Filósofo, psicólogo e cientista político analisam o negacionismo no País e na crise sanitária
“O negacionismo faz parte de um conjunto maior de posturas adotadas por uma parcela da sociedade que comprou um projeto político ou segue cegamente líderes que representam esse projeto político”. A explicação é de Ezimar Bravin, graduado em ciências sociais, especialista em ética, filosofia e educação e mestrando em filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Ao recapitular episódios de negação da Ciência por grupos detentores de poder durante a História, como a destruição de livros e perseguição a intelectuais por governos autoritários no século XX, Bravin aponta uma reciclagem de estratégias. Segundo ele, ataques diretos à comunidade acadêmica e uso de opiniões pessoais com força de dados de especialistas são algumas das características presentes atualmente em governos de caráter conservador, e que já se repetiram em sociedades negacionistas no passado.
No caso do Brasil, de acordo com o mestre e doutor em ciência política, Vitor Marchetti, o negacionismo em relação à pandemia de covid-19 é difundido propositalmente por líderes do governo. Em sua leitura da situação do País, há uma tentativa de minimizar os impactos negativos da doença para preservar a popularidade do presidente. “O governo sabe que a base de sustentação popular depende de um bom desempenho da economia. Então, deliberadamente começa a fazer um esforço político e de comunicação para convencer as pessoas de que é só uma ‘gripezinha’”, explica Marchetti.
“Essa disseminação do que a gente está chamando de negacionismo no fundo é uma estratégia de comunicação. Ela preserva um interesse de governo, que tem como meta as condições para o presidente se manter no poder e se reeleger”, analisa o cientista político.
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Solo fértil para o negacionismo
Na visão de Marchetti, atitudes negacionistas durante a pandemia, como o boicote ao isolamento social e o uso de medicamentos sem eficácia comprovada, fazem parte da estratégia adotada por Jair Bolsonaro e seus aliados, antes mesmo da eleição de 2018. “Era o kit gay, eram as pautas identitárias, a questão do comunismo, o globalismo. Hoje, passou a ser a China, o Doria. A todo momento há essa tentativa de alimentar a polarização”.
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O embate direto travado pelo governo Bolsonaro contra a comunidade acadêmica também é posto, tanto por Bravin quanto por Marchetti, como um fator determinante para diminuir a capacidade da sociedade brasileira de lidar adequadamente com a pandemia. “É um discurso que se mobiliza em torno do anticientífico, colocando a Ciência e as universidades como inimigos que não têm condições de produzir orientações adequadas”, afirma o cientista político.
Psicologia do negacionismo
Para Francisco Maciel Silveira Filho, professor universitário, psicólogo e criador do canal no YouTube TOC’s do Chico, sobre saúde mental e comportamento, o negacionismo e seu modo de operar podem ser observados em diversos âmbitos da vida pessoal. Mas independente do contexto, seguirá uma lógica, que ele define como “o jogo de lançar luz sobre aquilo que você quer que apareça e desligar em relação ao que não quer que apareça”.
Em sua experiência como psicólogo, ele cita casamento, trabalho e financeiro como as principais áreas da vida em que se encontram exemplos de recusa da realidade. “Se eu mantenho as coisas como elas sempre foram, eu não tenho que ter trabalho, não tenho desgaste”, afirma. O negacionismo, segundo ele, é uma forma de autodefesa do indivíduo em situações difíceis.
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