Os profissionais da área ainda estão tendo que enfrentar notícias falsas e o perigo de demissões em plena situação emergencial de saúde
Um dos principais efeitos negativos da pandemia do coronavírus foi a alteração nas relações sociais. Praticamente todos se viram na obrigação de buscar uma alternativa para suas antigas atividades rotineiras, e isso não foi diferente para os jornalistas. Profissionais da área se veem em um cenário de caos, não apenas na questão pandêmica, mas também em suas vidas pessoais. Esse conflito pode ser encarado como o resultado do embate entre liberdade de imprensa e o exercício de poder dos governos, além da constante luta contra notícias falsas e o medo de ser contaminado pela Covid-19.
Tal dilema pode ser encontrado no Brasil, onde jornalistas enfrentam diariamente ataques e descréditos por parte de apoiadores do governo, e até do próprio presidente. Situações como ofensas proferidas na manifestação promovida por Jair Bolsonaro em 23/5, que levaram o jornalista Pedro Duran a ser escoltado pela polícia, acabam sendo comuns no exercício da profissão. Além da desvalorização do trabalho jornalístico, o governo ainda insiste em aplicar uma política de minimização da pandemia, indo de encontro aos órgãos de saúde e à veiculação de notícias.
Uma pesquisa recente da FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas) coloca em números essas dificuldades enfrentadas por jornalistas no país. No que tange à pandemia, há o aumento de mortes desses profissionais decorrente da Covid, contabilizando 28,6 mortes por mês em 2021, em contraste com as 8,5 mortes em 2020. Além disso, em outra coleta de dados do mesmo órgão, houve acréscimo na pressão, carga horária e atividades, em discrepância com a queda salarial e o aumento das demissões.
Um dos pontos centrais que abalaram a vida dos trabalhadores comunicacionais foi o medo de serem vetores da doença e contaminarem familiares durante o exercício da profissão. “Contaminar a família é um medo constante. Por causa disso, meu pai precisou sair de casa […] Ficamos meses sem nos vermos”, afirmou Gabi Gonçalves, repórter e apresentadora do G1, quando perguntada sobre o medo de contaminação de pessoas próximas.
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A saída encontrada por essa e outros profissionais foi o afastamento de suas famílias para garantir a segurança, solução que só pode ser vencida com a vacinação. Porém, para a repórter Paula Paiva, também do G1, a classe não deveria ser considerada grupo prioritário no momento. “Vejo muitos grupos que deveriam ser priorizados antes, como motoristas e cobradores de ônibus, garis, e outras profissões que não têm como sair da rua […] Grande parte da categoria conseguiu fazer home office”, diz a profissional.
Já para Eduardo Nunomura, professor da Faculdade Cásper Líbero e editor da revista CartaCapital, os participantes da linha de frente deveriam ter prioridade, porém levando em conta a escassez de insumos. “Acredito que toda profissão com atuação externa deveria estar entre as prioridades. O que significa que nem todos os jornalistas deveriam vir, enquanto categoria de classe, à frente de outros. Eu, por exemplo, não realizo cobertura na rua […] portanto, posso e devo esperar em meio à escassez de vacinas.”
Indo de encontro a essa declaração, a FENAJ lançou recentemente um abaixo-assinado, que já conta com mais de 4.000 assinaturas, para a adesão dos jornalistas em grupos prioritários na campanha de vacinação. Esta luta já foi vencida no estado da Bahia, por exemplo, onde a vacinação passou a incluir estes profissionais. Tais atitudes foram desencadeadas após pesquisa, também da FENAJ, confirmar que o Brasil é o país com o maior número de mortes de jornalistas causadas pela Covid.
Ao trabalhar em meio ao medo de contaminação, comunicadores ainda têm de participar ativamente no combate às fake news, encontrando-se em uma posição de extrema importância na educação da sociedade diante de uma pandemia permeada de dúvidas. “Informação correta passou a ser sinônimo de salvar vidas. Desinformação e negacionismo levaram a morte nessa pandemia.”, defende Paula.
Mas a previsão para o futuro é positiva ao levarmos em conta a importância que o trabalho jornalístico vem tendo no combate à pandemia, com blocos especiais em vários meios de comunicação para noticiar especificamente sobre o avanço do vírus e suas consequências. “Ter em mente que o nosso papel é informar. Ter consciência da nossa função. E fazer o trabalho da única forma possível: com comprometimento e verdade”, conclui Gabi.
* Redação Aberta é um projeto destinado a apresentar o jornalismo na prática a estudantes do ensino médio e vestibulandos. A iniciativa inclui duas semanas de oficinas teóricas e práticas sobre a profissão. A primeira edição ocorreu entre 17 e 28 de maio. O texto que você acabou de ler foi escrito por um dos participantes, sob a supervisão dos monitores do núcleo editorial e de professores de jornalismo da Cásper Líbero.