Com mais de 100 anos de história, ainda existe futuro para o rádio no Brasil? - Revista Esquinas

Com mais de 100 anos de história, ainda existe futuro para o rádio no Brasil?

Por André Amorim, Fernanda Santarlasci, Gabriel Pereira, Guilherme Shimizu e Marcus Francisco de Oliveira : fevereiro 9, 2023

Foto: Fringer Cat via Unsplash

Rádio ainda é consumido por 83% da população brasileira, dado que mantém profissionais e entusiastas da área positivos com o futuro do meio de comunicação

o século XXI, muitos são os meios de comunicação que se fazem presentes em escala social, dos mais tradicionais às inovações mais recentes. Hoje, pode parecer muito óbvio como, com apenas alguns cliques na tela de um smartphone, acessa-se um mundo de informações, desde notícias, acontecimentos ao vivo e páginas jornalísticas até conteúdos de entretenimento, como plataformas de streaming, memes e músicas. Mas a realidade brasileira — e mundial — nem sempre foi assim. A partir de uma série de aspectos, parece justo apontar o rádio como o primeiro meio de comunicação responsável por promover um acesso massificado à informação.

Afinal de contas, no cenário nacional, as transmissões radiofônicas começaram a ocorrer em um contexto no qual a maior parte da população era analfabeta. Isso tudo no início dos anos 1920, quando a televisão ainda nem sonhava em existir e o cinema sequer tinha falas.

O rádio, então, apresentou aos seus ouvintes um universo de possibilidades, como as radionovelas, os programas de auditório, os programas educativos e os boletins jornalísticos. Assim, por meio dos aparelhos radiofônicos, a população ganhou a chance de literalmente ficar antenada naquilo que era coletivo.

E imagine qual não deveria ser a sensação de receber em primeira mão uma notícia importantíssima através da voz de um locutor, como no caso do Repórter Esso?

É fato que muita coisa mudou dessa época descrita para os dias de hoje. Mas, quem é que nunca escutou Rádio?

Seja para ouvir músicas e notícias no trânsito da cidade, para acompanhar as narrações de um jogo de futebol ou, até mesmo, para esperar uma consulta, sentado em um consultório enquanto o médico não te atende. Ainda assim, não se pode resumir o papel do Rádio nos dias atuais ao simples fato de que ele não desapareceu da face da Terra.

Com os constantes avanços tecnológicos e em uma sociedade que se apoia cada vez mais no virtual, cabe questionar: cem anos depois, qual é o futuro do Rádio no Brasil?

História do Rádio no Brasil

Infográfico com todas as datas sobre a evolução do Rádio no Brasil

Em 2022 e, mais especificamente, no dia 7 de setembro, o Rádio no Brasil completou seu centésimo aniversário. Ao longo desse tempo o país acumulou mais de dez mil emissoras FM e AM que levaram e levam o entretenimento e as notícias de forma democrática por todo o território nacional por meio de ondas eletromagnéticas.

Toda essa trajetória começou no ano de 1922, na Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil, quando a primeira transmissão oficial de rádio ganhou vida na cidade do Rio de Janeiro. Naquela ocasião, foi emitido um discurso do então presidente, Epitácio Pessoa.

O responsável por tal façanha foi Edgard Roquette-Pinto, que passou a ser considerado o pai do Rádio no país. A partir de então, a história nacional do meio de comunicação em questão começou a se fundir com as das emissoras que foram surgindo.

Em um primeiro momento, os aparelhos radiofônicos foram consumidos apenas pela elite brasileira. Por serem itens caros e importados, não eram todos os cidadãos que tinham poder aquisitivo para comprá-los e, por isso, as pessoas acabavam se reunindo em casas de vizinhos ou praças públicas munidas de alto-falantes para escutarem as programações. Desse modo, o rádio foi se transformando no veículo mais importante para a transmissão de informação no Brasil.

Com a chegada da década de 1930, a propaganda foi liberada na programação das rádios brasileiras, o que alavancou o investimento na área e resultou em uma queda do preço dos aparelhos radiofônicos. Assim, houve uma democratização ainda maior do acesso da população à informação e as emissoras passaram a incrementar ainda mais seus repertórios, incluindo novos formatos, como os programas de auditório, os esportivos e as radionovelas.

Em entrevista com Milton Parron, renomado radialista dos anos 60, ele contou um pouco sobre sua história e comentou sobre quando a informação começou a ganhar real importância para o Rádio brasileiro. Para Milton, foi uma “grande revolução”.

Podcast: sucessor do Rádio?

lgumas pessoas pensam que o rádio está perto de acabar por conta de outros meios de comunicação que estão bombando no mercado atual, como, por exemplo, os podcasts e a plataforma do YouTube. Mas o que tais sujeitos não sabem é que esse pensamento está muito longe de acontecer, uma vez que 83% dos brasileiros ainda escutam rádio.

Segundo uma pesquisa realizada pela empresa Kantar Ibope Media, em setembro de 2020, das treze regiões metropolitanas pesquisadas, a média de idade do público que consome esse tipo de comunicação é de 20 a 49 anos. A realidade é que os meios de comunicação se ajudam e evoluem coletivamente.

O rádio precisou se reinventar muitas vezes durante sua história por conta de novas tendências, e já diziam que ele iria acabar quando o auge era a televisão, mas o diferencial do rádio é simples… a imaginação do ouvinte pode triplicar quando se escuta somente a voz do locutor.

