Rádios comunitárias em São Paulo: direito à comunicação e fortalecimento da cidadania - Revista Esquinas

Rádios comunitárias em São Paulo: direito à comunicação e fortalecimento da cidadania

Por Ana Guercio, Bárbara Maiato, Bruna Cravo, Fernando Abreu, Giovanna Oliveira, Isadora Quaglia, Ludmila Borba e Maria Cecília Dallal : julho 17, 2025

Rádios comunitárias democratizam a mídia ao dar voz a comunidades silenciadas para expressar suas ideias e valores. Foto: Studio_Iris/Pixabay

Como as rádios comunitárias de São Paulo fortalecem a voz das comunidades locais e ampliam o acesso à informação na era digital

Quando falamos de rádios comunitárias — especialmente aquelas que se destacam na Região Metropolitana de São Paulo — estamos nos referindo a um espaço de comunicação dedicado às discussões e necessidades da comunidade local, com o objetivo de observar, informar, educar e promover a cultura. Essas rádios, por sua vez, tornam-se canais de comunicação da sociedade local, que busca participar efetivamente dos debates acerca da própria região. Sem fins lucrativos, rádios como Madalena, Rede Estrada Everest e Serrana, entre outras filiadas a associações comunitárias, são exemplos dessa atuação.

Esses veículos de comunicação, operados por associações em diversos locais de São Paulo, são regulamentados no Brasil pela Lei nº 9.612/1998. Mais do que dar voz à população local, essas iniciativas fortalecem o exercício da cidadania. As três rádios comunitárias mencionadas prezam por objetivos em comum, como a defesa dos direitos da população da região, a divulgação de informações relevantes sobre transporte, saúde e educação, e a promoção da cidadania por meio de programas educativos.

Desafios financeiros e estratégias de financiamento

O debate em torno dessas rádios gira principalmente em torno das dificuldades de apoio financeiro que enfrentam — muitas vezes sendo invisibilizadas por emissoras maiores. Na tentativa de reverter esse cenário, a Associação Casa da Cidade, responsável pela Rádio Madalena, apresenta projetos de benfeitoria para estimular não apenas o público local, mas também outras comunidades a financiarem a associação. O site da rádio traz uma mensagem instigante, oferecendo uma troca dinâmica entre doações e parcerias com os apoiadores:
“Você apoia a Rádio Madalena, contribuindo a partir de R$ 20,00, e ganha muito mais em ofertas e descontos exclusivos nas empresas parceiras do SOU DA VILA.”
— site oficial da Benfeitoria

Para cobrir despesas básicas, a associação busca arrecadar, em tempo recorde, três mil reais por mês. Em troca, oferece aos seus doadores um agradecimento público por meio de relatórios periódicos divulgados nas redes sociais, participação ativa em um grupo de WhatsApp — voltado à realização de críticas construtivas dos programas da rádio — além de descontos e promoções em empresas da Vila Madalena, para os participantes do projeto “Sou da Vila”.

Rádios comunitárias como espaços culturais e sociais

A Rádio Serrana, com sede em Cunha (SP), tem como principal objetivo conectar a comunidade local e regional. A emissora também oferece entretenimento, informação e cultura, com uma programação que inclui música de qualidade, notícias e espaços voltados às manifestações culturais e religiosas. Além disso, a rádio participa de ações sociais e de cidadania, como o aniversário solidário promovido em 2024. Seu diferencial está na oferta de espaço para o jornalismo e programas educativos, com o intuito de cativar os ouvintes e expandir sua audiência para novos públicos — como em Petrópolis (RJ) e no Mato Grosso do Sul, onde também mantém atuação.

Uma iniciativa marcante da emissora foi a participação na Semana Farroupilha de Flores da Cunha, que incluiu arrecadação de donativos para famílias afetadas por enchentes. A ação demonstra o compromisso da rádio com causas sociais e culturais. Eventos como esse reforçam os laços culturais entre a emissora e a população.

Os Festejos Farroupilhas de 2024 enaltecem as atrações artísticas locais e incluem concursos nas categorias de dança, declamação, gaita e intérprete vocal.

“O ponto alto da comunicação” é como se define a Rádio Everest, que apresenta uma programação diversa, incluindo, por exemplo, música popular brasileira (MPB). A emissora busca ser uma plataforma de expressão para a comunidade local, promovendo cultura, informação e entretenimento. Nesse contexto, dedica-se à divulgação de eventos culturais e sociais relevantes para a população, conforme destacado em sua missão institucional.

Em julho de 2024, a Rádio Everest participou de um encontro promovido pelo Fórum Democracia na Comunicação. No evento, radiodifusores comunitários — incluindo representantes da Everest FM — dialogaram com o vereador Sidney Cruz. O objetivo do encontro foi estreitar a comunicação entre parlamentares e a população, permitindo que os cidadãos apresentassem diretamente suas demandas aos representantes políticos. A iniciativa reforça o compromisso da rádio com as necessidades da comunidade local.

Nas redes sociais, a rádio também oferece uma programação educativa e informativa, abordando temas como saúde, educação e cultura, sempre com foco no bem-estar da comunidade. No Instagram, especialmente, a emissora mostra os bastidores das entrevistas realizadas para os podcasts que produz. Em sua publicação mais recente, a Virada Cultural, realizada em São Paulo nos dias 23 e 24 de maio, ganhou destaque. O vídeo publicado apresenta a cobertura dos grandes shows, a presença de artistas e entrevistas exclusivas.

