Vanguardista e empreendedor, Cásper Líbero mudou o Jornalismo em vida e deixou como legado uma Fundação que, há 75 anos, cumpre o mesmo papel de inovação
Filho caçula do casal Honório Líbero, médico e político republicano, e Zerbina de Toledo Líbero, Cásper Líbero nasceu em Bragança Paulista no ano de 1889. Cásper viria a ser o idealizador da primeira Faculdade de Jornalismo do Brasil – antes da trajetória como comunicador, formou-se no bacharelado de Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito Largo São Francisco. A carreira na advocacia, porém, foi rapidamente rendida pela paixão pela comunicação.
Cásper trabalhou na administração da sucursal carioca do jornal O Estado de S. Paulo e, pouco tempo depois, criou a Americana, primeira agência com notícias integralmente nacionais. Aos 23 anos, com o auxílio de amigos, fundou o jornal A Última Hora, periódico marcado pelas duras críticas ao governo do marechal e então presidente Hermes da Fonseca – o teor ácido da oposição ao marechal seria também o motivo do fechamento da edição. Seis anos depois, como repórter policial aos 29 anos, Líbero adquiriu os direitos de um dos principais veículos da época: o jornal A Gazeta, tornando-se diretor e proprietário do veículo.
Ímpeto empreendedor
Em um ato ousado, Cásper Líbero institui uma série de mudanças e modernizações no jornal e consegue reerguer a gestão do diário, que enfrentava fortes crises financeiras. Ele foi o primeiro a imprimir em cores no país, além de implementar novas tecnologias, como o uso de rotogravuras e a valorização das imagens nas paginações. Seu espírito empreendedor também permitiu que o patrono desenvolvesse uma coluna que em pouco tempo seria um dos principais jornais de esportes da América Latina, a Gazeta Esportiva.
Em 1934, seu jornal ganharia uma versão sonora na rádio, sendo incluída no programa Grande Jornal Falado d’A Gazeta, transmitido pela Rádio Cruzeiro do Sul. Com o objetivo de melhorar as transmissões, Cásper Líbero inaugurou o Palácio de Imprensa, em 1939, localizado na Rua Conceição, 88 – atual Avenida Cásper Líbero. A ideia era que o espaço fosse utilizado como um complexo de comunicação O prédio foi o primeiro no Brasil criado para abrigar conjuntamente redação, gravura, impressão e distribuição de um jornal.
A título de curiosidade, Cásper Líbero também foi idealizador da icônica Corrida de São Silvestre, realizada anualmente no dia 31/12 desde 1925. A inspiração vem da March aux Flambeaux, tradicional espetáculo noturno francês. Quase simultaneamente, também criou a tradicional prova de ciclismo do Brasil, denominada Prova Ciclística Nove de Julho, em homenagem ao início da Revolução Constitucionalista de 1932.
Tragédia e legado
No dia 27 de agosto de 1943, Cásper faleceu aos 54 anos em um acidente de avião que envolveu o choque da aeronave contra a Torre da Escola Naval na Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro. Antes de morrer, Cásper Líbero, que não possuía herdeiros ou esposa, determinou que sua herança fosse usada na criação de uma fundação, com o objetivo de assegurar a manutenção de seus veículos e apoiar a criação de uma sociedade justa e desenvolvida, por meio da educação qualificada da comunicação.
Por meio dos alicerces deixados por Cásper, a Fundação Cásper Líbero criou a primeira faculdade de jornalismo da América Latina, preservando o legado de seu idealizador, assim como os valores de ética e profissionalismo. Anos depois, a Fundação também passaria a gerir uma emissora, a TV Gazeta. Fundada em 16 de maio de 1947, a Faculdade Cásper Líbero só seria transferida para Paulista, 900 em 1967 – por quase 20 anos, a escola de Jornalismo operou no Palácio de Imprensa.
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Um ensino humanizado
Ao longo desses 75 anos de história – completados hoje, dia 16 de maio de 2022 -, muitas mudanças se instalaram no universo da Comunicação, desde evoluções na esfera jornalística a alterações estruturais da própria faculdade. No entanto, a tradicionalidade, a ética e o profissionalismo mantiveram-se preceitos irrevogáveis não somente para Fundação, como também para cada aluno e professor que de alguma forma construiu sua história por aqui.
Muito além de um prédio bonito no centro da cidade, o Paulista – 900 simboliza a consolidação do sonho casperiano. Para Helena Jacob, atual coordenadora do curso de jornalismo, “a ideia do Cásper era ter uma escola de jornalismo no Brasil inspirada pelo modelo norte-americano, em que se estuda o jornalismo como profissão e prática das Ciências Humanas”. No entanto, hoje, quase oito décadas depois da sua fundação, a Faculdade se destaca por preservar um viés que transcende o puro fazer jornalístico e prima por uma experiência humana, dotada de valores sócio-filosóficos e debates contemporâneos. “Eu sempre bato na tecla que a Cásper Líbero tem o diferencial da tradição, por ser a primeira escola e ter formado tanta gente há tantas décadas como nós fizemos, mas a gente tem um diferencial muito grande que é uma formação humanística”, completa a coordenadora.
