Doutor em Ciência Política analisa efetividade e segurança de cada modelo de voto e comenta recente polêmica eleitoral no Brasil
Urnas eletrônicas ou cédulas de papel? Voto presencial ou remoto? Obrigatório ou facultativo? Apesar de, no Brasil, estarmos acostumados com as primeiras opções, diversos sistemas e regras eleitorais são adotados ao redor do mundo. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, o método utilizado no País gera maior ganho qualitativo, confiabilidade e rapidez na apuração, enquanto as cédulas de papel, usadas até o ano 2000, apresentavam problemas de interpretação, erros de grafia e outras falhas.
Mas então por que cada nação adota um método de votação diferente? ESQUINAS conversou com Paulo Roberto Figueira Leal, 52, Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e doutor em Ciência Política, para entender como funcionam diferentes modelos ao redor do mundo.
Estônia – voto remoto e cartão inteligente
Na Estônia, o voto não é regulado pelo espaço físico. A população pode votar de casa, por meio de celulares e computadores, pois o governo emite um cartão inteligente que permite a participação remota. Mas, de acordo com Leal, esse sistema pode gerar problemáticas: por ser um voto fora da seção eleitoral, há risco de que possa haver alguma pressão externa sobre o eleitor, algo que é mais difícil de ocorrer quando os votantes são distribuídos por região.
Além dessa possibilidade de corrupção, existe a questão da escala territorial, já que a Estônia é um país muito pequeno, com menos de dois milhões de habitantes. Leal explica que lá o sistema é viável, mas que em países como o Brasil, de proporções continentais e população mais de duzentas vezes maior, seria impensável.
Índia – voto eletrônico e facultativo
A Índia, país com o maior número de eleitores do mundo, possui um sistema de voto facultativo e eletrônico. Para estimular a votação por toda a população, o próprio governo indiano leva fisicamente as urnas o mais perto possível de pessoas mais isoladas ou reclusas em comunidades remotas.
O professor afirma que existe uma logística na qual as urnas não podem ficar a mais de dois quilômetros de distância de quaisquer potenciais eleitores, mas que isso acaba culminando em grandes discrepâncias entre o número de votos por urna. Nas cidades, chegam a contabilizar até 1.400 votos, enquanto em zonas mais afastadas apenas um único.
Filipinas – voto impresso e leitor óptico
Já nas Filipinas, o método é diferente: utilizam o voto impresso, porém no momento da apuração são ministrados leitores ópticos para as cédulas. O processo aumentou consideravelmente a velocidade de atuação nas eleições, mas surgiram críticas sobre a dificuldade de proteger o eleitor de influência externa, como subornos ou divulgação. Para Leal, “onde há o voto impresso e seu manuseio, existe a possibilidade de que haja instrumentos de pressão para saber qual o voto, acarretando um risco em potencial para a sua inviolabilidade”.
Estados Unidos – voto impresso e autonomia dos estados
Nos Estados Unidos, cada estado tem autonomia para escolher seu sistema eleitoral. Pelo país, o voto impresso é maioria e, por isso, há demora na apuração e divulgação de resultados. Além disso, os estadunidenses também têm a possibilidade de preencherem suas cédulas de forma antecipada e enviá-las pelo correio, ao invés de comparecerem a um local de votação na data registrada.
Trata-se de um sistema eleitoral muito distinto, já que não há apenas uma eleição e sim 50 corridas eleitorais, uma para cada estado. Essa votação, na realidade, determina indiretamente membros de um colégio eleitoral, que então ratificam o nome do vencedor à presidência. “Isso nos ajuda a compreender porque, apesar de ser um dos países mais ricos do mundo, tem um grau de complexidade e demora muito maior do que o do Brasil. É uma herança da fundação do país, o que faz o sistema ser bastante distinto”, explica o especialista.
Argentina – voto impresso e eletrônico
Na Argentina, o sistema de “boletas”, as cédulas de papel, é muito comum, mas, na última década, as urnas eletrônicas têm ganhado cada vez mais espaço. Apesar de terem sido bem recebidas, houve algumas reivindicações a respeito do custo desse investimento.
Com isso, uma dúvida se instaurou pelo país: vale a pena arcar com maiores custos pelas urnas eletrônicas? Para o pesquisador, a resposta é sim: “Sistemas mais confiáveis geralmente demandam um grau de investimento maior que sistemas menos confiáveis. O apreço que se tem pela democracia como algo que merece ser revestido de investimentos públicos para que seja o mais fielmente capaz de retratar a distribuição de preferências da sociedade”.
Existe um método melhor ou mais seguro?
Alguns sistemas são produzidos por entidades públicas e outros por privadas, mas Leal explica que a implantação deles é feita exclusivamente pelo Estado. Para ele, a segurança não vai depender do fabricante, mas sim dos instrumentos de controle do governo que existem ou deixam de existir para garantir que o resultado de uma eleição seja fidedigno. O professor afirma que todo sistema eleitoral pode ter falhas, portanto, a sociedade precisa continuar discutindo métodos de aprimoramento.
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Leal também comenta que é errôneo as pessoas assumirem que em países mais desenvolvidos os sistemas são mais eficazes. “É até o contrário”, diz. “Países que têm uma longa história de voto talvez estejam aferrados ainda a práticas e procedimentos de uma era bastante distante no tempo, que em alguma medida ainda não acontece nos países que se redemocratizaram mais recentemente. Mudar hábitos de um século de uma democracia é mais difícil do que implantar novos hábitos em um país que está em processo de democratização ao longo das últimas décadas”.
O especialista afirma, contudo, que é preciso tomar cuidado, porque, apesar de existirem falhas nos sistemas, a disseminação de problemas não verificados pode ser um perigo. “A criação de falsas questões por motivos de estratégia eleitoral, que não tem nada a ver com a confiabilidade do sistema, é exatamente o que aconteceu com as eleições presidenciais norte-americanas, em que Donald Trump tentou minar a confiança do sistema antevendo sua derrota”.
Leal acredita que esse cenário está se repetindo no Brasil: “O presidente Bolsonaro e as forças que o apoiam têm tentado deslegitimar o sistema eleitoral, já prevendo a possibilidade de negação de uma eventual derrota em 2022”.
No contexto brasileiro
No Brasil, as urnas eletrônicas começaram a ser implementadas em 1996. Para Leal, o melhor método é o que está em vigor, mas isso não quer dizer que não pode haver alterações e melhorias no modelo. Essas modificações, porém, devem ser controladas: “O melhor é não fazer mudanças simplesmente porque a estratégia eleitoral de alguma força política implica fazer essa narrativa de desqualificação das urnas eletrônicas. O aprimoramento é desejável, é absolutamente possível, se não for feito pelos motivos errados”.
O TSE afirma que as urnas eletrônicas extinguiram qualquer indício de fraude durante as eleições. Por isso, o professor acredita que observamos um debate pautado não nas questões de segurança, mas no temor de possíveis derrotas eleitorais, como uma forma de cálculo estratégico e político por parte de uma força no poder.
O pesquisador diz que a proposta de retomada do voto impresso, recentemente rejeitada pelo Congresso Nacional, seria um retrocesso: “Há um enorme risco de, se isso viesse a ser aprovado, que todos os resultados fossem contestados por todos que perderam, tornando não apenas o sistema menos confiável, como mais aberto a possibilidades de fraudes e deslegitimação da própria democracia e não apenas da urna”.