Cidadãos franceses em São Paulo também participaram da eleição; confira depoimentos de quem votou por aqui
Neste sábado (23), a corrida ao Palácio do Eliseu tomou conta do Colégio Liceu Pasteur, em São Paulo. Das 8h às 19h, cidadãos franco-brasileiros e franceses que residem no Brasil tiveram seus votos computados para a disputa que consagrou Emmanuel Macron, atual presidente da França, para mais um mandato como chefe de estado.
Estimativas não oficiais divulgadas logo após o fechamento das urnas no domingo (24) apontam a reeleição do centrista com 57,3% dos votos, enquanto a candidata de direita radical, Marine Le Pen, perde com 42,7%. Os resultados definitivos só serão divulgados pelo Ministério do Interior da França no dia 27 de abril. A posse está prevista para o dia 13 de maio, no Palácio do Eliseu, em Paris, enquanto as eleições legislativas estão marcadas para ocorrer entre os dias 12 e 19 de junho deste ano.
Apesar da derrota, Le Pen conquistou o melhor resultado da extrema-direita na história da política francesa, com um aumento significativo de mais de oito pontos percentuais em relação ao último pleito, quando perdeu a disputa com Macron por uma margem muito maior – à época, a direitista marcou apenas 33% dos votos no segundo turno. Temas relacionados à gestão da pandemia, o controle da imigração e o futuro da economia francesa foram os principais temas de preocupação dos eleitores no Brasil.
Voto à distância
Ainda que o Palácio do Eliseu esteja a um oceano de distância do Brasil, a eleição presidencial contou com um posto de votação em São Paulo, no Colégio Internacional Liceu Pasteur. Por lá, eleitores franco-brasileiros e franceses puderam decidir sobre o sucessor na chefia de estado da França.
Mesmo com comparecimento tímido ao longo do dia, o cônsul-geral da França em São Paulo, Yves Teyssier d’Orfeuil, assegura que a participação do eleitorado foi três vezes maior do que há duas semanas, no primeiro turno. Essa modalidade de voto, realizado com o cidadão no exterior, é denominada voto por procuração.
Os eleitores franceses foram às urnas no domingo, 24. Diferentemente do Brasil, a França utiliza o voto por papel – todos os trâmites eleitorais, portanto, são mais burocráticos e morosos. Em razão disso – e também pela questão do fuso horário -, os cidadãos residentes no Brasil tiveram que votar com antecedência, no sábado. Como assinala d’Orfeuil, logo depois das 19:00, as urnas são abertas por uma equipe de cerca de quarenta pessoas, incluindo o cônsul.
A contagem das cédulas é verificada por 10 funcionários franceses e franco-brasileiros. Por volta das 23:00, o resultado é enviado ao Ministério das Relações Exteriores, em Paris. O órgão francês é responsável por receber as informações de voto de cidadãos franceses que moram no exterior e transmiti-las ao Ministério do Interior – um trabalho e tanto, considerando que a França possui unidades políticas, dentre comunas e territórios de ultramar, em todos os continentes do mundo.
abstenção em alta
O comparecimento em São Paulo segue a tendência observada na França Continental: estima-se que a taxa de abstenção do segundo turno deste ano seja a segunda maior da história do país. Os dados foram expostos em live no Instagram do jornal francês Le Monde Diplomatique. As pesquisas não-oficiais estimam 28% de abstenção, cerca de quatro pontos percentuais a mais do que o mesmo cenário (entre Le Pen e Macron) em 2017.
O índice só fica atrás da disputa de 1969 entre Alain Poher e George Pompidou, quando 31,1% do eleitorado se absteve. De acordo com o OECD Better Life Index, iniciativa que reúne dados sobre o progresso econômico e social de diversos países, a participação francesa nas últimas eleições, em 2012 e 2017, esteve acima da média global – 75% contra 69%. A abstenção ascendente desde então, nesse sentido, mostra-se preocupante.
Yves Teyssier d’Orfeuil considera que muitos fatores podem estar interferindo na diminuição do engajamento do eleitorado, com destaque para o desinteresse e descrença da população pela política, mas não apenas: “É possível que seja isso [o desinteresse pela política], ou talvez a situação da guerra na Ucrânia… Há outras dificuldades, porém, que podem explicar a quantidade de votos”, explica o cônsul.
