Vitória de Lula (PT) foi celebrada por uma multidão na avenida Paulista; minuto a minuto, confira os depoimentos de quem esteve na festa
Cinco da tarde, 30 de outubro de 2022. Subindo a Alameda Ribeirão Preto, a caminho do MASP, já se escutava a palavra de ordem que viria a acompanhar toda a noite subsequente: “Fora, Bolsonaro”. No vão livre do museu, ocorreria o encontro de eleitores de Lula para acompanhar a apuração dos votos do segundo turno.
Bárbara Constantino, 39, diz que “estava bem receosa, mas decidi vir para cá [Avenida Paulista] para sentir o espírito, dar um pouco mais de fé e esperança. O medo não passou totalmente, somente quando fechar a urna ou no primeiro de janeiro”.
Pouco tempo depois, a Polícia Militar avisou aos grupos que chegavam que a avenida Paulista seria dividida entre os apoiadores de Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL), um grupo em cada extremo da Avenida.
O clima era de torcida. Rostos sorridentes e gritos a favor do petista marcaram o clima dos que estavam em frente ao MASP. Apoiadores de Lula se reuniam em bares da região, comiam churrasco e entoavam o canto de músicas da campanha, assim como jingles de oposição ao atual presidente. Em operação de resgate a um símbolo sequestrado pelo bolsonarismo, manifestantes empunhavam a bandeira nacional e vestiam camisetas verde e amarelo. Felipe, 23, que andava com o manto brasileiro esvoaçando nas costas, afirma: “A bandeira é nossa, é do Brasil, não é do partido. A bandeira é nossa, é Lula”.
A vontade de vivenciar a história foi determinante para que milhares de pessoas estivessem presentes na região do MASP. Foi o caso de Marlon, de 28 anos, que relata: “eu estou com o dedo quebrado, literalmente, estou com uma bota para ninguém pisar, vim mancando para assistir esse momento. Estou realizando um sonho”. O eleitor de Lula completa revelando um receio presente em muitos apoiadores no local: “eu tenho esperança e eu sei que o Lula vai ganhar, mas eu tenho medo desse cara que está no governo não aceitar, o meu medo é ele não querer sair do governo”.
Porém, os eleitores de Lula não bradaram apenas gritos de felicidade. Em breve momento, enquanto a Cavalaria da PM passava, foram registrados gritos contra a Polícia Militar e provocações mais incendiárias – “Matar preto é fácil, quero ver prender a Zambelli”.
QG do candidato
Ao mesmo tempo, a poucos metros de distância, o clima era parecido com o da Avenida Paulista. O Hotel Intercontinental, localizado no número 1123 da Alameda Santos, foi escalado para sediar o evento do pronunciamento do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, marcado para às 20:30.
A partir das cinco da tarde, a apuração da contagem dos votos já era acompanhada por uma televisão disposta na recepção no hotel para a imprensa e para os convidados que atenderam ao evento. Outras salas do hotel estavam sinalizadas como reservados para “convidados nacionais” e “convidados internacionais”, vindos principalmente de países como Espanha, México, França, Argentina e Chile.
Conforme a apuração avançava, cada vez mais apoiadores de Lula apareciam ao redor do hotel. A imprensa, que já estava concentrada no local, realizava transmissões nacionais e internacionais.
Imprensa e hostilidade Lula
Anselmo Caparica, repórter da Globo, cobria o evento da frente do hotel e relata sua experiência no que foi, segundo o jornalista, uma das eleições mais tensas e polarizadas da história. “Cobrindo nas ruas, um clima infelizmente de muita agressividade, em que as pessoas não entendem muito bem qual o nosso papel. Colegas meus infelizmente sofreram agressões, assim como eu sofri”. A equipe de ESQUINAS foi alvo de provocações como “a imprensa não vale nada” enquanto se dirigia até o local do pronunciamento.
Daniel Catalão, jornalista português, depôs à nossa equipe sobre o que sentiu ao longo da experiência eleitoral no Brasil: “o clima foi muito tenso, um país dividido no meio e as duas campanhas com muita tensão lado a lado”.
