Data simbólica contará com manifestações pró e contra o presidente, mas especialistas concordam que não há clima para golpe
7 de setembro de 1822: Dom Pedro proferia o histórico brado retumbante – “Independência ou morte”.
Vésperas de 7 de setembro de 2021: Jair Messias Bolsonaro ameaça a democracia – “Prisão, morte ou vitória”.
Quase 200 anos após a Independência política do Brasil, o País passa por um cenário de extrema instabilidade política. Depois da operação militar com desfile de tanques em frente ao Palácio do Planalto, com a presença do presidente, no início de agosto, Jair Bolsonaro, acuado, luta para se manter no poder, convocando atos em seu apoio na simbólica data do dia 7.
Mas há espaço para uma real preocupação com um golpe na próxima terça-feira? Para o cientista político André César, da Hold Assessoria, a resposta é um convicto “não”. “Se tiver golpe, o mundo rompe com o Brasil”, afirma.
“O Bolsonaro acabou, talvez não seja candidato ano que vem, e ele sabe disso. Tudo isso é em função de ele não ser candidato”, acrescenta.
Dorgival Henrique, do Instituto Piracicabano de Estudos e Defesa da Democracia (Ipedd), concorda com essa afirmação. Segundo Henrique, Bolsonaro não conta com o apoio necessário para um golpe de Estado, uma vez que não está plenamente alinhado com as Forças Armadas.
Uma pesquisa publicada em 1º de setembro pela Quaest Consultoria e Pesquisa com o banco Genial Investimentos mostrou que apenas 7% dos entrevistados pretendem ir às ruas em apoio a Bolsonaro, colocando em xeque a tentativa do presidente de mobilizar toda uma nação. 51% dos entrevistados nem sequer sabiam que havia uma manifestação marcada para o feriado, contra 41% que sabiam.
Verás que um filho teu não foge à luta
Mesmo reconhecendo a baixa probabilidade de um golpe, o Ipedd elaborou um manifesto em que convida a população para a “resistência a favor da democracia”. Henrique afirma: “O retrocesso não interessa a ninguém”. “A democracia é espaço fundamental de constante criação de direitos, é dar voz a quem não tem”.
Ari Alberti, membro do Grito dos Excluídos, também exalta a importância dos regimes democráticos, e ressalta a necessidade de a população ir às ruas. “Para mudar, a pressão deve ser feita de baixo para cima. Por isso, queremos convocar o povo a deixar de ser plateia. Venha para jogar, para podermos mudar o placar”, diz.
Para Alberti, é fundamental que a população assuma o protagonismo, em vez de esperar que a solução dos problemas do País parta de um indivíduo salvador. “Temos muitos problemas sérios para resolver, como as questões do meio ambiente e da água”, lembra, no contexto da grave crise hídrica que o Brasil enfrenta.
Ele explica que o manifesto do Grito dos Excluídos independe de quem ocupa a cadeira presidencial. O movimento, surgido em 7 de setembro de 1995, tradicionalmente se manifesta nessa data, com o objetivo de “construir uma sociedade nacional de forma descentralizada”.
De acordo com o site do movimento, “mais do que uma articulação, o Grito é um processo, é uma manifestação popular carregada de simbolismo, que integra pessoas, grupos, entidades, igrejas e movimentos sociais comprometidos com as causas dos excluídos. […] A proposta não só questiona os padrões de independência do povo brasileiro, mas ajuda na reflexão para um Brasil que se quer cada vez melhor e mais justo para todos os cidadãos e cidadãs”.
Segundo Alberti, o lema deste ano (“Na luta por participação popular, saúde, comida, moradia, trabalho e renda, já!”) foi definido em fevereiro, como de costume, e desde então o movimento vem se organizando para o feriado da Independência. “Eles [os apoiadores do governo] é que estão convocando de última hora essa manifestação”, diz.
Alberti ainda lembra que os protestos deverão seguir os protocolos de higiene contra a covid-19, como distanciamento, uso adequado de máscaras e álcool em gel, e que a violência não é incentivada.
ESQUINAS contatou membros de manifestações favoráveis ao governo, como Clube Militar do Rio de Janeiro, Movimento Limpa Brasil e União Brasil Conservador, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.
Veja mais em ESQUINAS
Com discurso de Lula, “Bolsonaro recebe golpe e passa recibo”, diz professor da Cásper
O Império que se faz presente mesmo após a independência
“Temos algo concreto agora”, diz pesquisadora sobre relação entre bolsonarismo e neonazismo
Em teu seio, ó liberdade
“Liberdade” é uma das reivindicações dos grupos bolsonaristas. O próprio presidente tem convocado a população às ruas “em defesa da liberdade”. No entanto, para Alberti, “a forma com que a turma do Bolsonaro trata a liberdade não é como nós [opositores] tratamos. Não é para ameaçar, bater, ser truculento. Isso não vai nos levar a nada”.
Ele ainda acrescenta que a intenção do Grito dos Excluídos é conseguir liberdade de um “sistema que promove riqueza e exclusão”, e questiona: “Eles [bolsonaristas] querem liberdade de quê? Para quê? Eles falam em direito de ir e vir. Ninguém está questionando esse direito. Não é essa a questão. Liberdade é você se manifestar, discutir, ouvir o contraditório”.
As ruas serão ocupadas por ambos os lados, apoiadores e opositores do governo, escancarando a extrema polarização do País. Para o membro do Grito dos Excluídos, o direito à manifestação é o epíteto da democracia. “Uma democracia sadia permite que quem pensa diferente se manifeste. O problema é você querer ter o direito de ir pra rua e não querer que o outro se manifeste. Isso não é democracia. A democracia tem que saber conviver com o diferente”.
Desafia o nosso peito a própria morte
Ainda sobre haver manifestações de ambos os lados, André César afirma ter medo de um cadáver. “Falta um cadáver, uma pessoa morrer, para virar uma grande guerra”, diz. “Aí a coisa pode desandar. Aí é tiro para todo lado. As PMs são outra questão muito importante, porque aparentemente são bolsonaristas”.
O cientista político ainda considera que, se um eventual óbito ocorrer no lado bolsonarista, pode se tornar uma deixa para o uso do discurso de que a esquerda representa a “balbúrdia”.
Ó pátria amada, idolatrada, salve! Salve!
Seria o 7 de setembro de 2021 a versão brasileira do 6 de janeiro, quando houve a invasão do Capitólio dos Estados Unidos, convocada por Donald Trump? De acordo com o cientista político, é praticamente impossível esperar um atentado semelhante ao do Capitólio no início deste ano. “Seria uma versão tosca total. [O grupo bolsonarista] é fraco, pequeno, sem projeto. O que estamos vivendo hoje leva a crer que não dá para esperar isso”.
Ainda assim, no último dia 3, Bolsonaro afirmou que as manifestações no feriado da independência seriam um “ultimato” aos ministros do Supremo Tribunal Federal. O presidente confirmou sua presença nos atos realizados na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e na Avenida Paulista, em São Paulo.