Lawson-Hellu Dissirama, estudante de Direito Franco-Alemão em Sarre, sente falta de novidades na política francesa, a começar por novos atores nas eleições. “Em relação ao cenário político ao longo dos anos, podemos dizer que não houve mudanças. Os candidatos são sempre os mesmos”, afirma a estudante. Filha de mãe francesa e pai imigrante, Dissirama caracteriza sua escolha nas urnas como não ideal, tendo escolhido seu candidato meramente em razão das circunstâncias do segundo turno.
Apesar da forte coalizão de centro-esquerda para frear a ascensão da extrema-direita, Jean-Luc Mélenchon, fundador do partido e movimento populista França Insubmissa, não se pronunciou em relação à transferência de votos para o segundo turno. Mélenchon conquistou o terceiro lugar, com 21,9% dos votos, alcançando seu melhor resultado entre as três eleições que concorreu.
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Gestão e popularidade de Macron
No Colégio Liceu Pasteur, uma senhora que não quis ser identificada revelou o descontentamento com a administração atual: “Macron já mostrou o que fez. Não precisamos de mais”. Entre possíveis motivos da queda de popularidade do presidente francês, a economia e a gestão da pandemia de coronavírus são os pontos que mais afetam seu desempenho entre eleitores.
Segundo estudo do Observatório Francês de Conjecturas Econômicas (l’OFCE) publicado em março, o poder de compra por unidade de consumo aumentou 0,9% ao ano, chegando a um marco de cerca de 300 euros. Apesar disso, a França chegou a registrar 4,5% de inflação em março deste ano, acarretando em um aumento massivo no preço dos alimentos.
Entretanto, a política econômica do governo de Emmanuel Macron demonstrou-se efetiva. Em 2021, a economia francesa atingiu um crescimento de 7%, registrando a maior alta em 52 anos segundo o Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos (INSEE).
Lawson-Hellu Dissirama, por outro lado, reconhece os defeitos da gestão Macron, mas considera o candidato a opção “’menos pior”. “Durante a crise de covid-19, o déficit aumentou e há mais aposentados do que pessoas trabalhando, por exemplo. Há sempre Marine Le Pen, que se aproxima cada vez mais, e para mim é um problema. Não quero viver em um governo de extrema-dreita”, declara.
Sobre as políticas sociais do atual governo, Lawson-Hellu mostra-se satisfeita: “Eu, pessoalmente, gostei da política social de Macron. Ele reduziu o imposto habitacional para as classes médias e baixas”, explica. Dissirama refere-se a uma promessa da campanha de Macron em 2017. O projeto foi implementado de forma progressiva, eliminando 30% dos tributos em 2018, 65% em 2019 e o extinguindo por completo em 2020.
Das propostas inéditas do presidente, apresentadas ao longo da atual campanha, destacam-se a supressão do imposto audiovisual, a construção de seis reatores nucleares e o aumento da idade mínima para aposentadoria de 62 para 65 anos. São temas e políticas que pautarão o próximo mandato.
Propostas de Le Pen Macron
A candidata da direita radical francesa Marine Le Pen disputou pela terceira vez a eleição presidencial. Ela lidera desde 2011 o Rassemblement National, partido conservador francês fundado pelo pai, Jean-Marie Le Pen, em 1972.
O mais polêmico projeto de Le Pen, certamente, é a proibição do uso do véu por mulheres muçulmanas. O projeto seria implementado progressivamente para “combater o islamismo”, como dito por Louis Aliot, ex-conjuge de Marine e político francês.
A imigração na França também é debate entre os eleitores em São Paulo. Siréne, artista franco-brasileira de 60 anos, apoia a candidata e não acredita que os imigrantes desejem se “integrar” adequadamente à cultura francesa.
“Quando tínhamos os poloneses e os italianos, que vieram antes da guerra viver na França, não havia problema. O problema são os de hoje, que não querem se integrar”, discorre Siréne. Segundo ela, a política defendida por Le Pen é uma política de integração. “O chamado que a França deve fazer agora é que os imigrantes venham para contribuir e não se aproveitar do sistema”.
A candidata direitista também defendeu a privatização das empresas públicas de audiovisual e mídia, medida inédita no continente europeu. Apesar das alegações e planos de governo, Marine Le Pen é considerada moderada para a direita radical, que ganhou forma no discurso de polemistas como Eric Zemmour, candidato derrotado no primeiro turno com 7% dos votos.