Catalão notou também que “os apoiantes de Lula” traziam “mais alegria e jovialidade” do que o lado bolsonarista, mas fez questão de deixar claro que o clima nessas eleições, de qualquer um dos lados na disputa, não era algo amistoso: “estas eleições são definidas por uma palavra: ódio. Essa para mim é a palavra chave, porque é ódio de um lado sobre o outro e vice-versa”.
Por fim, Daniel completa deixando claro que não teve medo de estar no Brasil no momento da eleição, mas alerta que existiram perigos, inclusive ele mesmo já foi vítima de uma tentativa de assalto transmitida ao vivo por sua emissora. “Trabalhar no Brasil é um grande desafio, mas o retorno é muito bom”, completa.
A virada e a vitóriaLula
A expectativa dos eleitores em frente ao hotel crescia na medida da porcentagem de urnas apuradas. Às 18:44, com aproximadamente 66% das urnas já apuradas, a crescente porcentagem de votos de Lula superou a de Bolsonaro, trazendo o primeiro momento de liderança do candidato petista desde o começo da contagem. Damario Lopes, 45, deixou escapar uma confissão de ex-apoiador de Bolsonaro na multidão em êxtase da Paulista. “Estou feliz em derrotar o cara que eu coloquei lá, estou arrependido”, comemora com antecedência a possível vitória de Lula na hora da virada.
A sensação de vitória que se aproximava aumentou a ansiedade e o otimismo dos apoiadores do candidato. Quando perguntados sobre o clima, os eleitores Valdete, 63, e Wilson, 65, deixam transbordar confiança: “está ótimo, a apuração está apertada mas o Lula está quase com 50%. Depois que chegar nos 50% é só alegria, porque vai só subir, subir, subir”.
Em relação ao nervosismo, Wilson se revelou “tenso, porém com otimismo”. Por fim, quando questionados sobre o receio com a violência, os dois se mostraram despreocupados: “não somos da violência então estamos bem tranquilos”.
Na recepção do hotel as reações foram contidas, limitando-se a palmas e comentários diretos sobre a virada. Já na frente do prédio, a comemoração era digna de gol na final da Copa do Mundo. Os petistas, que se concentravam cada vez mais, aumentaram mais ainda o tom de seus gritos de apoio, criando uma atmosfera de muita comoção. Alexi Giovanni, 45, que veio da Alemanha votar em Lula no seu país de origem, diz estar feliz por ter visto o candidato ao vivo. “Nunca vi um semblante tão verdadeiro, o homem é surreal”, afirma com euforia.
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Hora da euforia
Dentro da sala da imprensa, a expectativa crescia, e todos os repórteres esperavam a chegada do candidato ao hotel ao mesmo tempo em que acompanhavam a apuração dos votos. A comemoração foi intensa quando, perto do relógio bater oito horas da noite, Lula foi oficialmente eleito presidente da República.
Simultaneamente, na avenida mais famosa do país, a massa petista se concentrava na frente do prédio da CNN Brasil, momentos antes da oficialização da vitória de Lula na eleição presidencial, atentos em parciais que eram atualizados minuto a minuto.
Foi logo após o breaking news que a Avenida Paulista ouviu o grito que estava entalado na garganta dos petistas desde 2016. Um misto de alívio e esperança que se efetivou nas lágrimas de quem viveu aquele momento. Os apoiadores de Lula soltaram fogos de artifícios, acenderam sinalizadores e as ruas se transformaram em um verdadeiro mar vermelho.
O público entoava cânticos característicos da campanha, além do consagrado “Fora, Bolsonaro”. Após a euforia inicial da vitória, as pessoas perguntavam umas às outras sobre que horas o novo presidente do Brasil chegaria à Avenida Paulista e, assim, a ansiedade pela presença de Lula foi tomando conta do momento. Logo depois do anúncio da vitória, o recordista de votos em uma só eleição chegou ao Hotel Intercontinental, e, quebrando o protocolo, foi para os braços dos simpatizantes que ali o aguardavam.
Conforme combinado com o policiamento do local, a Avenida Paulista foi liberada aos apoiadores do vencedor. O clima que antes era de tensão e ansiedade agora era de felicidade e esperança.
Pronunciamento e a festa
Ovacionado por apoiadores, Luiz Inácio Lula da Silva chega na sala da imprensa e dá início a seu pronunciamento, marcado pelo discurso contra a polarização política, pela defesa da democracia e por promessas para seu futuro mandato.
