Jornalistas esportivos discutem motivos da escassez de “camisas 10” no futebol brasileiro e possíveis soluções
O número 10 pode ser descrito como um numeral de impacto na matemática. Frequentemente usado como exemplo em cálculos, seja dos mais simples aos mais complexos, sua simplicidade e perfeição é até hoje explorada para descrever situações em seu ápice de qualidade.
No futebol, contudo, o número 10 não era privilegiado até o surgimento de um rei que imortalizou o significado e o peso que carregaria. A partir dali, infeliz o jogador, da pelada de fim de semana até uma final de Copa do Mundo, que ousasse vestir o numeral em suas costas e não representar sua simbologia.
O destino quis que esse rei fosse brasileiro, levantando seu reinado a partir de sua capacidade incomparável de jogar esse esporte. Desde então, o mesmo solo produziu outros inúmeros talentos que honraram esse número.
Mesmo sendo vestido por diferentes jogadores, com características distintas entre si, todos tinham em comum o costume de atuar e fazer a diferença em uma faixa mais central do campo (fosse mais adiantado ou recuado), sendo responsável por grande parte das ações ofensivas de um time.
A ideia de “um camisa 10” se perpetua até os dias atuais, que traz uma angústia para todo torcedor brasileiro que assiste um jogo de sua seleção, notando não haver mais “aquele camisa 10”, o craque absoluto capaz de construir jogadas com maestria e enxergar algo que ninguém mais conseguia notar.
O questionamento então se torna natural: Por que o Brasil não está mais produzindo “camisas 10”?
Para Fábio Piperno, jornalista da Jovem Pan, as razões passam pela forma que os técnicos brasileiros enxergam o futebol atualmente:
“ A qualidade dos técnicos brasileiros desaba, então isso impacta na formação desses jogadores criativos”
O jornalista explica que, a partir dos anos 2000, o que impacta na formação dos grandes craques, vem em grande parte da qualidade de técnicos brasileiros. Além disso, ele exalta que é muito mais complexo formar pensadores em campo do que simplesmente “cara de correria”.
Com outra visão, Ubiratan Leal, comentarista esportivo da ESPN Brasil, acredita que a escassez de jogadores dessa função está mais ligada “à geração e sua falta de camisas 10” do que a questões de formação.
“Grande parte desse motivo é algo geracional, talvez uma coincidência […] não acho que se precisa fazer um grande alarde em cima disso, porque daqui a pouco começa a aparecer de novo”
De acordo com o jornalista dos canais Disney, existe sim “um certo tipo de falha nas categorias de base”, que acredita ser uma pressa em vender seus jogadores, o que faz com que não sejam tão bem trabalhados para se tornarem um “camisa 10”.
Preferindo formar volantes ou pontas “porque é mais fácil de vender rápido…”, mas que não explica totalmente as razões por essa falta do “craque camisa 10”.
Se olhamos para o futebol praticado no Brasil e perguntamos sobre a existência de um brasileiro que assuma o papel de um camisa 10, a primeira resposta de muitas pessoas pode ser lembrar de Paulo Henrique Ganso, meia de 35 anos e que atualmente defende as cores do Fluminense.
Para Ubiratan, porém, o próprio jogador citado já não corresponde a um modelo encontrado no resto do mundo.
“A gente se prende a um camisa 10 que no mundo não existe mais, se prende a um camisa 10 clássico, pensa muito no Ganso, mas esse estilo não existe mais no futebol, um cara mais lento […] o próprio De Bruyne já é mais dinâmica, Bruno Fernandes… são caras com uma função um pouco diferente do que era antes”, explica o comentarista.
Nesse sentido, Piperno compartilha da mesma visão de Ubiratan, afirmando que seria melhor “formar um moleque que tivesse capacidade”, mas acrescentado a um “vigor e mobilidade” maior, do que esperar que Ganso fosse a solução da seleção brasileira.
Outro jogador citado, Neymar, foi visto por ambos como uma alternativa para o contexto que o time do Brasil se encontra. Para Ubiratan, o jogador fez essa transição por causa de sua “enorme técnica” e considera ele um exemplo de “camisa 10 do mais alto nível”.
Contudo, Piperno pondera:
“O cara é genial, mas às vezes segura demais a bola […] o que é um problema pra ele, que sofreu muitas contusões justamente ali no meio de campo, ele carregava demais a bola, o cara ia e dava uma pancada nele”.
Ubiritan ainda acrescentou afirmando que essas lesões, ocorridas em situações que Neymar prendia demais a bola, o tirou de momentos decisivos da temporada pelo seu clube, sendo um risco que a seleção corre, “caso não reeduque ele nesse sentido”, concluindo ao explicar que “se não fosse isso, ele seria o cara perfeito, um meio campista extraordinário”.
Como exemplo de lance positivo de Neymar nesta função, Piperno relembrou do gol do craque brasileiro contra a Croácia, na Copa do Mundo de 2022:
“Quando ele entendeu o que um camisa 10 tinha que fazer, ele fez o que fez.”
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Que o Brasil não está em sua melhor geração de camisas 10 de nível mundial, é algo que pouco se discute, mas a solução para que isso possa mudar, passa por situações distintas, de acordo com cada comentarista.
Segundo Ubiratan, existe muita emoção em torno dessa escassez, explicando que já ouviu em outros tempos que o Brasil também não formava outras posições.
“Me lembro que nos anos 90 e 2000 se falava que não existia mais pontas no Brasil, enquanto tinha uma super geração de laterais, e hoje essa lógica se inverteu, pois temos muitos pontas e poucos laterais, então acho que os camisas 10 ainda vão voltar, é mais uma questão de geração”.
Ele pondera que é preciso sim dar mais atenção a essa posição nas categorias de base, mas afirma categoricamente que “daqui a pouco voltará a aparecer de novo”.
Para Piperno, por sua vez, a escassez na posição não mudará tão cedo até que os técnicos brasileiros não tenham “preguiça mental para pensar” e parar de “viver de bola longa”, explicando que as categorias de base não formarão novos camisas 10, enquanto o futebol praticado no país não privilegiar o espaço de jogadores para essa posição.
“Tem que preservar o controle intelectual do jogo. Ou seja, eu vou pensar, eu vou inspirar o resto do time. Então, aqui no Brasil, se adotou a solução teoricamente mais fácil, que dá menos trabalho, enquanto não mudar isso, não vai pra frente nesse sentido”.