Com o lema “Pelo direito ao vento nos cabelos”, projeto social leva moradores de lares de repouso para passeios de bicicleta - Revista Esquinas

Com o lema “Pelo direito ao vento nos cabelos”, projeto social leva moradores de lares de repouso para passeios de bicicleta

Por Malu Bolanho : julho 29, 2021

O Pedalando Sem Idade, iniciativa presente em 51 países, tem objetivo de realizar passeios ao ar livre para aqueles que não têm mais essa oportunidade

Reportagem dedicada à Dona Ignez, que faleceu em fevereiro de 2021.

“A felicidade que se tem ao propiciar felicidade para o outro não tem dinheiro que pague. É muito gratificante”. É assim que o especialista de sistemas Aldo Nakamura, 53 anos, define a realização de trabalhos voluntários, mais especificamente, do projeto que ele trouxe ao Brasil: o Pedalando Sem Idade.

Aldo conheceu a iniciativa dinamarquesa Cycling Without Age (CWA) por meio do Ted Talk de seu criador, Ole Kassow. Na palestra, ele afirma que a bicicleta é o meio mais feliz de transporte e que ela deve ser acessível a todas as pessoas, independente de condições físicas ou idade. Por isso, a iniciativa conta com o lema “Pelo direito ao vento nos cabelos”. Foi assim que o projeto nasceu, quando Kassow resolveu alugar um triciclo e oferecer um passeio a uma casa de repouso. Desde então, ele só cresceu, primeiro para cidades vizinhas, depois para outras regiões da Dinamarca, e, atualmente, pode ser encontrado em 51 países ao redor do globo.

No Brasil, Aldo já realizava alguns trabalhos voluntários e, em junho de 2015, entrou em contato com Kassow para iniciar o projeto no País. Por meio de ligações e trocas de e-mail, a licença do CWA foi concedida para o Brasil. Para Aldo, era uma iniciativa que unia duas atividades que já praticava e gostava muito: o voluntariado e o ciclismo.

Entretanto, o preço da bicicleta foi um problema, já que ele estava trabalhando sozinho. “A bicicleta custa a partir de 6 mil euros, e aí fica mais ou menos 25, 30 mil reais ou até mais. Para uma bicicleta, é muito caro’’, explica. Além disso, existem os custos de exportação, como transporte e impostos. Aldo tentou fazer vaquinhas online, porém nenhuma arrecadou o dinheiro necessário para trazer o veículo e iniciar o projeto de fato.

Foi então que, em 2016, Ole Kassow enviou uma mensagem ao brasileiro dizendo que uma entidade dinamarquesa prepararia uma exposição de bicicletas durante as Olimpíadas de 2016, sediadas no Rio de Janeiro, e que um triciclo da CWA faria parte da exibição. Parte das bicicletas foram doadas para a prefeitura da cidade e o triciclo usado no projeto voluntário foi entregue para que Aldo pudesse iniciar de fato o Pedalando Sem Idade Brasil.

pedalando sem idade

Modelo de bicicleta do Cycling Without Age é um triciclo que permite levar os idosos
Acervo Pessoal

Pedalando Sem Idade Brasil

Com a bicicleta em mãos, o ciclista foi de porta em porta de lares residenciais apresentar o projeto. O Residencial Felita foi a primeira casa a confiar em Aldo e aceitar participar do Pedalando Sem Idade. Aos poucos, cada vez mais idosos começaram a aceitar os passeios e é relatado como sempre voltavam mais comunicativos e com novidades para contar.

“A dona Ignez sempre falava que ficar dentro de casa é um atraso de vida”, lembra Aldo. A senhora, que faleceu em fevereiro deste ano, foi uma das primeiras a confiar no projeto e subir no triciclo. Segundo o organizador, seus familiares são muito gratos ao PSI por ter propiciado essa melhora de vida em seus últimos anos. Ela foi a primeira passageira de Tiago Oliveira de Andrade, 42 anos, empresário e triatleta que conheceu a iniciativa por meio de um evento.

“Consegui encontrar meu propósito dentro daquilo que eu gosto, o esporte”, diz, ao descrever sua relação com o trabalho voluntário. Desde sempre, esteve muito envolvido com atividades físicas e, aos 34 anos, começou a praticar triatlo. Ele afirma que o Pedalar Sem Idade faz melhor para ele do que para os senhores que participam: “Você acaba mudando o mundo, de certa forma, porque o mundo daquela pessoa muda.”

pedalando sem idade

Tiago Oliveira de Andrade em passeio com Dona Ignez e Dona Florisbela
Acervo Pessoal

O Pedalando Sem Idade foi interrompido na pandemia e o voluntário diz que, durante o isolamento social, foi possível se colocar no lugar das pessoas que moram em casas de repouso. Ele e Aldo relatam sentir muita falta de realizar os passeios e do contato com as pessoas envolvidas no projeto. Para Tiago, “ajudar as pessoas é uma troca muito honesta, algo mágico.”

Em outros cantos do mundo

Com uma leve alteração no nome, o Pedalar Sem Idade se faz presente em Portugal. Apesar da mudança do tempo verbal, o desejo de melhorar a qualidade de vida de moradores de casas de repouso é o mesmo. “Queria trazer um impacto social, algo que fosse duradouro na vida das pessoas”, diz Sílvia Freitas, 42 anos, que levou o projeto ao seu país após ouvir Ole Kassow palestrando em uma conferência.

Em Porto, o projeto dinamarquês teve início em novembro de 2018 e, no final de 2019, já havia levado mais de 400 pessoas para passear. O Pedalar Sem Idade Portugal conta com ajuda governamental, porém a coordenadora afirma que ela precisa ser cobrada. Com a pandemia do covid-19, os voluntários realizavam as compras de supermercados para os idosos e, com idas e voltas, dependendo do isolamento social, o projeto continua, com adaptações para garantir a segurança de todos.

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“Foi uma forma da gente criar um vínculo, nós que estamos longe da família principalmente. Eles acolhem como se fossemos familiares mesmo’’, afirma Daniel Aleixo, brasileiro de 44 anos que se mudou para Portugal em 2020 e, desde então, participa do trabalho voluntário. Ele afirma que o que fazem não se resume apenas a um passeio, é sobre poder conhecer a história da cidade pelos olhos de moradores que vivem lá há muitos anos.

“Eles gostam muito de contar suas histórias, conversar, parece que são mais felizes após os encontros.”

Essa felicidade não é apenas uma observação de Daniel: Sílvia relata que parte dos médicos da cidade fazem indicação dos passeios em casos de depressão leve e como uma alternativa aos medicamentos psiquiátricos. Segundo ela, isso já era visível antes do isolamento social, mas, com a pandemia, a saúde mental foi muito afetada e o Pedalar Sem Idade ajuda na melhora desse quadro.

Para Sílvia, nós podemos aprender com os idosos: “As pessoas mais velhas são muito mais contemplativas do que nós. Eles sabem como focar em apenas um estímulo”. Ela afirma que não é hábito das gerações mais novas estar presente no momento, por isso a convivência com essas pessoas a ajudou a pensar menos no depois e voltar sua atenção ao que está acontecendo no agora.

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