Conheça Nise da Silveira, psiquiatra que lutou contra o cárcere em manicômios - Revista Esquinas

Conheça Nise da Silveira, psiquiatra que lutou contra o cárcere em manicômios

Por Giuliana Lima Miranda, Gustavo Rosmaninho e Mariana Aguiar : maio 17, 2024

A psiquiatra alagoana Nise da Silveira é um símbolo da Luta Antimanicomial. Foto: Reprodução/Centro Cultural do Ministério da Saúde

Dia da Luta Antimanicomial preserva a memória de Nise da Silveira, figura importante para a humanização no tratamento psiquiátrico

“Uma Psiquiatra Rebelde”. O apelido dado por Ferreira Gullar à Nise Magalhães da Silveira representa a identidade multifacetada da psiquiatra alagoana, uma mulher à frente de seu tempo e símbolo da Luta Antimanicomial. Nascida em Maceió no dia 15 de fevereiro de 1905, era filha única de pai jornalista e mãe pianista, cresceu em um ambiente com apoio familiar e tinha o desejo de seguir uma carreira diferente da de seus pais. Nise queria ser médica. Logo na graduação se deparou com um dos empecilhos de sua profissão: estar em um ambiente predominantemente masculino. Graduou-se como a única mulher e a primeira alagoana em uma turma de 156 alunos na Faculdade de Medicina da Bahia, em 1926.

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Além de psiquiatra, Nise da Silveira também foi autora e assinou o roteiro do documentário “Imagens do Inconsciente” (1987).
Foto: Domínio público/Acervo Arquivo Nacional

Em 1927, devido ao falecimento de seu pai e dificuldades financeiras, Nise se mudou para o Rio de Janeiro acompanhada do primo, o médico sanitarista Mário Magalhães da Silveira, com quem havia se casado no ano anterior. Especializou-se em psiquiatria na cidade carioca e começou a estagiar na clínica de neurologia de Antônio Austregésilo, considerado pioneiro da neurologia e do estudo dos distúrbios do movimento no Brasil. Depois, seguiu sua carreira no Serviço de Assistência a Psicopatas e Profilaxia Mental do Hospício Nacional de Alienados.

Seu envolvimento com o Partido Comunista Brasileiro foi breve, no entanto, sua assinatura no Manifesto dos Trabalhadores Intelectuais ao Povo Brasileiro a tornou um alvo para a polícia. Após a derrota da Intentona Comunista, os signatários do Manifesto foram investigados. Com o clima de autoritarismo e repressão, a trajetória profissional de Nise foi interrompida devido a uma denúncia de sua colega de trabalho por portar livros marxistas, acontecimento que provocou sua prisão em 1936. Permaneceu presa por 18 meses, no presídio Frei Caneca. Com medo de ser perseguida novamente, a psiquiatra se exilou no interior da Bahia, onde morou por sete anos até receber anistia política. A médica então retornou ao serviço público no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Engenho de Dentro.

Fundou a Seção de Terapêutica Ocupacional em 1946 e pensou em tratamentos que contrariavam as intervenções invasivas vigentes. “Onde cerca de três mil pessoas eram excluídas, ela propôs um trabalho para que pudessem expressar os sentimentos utilizando a arte, já que a linguagem verbal estava debilitada”, contextualiza Walter Melo Júnior, professor da Universidade Federal de São João del-Rei e coordenador do Grupo de Estudos do Museu de Imagens do Inconsciente. Por meio das imagens produzidas durante os grupos de terapia ocupacional, Nise propunha uma leitura para verificar o que essas produções comunicavam e qual o processo de reordenação psicológica ocorria.

Ao desenvolver um laço com a terapia ocupacional, a psiquiatra expandiu seu interesse pela psicologia analítica, introduzindo os estudos de Carl Gustav Jung no Brasil. “Ela criticava as categorias psiquiátricas, pensava que a loucura era um estado do ser. Criou um método terapêutico próprio”, explica Felipe Magaldi, doutor em Antropologia Social e autor do livro “Mania de Liberdade: Nise de Silveira e a humanização da saúde mental no Brasil”.

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Em 1952, Nise abriu o Museu de Imagens do Inconsciente, com o objetivo de divulgar as artes produzidas nos ateliês. Alguns anos depois, em 1956, fundou a Casa das Palmeiras, a primeira clínica aberta do Brasil. “A primeira recomendação que recebíamos era para não entrar querendo tratar os outros, mas para se cuidar e cuidar do outro juntamente. Um lugar de cuidado mútuo”, relembrou Walter de seu período como coordenador na clínica. O tratamento era realizado livremente e prezava pelo fim da racionalidade carcerária dos manicômios.

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Emygdio de Barros no ateliê de pintura da Seção de Terapêutica Ocupacional.
Foto: Reprodução/Centro Cultural do Ministério da Saúde

Além de utilizar a arte como um método terapêutico, Nise também inseriu cães e gatos no tratamento, como se fossem co-terapeutas; o laço criado com os animais era benéfico no acompanhamento de pessoas com esquizofrenia. “Ela acreditava também no poder do afeto, não só como algo bonitinho, mas como um método”, analisou Felipe.

Aos 70 anos, Nise da Silveira sofreu uma aposentadoria compulsória e foi obrigada a deixar seu trabalho. Nesse período, a médica se dedicou à escrita de livros, produção de documentários e curadoria de exposições. Em 1986, a alagoana perdeu seu companheiro de vida e quatro anos depois uma fratura na perna fez com que permanecesse o resto de sua vida em uma cadeira de rodas. Mesmo com os problemas de saúde em seus últimos anos de vida, Nise passou a ser cada vez mais reconhecida a nível internacional pela sua contribuição na área da saúde mental. Ela faleceu em 30 de outubro de 1999, na cidade do Rio de Janeiro, devido a uma insuficiência respiratória.

Nise da Silveira deixou um legado de contribuições desde a década de 40, antes mesmo do Movimento da Reforma Psiquiátrica, que tomou forma entre os anos 70 e 80. Uma de suas contribuições indiretas são os atuais CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), que mesmo não seguindo com afinco a concepção do trabalho de Nise, contribuem para a diminuição de leitos manicomiais e criação de novos dispositivos de tratamento.

“O pior CAPS é melhor que o melhor hospício”, afirma o professor Walter Melo.

O 18 de Maio, que marca o Dia da Luta Antimanicomial, retoma o legado de Nise Magalhães da Silveira, ativista e uma das médicas pioneiras no movimento. “O fato de ela ser uma mulher em um ambiente masculino, ela ser de esquerda em um movimento mais conservador, ter sido presa política. O trabalho dela é muito testemunhal”, concluiu Walter.

Editado por Ludmila Borba

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