Sob o mesmo viés, Liráucio “Lira” Girardi Júnior, professor casperiano desde 1993, reitera que “sempre foi o perfil da Cásper conectar a experiência das habilitações fundamentais para o profissional jornalista com uma formação mais humanística”. Lira destaca ainda o papel do professor nessa abordagem humana do ensino de Jornalismo: “Eu sempre procuro dar exemplos de situações cotidianas que vocês [estudantes] vão enfrentar. Por exemplo, numa situação de entrevista, a questão da pessoa ser de uma classe social diferente da sua. O jogo da Comunicação envolve muito mais do que achamos pelo senso comum”.
A mudança de endereço em 1967 tem tudo a ver com essa intersecção dos estudos midiáticos com a abordagem humanística. “A localização da Cásper Líbero faz toda diferença. A gente vê a vida acontecendo na Avenida Paulista, de manifestação às questões sociais. O próprio convívio dos alunos estando no centro, os faz participar ativamente da cidade”, aponta Fábio de Paula, ex-aluno e hoje professor da Faculdade.
Casperiano, um sentimento
Tamanha é a tradição do ensino de Jornalismo na Cásper que muitos alunos chegam ao momento da matrícula com histórias de vida que envolvem a instituição. Clarissa Palácio, caloura do curso de Jornalismo, afirma que seu encanto pela instituição vem de muito antes da época de vestibulanda. “Eu me lembro de sonhar em estudar jornalismo na Cásper desde os 13 anos de idade, então quando começou, foi literalmente um sonho se realizando. Demorou muito para eu olhar minha carteirinha, ler o nome da faculdade no prédio, contar para as pessoas que eu era casperiana e não estranhar – parecia tão fora da realidade, justamente por ter sido um sonho por muitos anos. Até hoje, sendo sincera, às vezes eu não acredito. Direto acontece de eu estar lendo algo sobre jornalismo em uma aula, ouvir os professores falarem que somos jornalistas e eu cair em mim, ‘Caramba, eu tô cursando jornalismo!’”.
Muitos fatores implicam na escolha da Cásper por novos estudantes. “Parte da minha escolha veio do nome que a Cásper tem, não só no mercado, mas como instituição de ensino […] Muitos jornalistas que eu admiro são formados aqui, muita gente conhece a instituição, dentro do mercado ser casperiano é uma grande vantagem”, pontua Clarissa.
Mais forte ainda, porém, é uma história familiar de Palácio envolvendo a Faculdade: “Meu avô, hoje com 89 anos, sempre sonhou em ser jornalista. Desde os treze anos, ele escrevia para o jornal da cidade em que morou na infância. Quando se mudou para a capital paulista, foi oferecida a ele uma bolsa na Cásper, que ele negou. Isto faz 70 anos e, até hoje, ele diz ser o maior arrependimento da vida dele. Quando contei que meu sonho era entrar na Cásper ele ficou extasiado, e meu sonho se tornou nosso sonho”.
Fábio de Paula adiciona que “sempre acreditei na Cásper como a melhor faculdade de jornalismo do Brasil. Naquele momento [período em que foi aluno] e atualmente continuamos sendo reconhecidos como uma instituição que tem boa empregabilidade e uma ligação com o mercado de trabalho muito mais direta”.
Entidades: laços e acolhimento
É fato que a experiência universitária não se limita ao aprendizado acadêmico. Muitos laços se formam justamente a partir das relações interpessoais desenvolvidas fora das salas de aula. Nesse aspecto, Fábio comenta sobre o contraste entre o seu período de aluno com o viver universitário atual. “A cultura universitária era um pouco diferente, porque não tinham coisas que a gente vê hoje, como o crescimento da Atlética, o surgimento da Aguante e da bateria da Cásper, por exemplo. Os coletivos também não existiam”, ressalta.
Os coletivos casperianos surgem em 2013 e desde então atuam como uma ferramenta de acolhimento de grupos minoritários, dentro e fora da faculdade. A Aguante, por sua vez, bradando os gritos de guerra casperianos e vestindo o vermelho, cor da Faculdade nas competições universitárias, anuncia o sentimento de ser Cásper nas festas e eventos esportivos, como o JUCA (Jogos Universitários de Comunicação e Artes).
Durante os últimos 75 anos, construiu-se um sentimento único de orgulho e pertencimento no âmago daqueles que um dia se sentaram no escadão – e até mesmo naqueles que não foram alunos. É o caso da coordenadora Helena: “É um orgulho muito grande ter a Cásper na minha história. Eu não estudei aqui, mas são tantos anos que a minha história de vida pessoal e profissional se confundem. Eu tenho muito orgulho da história casperiana, principalmente, por fazer essa abordagem do jornalismo, como uma prática de defesa da democracia, dos Direitos Humanos e da Igualdade”.
Embora não tenha deixado filhos ou herdeiros, Cásper Líbero formou uma comunidade ímpar que, desde 1947, reforça:
Uma vez Cásper, sempre Cásper!