Lei Paulo Gustavo sucede e complementa as Leis Aldir Blanc. Confira as principais mudanças e a importância do projeto para o setor cultural
No dia 24 de fevereiro, a proposta da Lei Paulo Gustavo foi aprovada na Câmara dos Deputados, por 411 votos a 27. O batismo do projeto, que visa o resgate do setor cultural e leva o nome do ator e comediante finado em 4 de maio de 2021, demonstra que Paulo será relembrado para bem além de seu legado artístico. Aldir Blanc, compositor carioca falecido exatamente 1 ano antes de Paulo, cunha um projeto semelhante.
As perdas de Aldir e Paulo são danos irreparáveis para o cenário cultural nacional. Os prejuízos do setor em meio ao período mais restritivo da pandemia, por sua vez, podem ser recuperados – não o farão, entretanto, sem o auxílio de políticas públicas como as leis que levam seus nomes. Muito além de homenagens nominais, os projetos representam conquistas inéditas para o ramo cultural brasileiro. A seguir, ESQUINAS apurou os principais pontos da legislação em debate, bem como as diferenças entre as Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, os mais recentes textos ligados ao subsídio da cultura nacional.
Prelúdio das restrições
O setor cultural foi um dos mais afetados pela pandemia, uma vez que eventos como shows, exposições e afins estiveram na vanguarda dos adiamentos e suspensões definitivas. Antes mesmo do período mais restritivo da calamidade da saúde, portanto, trabalhadores da área já estavam em condições de subsistência vulneráveis – questão que afeta, por consequência, todo o cenário de cultura do país.
Para ter uma ideia da dimensão desse impacto, uma pesquisa feita pela Unesco em 2020 mostrou que a área musical pode ter perdido mais de US$ 10 bilhões em patrocínio e apoio institucional. Já a indústria do cinema perdeu cerca de 10 milhões de postos de trabalho no mundo todo. No contexto nacional, vale ressaltar que, além dos efeitos estruturais apontados pelo relatório, os apuros do audiovisual são consequência também da falta de incentivos e políticas públicas voltadas a essas áreas ao longo dos anos. Nesse cenário, leis de subsídio se tornam mais essenciais do que nunca.
Diferencial da Lei Paulo Gustavo
Aprovada em 2020, a Lei Aldir Blanc (LAB) destinou 3 bilhões de reais, assegurados pelo Fundo Nacional de Cultura (FNC), para trabalhadores e estabelecimentos do setor cultural afetados pela conjuntura. A lei foi votada com caráter temporário e, na ocasião, com prazo estabelecido até 31 de dezembro de 2021. Com o fim da validade, foram criadas duas novas leis para dar seguimento ao auxílio à área da cultura. Essas novas leis são complementares e seguem os mesmos moldes da LAB, com pequenas diferenças entre si: enquanto a Lei Aldir Blanc 2 possui caráter permanente de fomento direto e descentralizado, a Lei Paulo Gustavo complementa o auxílio de caráter emergencial e temporário aos agentes do setor.
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Opinião pública dividida
De acordo com Maria Marighella, a Lei Aldir Blanc “foi a maior vitória do setor cultural em anos”. A aprovação dessa medida em meio a um cenário pandêmico e de um governo que depõe abertamente contra a cultura, na visão da vereadora, foi tanto um feito para o setor cultural quanto uma derrota para o governo Bolsonaro.
No entanto, é justamente por esse motivo que ela acredita que a reação contra as leis de auxílio à cultura, incluindo a Lei Paulo Gustavo, tenha sido tão forte. No último mês, vimos as hashtags #AprovaLeiPauloGustavo e #LeiPauloGustavoNAO crescerem rapidamente nas redes sociais, como o Twitter, demonstrando o envolvimento tanto de políticos quanto da sociedade civil no assunto.
Deputados como Carlos Jordy, do Partido Social Liberal (PSL), mostraram seu descontentamento com a tramitação da lei, afirmando que a morte do ator Paulo Gustavo foi usada como palanque político e que o projeto é uma “farra com o dinheiro público”.
O PLP 73/21, batizado de forma oportunista pela esquerda como Lei Paulo Gustavo, é uma manobra para que possam voltar a gastar o dinheiro público da maneira que quiserem, torrando os recursos da cultura sem que haja interferência do Governo Federal. pic.twitter.com/Pjo6gTlUFP
— Carlos Jordy (@carlosjordy) February 15, 2022
Já do outro lado, Benedita da Silva, deputada federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT), usou a plataforma para exprimir seu desejo de que a lei fosse aprovada, reafirmando a importância do texto para o setor e para o país.
Estamos na luta para aprovar a #LeiPauloGustavoSim. Esse orçamento é fundamental para a sobrevivência do setor cultural pic.twitter.com/9RSuM6Lmsq
— Benedita da Silva (@dasilvabenedita) February 24, 2022
Vitória da cultura
Em relação à aprovação na Câmara, algumas ressalvas são necessárias: foi removido o trecho que previa a obrigatoriedade de estimular a participação e o protagonismo de pessoas LGBTQIA+, além de uma emenda que propõe que a Secretaria Especial de Cultura deve definir as diretrizes para quais segmentos culturais devem ser considerados prioritários. Sendo assim, o projeto deve voltar para votação no Senado e, se aprovado, segue para a última etapa, de análise do Presidente da República.
Ainda assim, as “leis complementares iriam ser necessárias. A Lei Paulo Gustavo avança no entendimento de que a crise no campo da cultura não acabou.”, afirma Maria Marighella.
Em meio a um cenário de desmonte da cultura, leis de incentivo tornam-se fundamentais para o abastecimento das artes e de todos os profissionais dessa área, que envolve milhares de pessoas, artistas, figurinistas, cenógrafos, assistentes e muitos outros. A cultura é viva, pulsante e tem que continuar assim.