Para entender melhor sobre essa questão,  o podcaster e professor Marcelo Abud, aponta as vantagens que o rádio possui e afirma que a linguagem radiofônica ainda é muito importante para a sociedade por conta da instantaneidade.

“O que fica é a linguagem, então qual é a linguagem do rádio? É uma linguagem que permite mobilidade, instantaneidade. Então posso ouvir de onde eu quiser, posso entender o que está acontecendo naquele exato momento e imaginar.”

Marcelo Duarte, jornalista e escritor, também comenta que sua maior dificuldade na transição para a internet foi trazer seu público diário do rádio para o YouTube. Ele afirma que o público-alvo da Rádio Bandeirantes são pessoas mais velhas, que têm uma certa dificuldade em acessar as plataformas digitais, e ainda disse a respeito das novas experiências nesse formato que é o podcast.

O podcast teve início em 2000, e o próprio nome já dizia de onde vinha a ideia: “Pod”, do aparelho “Ipod” da Apple, e “Cast”, que vem do termo “broadcast”, que significa “transmissão” em inglês.

Porém, os podcasts só tiveram início no Brasil em 2004, no dia 21 de outubro, que é considerado o Dia Nacional do Podcast. O primeiro podcast se chamava “Digital Minds” e foi feito por Danilo Medeiros.

Quando o podcast surgiu, ele acabou ficando muito estigmatizado, uma vez que as emissoras tinham medo dessa concorrência direta tomar o lugar das rádios. Por conta disso, demoraram para se adaptar e colocar suas programações no meio digital.

Na opinião do professor Marcelo Abud, podcast é rádio, por fazer parte da linguagem radiofônica, porém distribuído de outra forma. O professor também comenta que o podcast “Nerdcast” foi extremamente importante e serviu de modelo para os podcasts que vieram a surgir no Brasil.

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Impactos da pandemia

urante o avanço da pandemia da covid-19, viveu-se um momento de crise ao redor do mundo. No Brasil, não foi diferente. Uma crise econômica afetou todos os setores do mercado de trabalho, incluindo o de comunicação.

Com isso, grandes comunicadores acabaram não tendo seus contratos renovados com suas empresas. Foi o caso de Marcelo Duarte, que comandava o programa “Você é Curioso?”, na Rádio Bandeirantes, desde o ano de 2001, mas viu seu contrato acabar dois dias após completar dezenove anos de casa.

Marcelo, após sua saída da rádio, criou um programa, batizado de “Olá, Curiosos!”, no mesmo formato do comandado por ele anteriormente, e começou a transmitir através das plataformas digitais, como YouTube e Spotify.

A produção e o consumo de podcasts tiveram um crescimento significativo ao longo dos últimos anos, potencializado pelas circunstâncias resultantes da pandemia. De acordo com a Podpesquisa, realizada pela Associação Brasileira de Podcasters, 70,3% dos produtores de podcast iniciaram suas produções a partir de 2018.

Um crescimento no consumo dessas produções já estava sendo ensaiado desde esse período, mas caiu nos primeiros meses de pandemia. Então, surgiram diversas produções de podcasts com imagens, aproximando o apresentador do espectador. Assim, o crescimento voltou a acontecer, mas agora de maneira mais “firme”, como constatado por Marcelo Abud.

Hoje, muitas rádios passaram a transmitir parte de sua programação também no YouTube, como são os casos da Bandeirantes, da Jovem Pan e da Energia 97.

A ponte entre o hoje e o futuro

Com os crescentes avanços tecnológicos e a sociedade cada vez mais virtualmente conectada, é válido que exista uma preocupação com o futuro do rádio. Hoje, com o advento das plataformas de música, por exemplo, se torna cada vez menos habitual o ato de entrar no carro e sintonizar em alguma emissora para ouvir enquanto se atravessa o trânsito da cidade.

Ainda assim, a partir do que foi apontado pelos três entrevistados, cabe acreditar que não há motivos para se preocupar.

A internet já se tornou uma realidade, uma ferramenta imprescindível na vida de todos. Mas o que muitas vezes não se torna perceptível é que ela também se mostrou importante para a vida do próprio rádio.

Ela permite uma conectividade muito maior, um alcance exponencial. Se antes as emissoras eram restritas à geografia das antenas, hoje os conteúdos produzidos navegam por todos os cantos do mundo sem grandes limitações.

Ainda pode parecer um pouco estranha, ou redundante, a ideia de que o rádio coexista com os novos meios de produzir conteúdo virtualmente — como os podcasts. Mas não.

É óbvio que o futuro é incerto e que não se pode afirmar com certeza o que será dessa convivência mais adiante, mas, como argumenta Marcelo Abud, tudo aponta para um caminho de diversificação dos formatos que predominam em cada meio.

Da mesma forma com a qual o rádio não acabou quando a televisão atingiu o seu ápice, seria ingênuo acreditar que ele encontrará seu fim com o crescimento dos novos formatos proporcionados pelo espaço virtual.

Talvez — para não dizer certamente — o meio de comunicação em questão deixará de existir como é conhecido hoje, mas isso absolutamente não significa o seu fim. Afinal, hoje também já não se ouve e consome todos os conteúdos e formatos que eram tidos como padrão há algumas décadas.

O que se pode concluir em relação a isso tudo é que, assim como as pessoas que o constroem e que com ele trabalham, o rádio em si é vivo e, portanto, há de se reinventar a cada passo adiante que a sociedade der.

Editado por Anna Casiraghi

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