Depois de tecer agradecimentos a Deus, ao povo brasileiro, aos seus aliados políticos e até mesmo aos que não confiaram-no seu voto, Lula tenta emplacar uma mensagem de esperança. “Eu me considero um cidadão que teve um processo de ressurreição na política brasileira, porque tentaram me enterrar vivo e eu estou aqui para governar esse país em uma situação muito difícil, mas eu tenho fé em Deus que, com a ajuda do povo, nós vamos encontrar uma saída para que esse país volte a viver democraticamente, harmonicamente, e a gente possa, inclusive, restabelecer a paz entre as famílias, entre os divergentes”, discorre o recém eleito presidente.
Lula continua seu discurso salientando que sua vitória, em uma das eleições mais importantes da história do país desde a redemocratização, não foi individual, mas sim de um movimento democrático desligado de ideologias. Ele também promete crescimento econômico, geração de empregos, valorização dos salários e renegociação das dívidas das famílias que perderam seu poder de compra. Promete, também, fortalecer as políticas de combate à violência contra as mulheres e garantir igualdade salarial, combater o racismo, o preconceito e a discriminação.
O candidato eleito condena a propagação de ódio e a polarização, e afirma que não interessa a ninguém viver em um país dividido em permanente estado de guerra. Ele clama por paz e união, e diz que “é hora de baixar as armas que jamais deveriam ter sido empunhadas”. Lula defende a Constituição, a autonomia e o diálogo entre os três poderes, ao mesmo tempo que promete reinserir o Brasil no cenário internacional com confiança e credibilidade.
Com relação ao meio ambiente, Lula promete lutar contra o desmatamento na Amazônia e combater toda e qualquer atividade ilegal, como garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida. Ele ressalta o compromisso com os povos indígenas, com os demais povos da floresta e com a biodiversidade, e defende a pacificação ambiental.
‘Nossa esperança’
Na reta final do discurso, Lula voltou a defender a paz, a solidariedade e a fraternidade. Cita a mensagem do Papa Francisco contra o ódio e a violência e retoma o discurso de amor contra o ódio na tentativa de despertar um sentimento de esperança e perspectiva para o futuro.
“A nossa luta não começa nem termina com a eleição. A nossa luta pela conquista de um país justo, um país em que todos os brasileiros possam comer, trabalhar, estudar, ter acesso à cultura e lazer, será uma luta até o fim de nossa vida. […] O Brasil é a minha causa, o povo é a minha causa, e combater a miséria é a razão pela qual eu vou viver até o fim da minha vida.”
Após Lula encerrar seu pronunciamento no Hotel Intercontinental, as festividades dos petistas tomaram toda a avenida Paulista. A festa chegou a contar com sinalizadores, rojões e buzinas de carros que passavam, ambientados pelo coro de “O sigilo acabou”. Importantes nomes da campanha do então candidato, como André Janones (Avante) e Simone Tebet (MDB), marcaram presença na celebração, ainda em frente ao MASP.
Aqueles que foram celebrar na Paulista sentiram um ar de alívio nas ruas. A alegria transbordava em lágrimas e gritos emocionados. Diego, 31, que estava à frente do prédio da CNN comemorando, diz, em meio a fogos de artifício, que o momento significa “um grito de felicidade que estava entalado desde 2016”. Para Ana Clara, estudante de psicologia na PUC-SP, “pareceu que ninguém mais estava sozinho”. Segundo ela, o sentimento era de liberdade de dizer o que pensa sem sentir que corria riscos. Não tinha como estar triste”, conclui Ana.
Lula, em discurso na Paulista, disse que “o povo vai poder sorrir outra vez”. Na eleição mais disputada da história do Brasil, o candidato eleito garante que não é uma vitória dele, ou de Alckmin, mas sim “da democracia, da liberdade, é a vitória de reconquistar o direito de sorrir e de andar de cabeça erguida neste país.” Seus apoiadores confirmam esse sentimento. Regiane, 38, em meio às comemorações, afirma: “A gente que é da periferia, é preto, é mulher, a gente não teve chance no governo Bolsonaro”.
“O Lula é nossa esperança”, completa.