Comentarista dos canais Disney apresenta panorama atual do esporte e propõe mudanças para o futuro frente ao fracasso da Superliga Europeia
“Não é esporte quando a relação entre o esforço e a recompensa não existe. Não é esporte quando o sucesso já está garantido. Não é esporte quando não há importância se você perder”, disse o treinador espanhol Pep Guardiola. O atual comandante do time inglês Manchester City fazia crítica à criação de uma competição paralela à UEFA Champions League: a Superliga Europeia.
Após o anúncio do torneio, organizado por 12 grandes clubes europeus, o mundo do futebol sofreu um abalo sísmico e torcedores, jornalistas, jogadores e até comissões técnicas irromperam em protestos. Isso porque o mérito esportivo foi descartado: os 12 fundadores teriam vagas fixas e permanentes, apenas por causa de seus poderes aquisitivos e do dinheiro movimentado por eles em direitos de imagem e audiência televisiva. Depois de sofrerem pressões, seis clubes ingleses – o big six – que integravam a competição anunciaram sua saída da Superliga Europeia e a ideia caiu por terra.
Para o jornalista esportivo e comentarista dos canais Disney, Celso Unzelte, a execução do projeto foi errada. “Essa proposta da Superliga já nasceu antipática, elitista, sem a aprovação de quem gosta do tal do futebol. Até quem defende o dinheiro no futebol, inteligentemente, tinha que pensar que esse não é o melhor caminho, porque não é um caminho simpático”, afirma.
“O erro está justamente nessa de ‘jogar só entre nós’ [clubes ricos]. Nem só de grandes jogos se faz o futebol, têm outros elementos. Eu acho que ela foi politicamente incorreta ao ir contra como todas as pessoas enxergam o esporte”.
Superliga: execução errada, solução necessária
Unzelte, no entanto, não discorda da essência do projeto, isto é, a independência dos clubes em relação às federações e confederações. Ou, como ele gosta de chamá-las: os grandes cartórios do futebol. “Está havendo um descompasso de interesses, principalmente entre grandes clubes europeus e essa estrutura. É natural que, neste momento, por pura questão econômica, esses times queiram ganhar mais do que as próprias federações e confederações”.
Como solução, o comentarista propõe a organização de ligas, ou seja, competições criadas somente pelos participantes do próprio torneio, sem interferência ou intermediação de instituições externas. Em seguida, faz alusão ao modelo norte-americano de competição: “Clubes decidem seus destinos como as franquias americanas, e lá as coisas andam muito bem. Eu pegaria o modelo americano sem abrir mão do elemento do acesso e rebaixamento”.
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Superliga brasileira
Em 1987, no Brasil, formou-se o Clube dos 13 – que, para Unzelte, foi o mais próximo que chegamos de uma liga. Englobava 116 times, mas, de início, apenas treze administravam o torneio, como diz o nome. O Clube também tinha sua dose de elitismo. O grande impedimento para o sucesso do grupo foi a falta de interesses em comum. Um dos exemplos disso é a célebre frase proferida pelo ex-presidente do Corinthians, Vicente Matheus: “O que é bom para o São Paulo não pode ser bom para o Corinthians”.
A citação de Matheus simboliza a mentalidade egoísta dos clubes brasileiros, que os impede de ver a necessidade de se desvencilhar das federações regentes do futebol nacional, como a CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Em um paralelo com a Europa, Unzelte diz que “a UEFA (União das Associações Europeias de Futebol) fica com uma parte muito maior do bolo porque organiza as competições. Ela não tem jogador e não paga salário do Lionel Messi e nem do Cristiano Ronaldo. Por que os clubes não podem organizar suas próprias competições?”
O que move o futebol hoje é, “basicamente, o que rege a maioria das atividades, o dinheiro”. Logo, a criação de ligas também é principalmente motivada por ele. “Não é pecado querer ganhar dinheiro e fazer algo melhor”, acrescenta o jornalista. Para ele, a grande questão acerca da ruína da Superliga Europeia foi a ganância. “Eu não sou contra a entrada do capital no futebol, eu só acho que tem que dosar as coisas. Se não o futebol passa pelos dilemas do capitalismo, do mercantilismo, de tudo o que envolve o dinheiro”, opina. “Como Caetano Veloso muito bem definiu em ‘Sampa’: ‘a força da grana que ergue e destrói coisas belas’ – o futebol é uma dessas coisas belas”.
Elitização do futebol
O futebol está em um limbo: Florentino Pérez, presidente do Real Madrid e do comitê de organização da Superliga Europeia, afirmou que 40% dos jovens com entre 16 e 24 anos não possuem mais interesse em futebol. Dado que Unzelte atribui à romantização do esporte como ferramenta de ascensão social. “Durante muitos anos, houve uma acomodação ao se enxergar o futebol com um potencial além do que ele poderia entregar. Agora eu acho que está passando do ponto, a coisa está elitizada demais em todos os sentidos”.
“Quando a gente percebe o quanto de dinheiro é necessário para acompanhar, você descobre que o futebol deixou de ser a diversão do povo – principalmente no Brasil – há muito tempo”, argumenta o comentarista. Criar uma competição mais elitista ainda não traz qualquer benefício ao futuro da modalidade: “O futebol é um esporte que já atrai as pessoas, mas não sei se vai continuar atraindo. Se seguir sendo maltratado desse jeito, talvez chegue um dia que não atraia mesmo”.
Unzelte conclui: “Não adianta, também, descartar o mérito esportivo. Já que você quer vender, então que venda um produto com credibilidade, e eu acho que fere a credibilidade não ter o mérito esportivo, se autodenominar um dos maiores”.
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