um salário-mínimo e meio. “Como estabelecer parâmetros para dizer qual aluno será cobrado? Não acredito que cobrar os alunos seja a melhor solução. Não se pode determinar isso a partir de uma PEC com apenas um artigo”, opina Marcus Vinicius David, presidente da Andifes.

Guilherme Boulos, coordenador do MTST, foi ainda mais incisivo na oposição ao projeto: “Os mesmos que defendem mensalidade em universidades públicas são a favor do fim das cotas. Querem uma universidade cada vez mais elitista, desigual e só pra quem pode pagar”.

Editado por Nathalia Jesus

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