Em abril de 2024, a emissora anteriormente conhecida como Rádio Estrada Real FM passou a se chamar Rede Estrada FM, como é conhecida atualmente. A mudança de identidade ocorreu em razão de uma atualização na comunicação visual da rádio e de sua presença no ambiente digital. Vale destacar que a alteração no nome não implicou mudanças em sua programação, que desde então mantém um estilo popular, com músicas voltadas ao público que tradicionalmente acompanha a emissora.

Sediada em diversos municípios de Minas Gerais — como Ouro Branco, Itabirito, Prados e Itaguara —, a rádio marca presença em vários festivais que ocorrem nesses locais. Embora não tenha grande representatividade cultural em São Paulo, em Ouro Branco (MG) a Rede Estrada FM garantiu sua interação com a comunidade local ao participar do 37º Festival da Batata, em 2023. O evento contou com shows de artistas como DJ Alok, Luan Santana e Péricles.

Nesse mesmo ano, a Rede Estrada FM esteve presente na cobertura e divulgação do 41º Enduro da Independência, um dos maiores eventos de motociclismo de regularidade do Brasil. Outros eventos que também ganharam destaque foram o 28º Festival de Inverno de Congonhas — realizado de 11 a 30 de julho de 2023 — e o aniversário da cidade de Prados. Em ambos, a Rede Estrada FM marcou presença com cobertura e divulgação das comemorações, fortalecendo o vínculo com a comunidade local.

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Fortalecendo a voz comunitária

Em entrevista, Pedro Vaz — ex-professor da Faculdade Cásper Líbero e da rádio universitária da instituição — comenta os desafios enfrentados pelas rádios comunitárias e destaca sua importância na atualidade. Atual coordenador de um projeto voltado a rádios comunitárias na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, ele afirma: “A temática sobre rádios comunitárias é polêmica no Brasil.”

Ainda nesse contexto, Vaz aponta que as principais dificuldades enfrentadas pelas rádios comunitárias decorrem, em grande parte, das limitações impostas pela legislação que rege o segmento radiofônico. Segundo ele, a proibição de apoio comercial e de patrocínios reduz a visibilidade dessas emissoras. Ele observa: “Muitas não seguem os princípios desse gênero e formato, pois têm inspiração em rádios comerciais e na reprodução de notícias de portais, enquanto não pautam, totalmente ou parcialmente, os problemas e demais temas da comunidade.”

Para Vaz, as rádios comunitárias têm grande relevância quando consideradas no contexto dos processos de democratização da informação. Isso porque são objeto de estudo e divulgação em trabalhos e publicações acadêmicas, ao mesmo tempo em que promovem debates sobre temas como a promoção da cidadania, a inclusão social, a participação da população local (os ouvintes) e a abordagem de assuntos específicos das localidades onde essas rádios estão inseridas.

“Essas emissoras ocupam um espaço importante na região do Grande ABCD Paulista, uma vez que auxiliam na promoção da inclusão social e da cidadania ao enfatizarem problemáticas locais e valorizarem iniciativas cidadãs de organização popular e desenvolvimento educativo e cultural.”

A voz da comunidade: ouvintes e lideranças locais

Para além do meio acadêmico, as rádios comunitárias são amplamente defendidas pelos moradores das comunidades onde estão inseridas. Reginaldo José Gonçalves, de 47 anos, é morador do bairro de Heliópolis, na Zona Sul de São Paulo, há mais de três décadas — e um assíduo ouvinte desse tipo de veículo. Todas as manhãs, enquanto leva o filho para a creche, Gonçalves sintoniza na Rádio Heliópolis, da qual também é coordenador.

Assim como apontado pelo professor Vaz, para Gonçalves a principal diferença entre uma rádio comercial e uma comunitária é a proximidade com o território.
“[As rádios comunitárias] dialogam sobre as demandas do território, que às vezes uma rádio comercial não vai colocar”, comenta.
“Então, ela está muito preocupada com, às vezes, o Ibope, com a questão comercial, financeira. A rádio comunitária não; ela está mais preocupada com a informação que vai passar para o território.”

Os portais comunitários atuam como “porta-vozes” das populações, especialmente aquelas marginalizadas contempladas por eles. “A rádio é da comunidade para a comunidade”, descreve Gonçalves. Eles amplificam os desejos, vontades e vivências presentes naquele território, não enfatizando apenas as mazelas, mas também as “riquezas culturais, educacionais e sociais”, como destaca o ouvinte da Rádio Heliópolis.

“Acaba se tornando um veículo de comunicação muito importante, porque faz um contraponto à mídia convencional, que, às vezes, só transmite uma imagem negativa do território. As rádios comunitárias mostram a real potência que existe na comunidade onde estão inseridas, e isso acaba fortalecendo e melhorando a qualidade de vida da população. Mostram tudo que há de positivo, que acontece no território onde estão.”, conclui Regis — como é chamado pelos colegas radialistas.

Wilmar Anasias, que começou como líder comunitário e hoje integra a diretoria e é locutor da Rádio RCB de São Bernardo do Campo, relata que a rádio comunitária é uma forma importante de manter a comunidade informada:

“Muitas vezes a comunidade liga o rádio logo cedo para saber se o ônibus está passando, se a UBS está funcionando, se a escola está fechada.”

“As rádios comunitárias compartilham informações do bairro onde as grandes emissoras não chegam”, acrescenta Wilmar, ressaltando a importância desse tipo de veículo.

Além disso, a comunidade participa ativamente das rádios, pois os conteúdos que vão ao ar muitas vezes são solicitados pelos próprios ouvintes.

Editado por Enzo Cipriano

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