Mauricio de Sousa aborda sua caminhada desde a infância até o sucesso da Turma da Mônica
A Turma da Mônica é muito mais do que fruto de uma imaginação fértil e de um talento notável. Mauricio de Sousa, grande cartunista e pai dos quadrinhos que rechearam a infância de muitos brasileiros e brasileiras, tem em seus anos vividos em Santa Isabel e Mogi das Cruzes, no interior de São Paulo, a maior de suas inspirações. Quando criança, o desenho despertou como amor à primeira vista. Na época, deu asas à imaginação e criou seu primeiro personagem: o Capitão Picolé. Cresceu, mostrou mais do seu talento e passou a ilustrar em cartazes do comércio local e em jornais, auxiliando comerciantes que precisassem de ilustrador para cartazes. Desenhou para jornais de Mogi.
Aos 19 anos, foi a São Paulo em busca de uma oportunidade na área. Foi aceito no então Folha da Manhã – hoje Folha de S.Paulo – e trabalhou como repórter policial. Quando viu a oportunidade de iniciar carreira como cartunista na Folha, agarrou-a e publicou os primeiros personagens que o encaminhariam para a Turma da Mônica: Bidu e Franjinha.
A fama é tanta que a personagem Mônica, por exemplo, criada mais tarde e inspirada em sua filha homônima, é a primeira personagem virtual a ser embaixadora da Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Atualmente, a Turma tem ganhado novos formatos e narrativas, como a série em mangá Turma da Mônica Jovem e o longa em formato live-action Turma da Mônica Laços, que chega aos cinemas em junho deste ano. Para o criador dos gibis, é importante preservar a forma de trabalho artesanal em meio às tecnologias. “Um computador pode quebrar, mas ainda teremos um lápis que não depende de software, mas da criatividade pura do ser humano”, explica.
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ESQUINAS Pensando na seu início de carreira como ilustrador e repórter policial, quais foram as principais dificuldades que enfrentou nesse começo?
Naturalmente, foi uma história de muito trabalho, com metas pensadas e cumpridas na maior parte das vezes. De qualquer modo, tudo o que faço hoje foi planejado há muitos anos, em alguns casos desde o início das minhas atividades profissionais. Mas muitos dos projetos demoraram a sair, a darem certo, o que sempre encarei como uma coisa normal. Como é normal em mim não desistir.
ESQUINAS Partindo do seu processo de criação, o que estimula sua criatividade?
Minhas histórias são recordações de brincadeiras de infância no interior paulista. Minha Vó Dita contava histórias para a garotada da rua enquanto eu desenhava para ilustrá-las. Era uma espécie de “cineminha” que dava boa audiência. Meus pais, ligados à poesia, ajudaram muito nessa vontade de ser um escritor. Contar sobre todas essas coisas foi natural. Quando crio histórias para divertir também acabo passando algum ensinamento sobre os valores culturais ou solidariedade.
ESQUINAS Os gibis da Turma da Mônica têm muito disso. Quanto eles te definem como pessoa?
Acredito que essa minha inspiração em filhos, amigos e lembranças da minha infância para desenvolver personagens foi uma das razões do sucesso da Turminha. De alguma forma, os leitores sabem que minhas histórias não são apenas criações, mas um espelho do que vivemos no dia a dia.
ESQUINAS Como representações do nosso cotidiano, de que maneira os quadrinhos foram elaborados com o intuito de serem educativos? Quais cuidados foram tomados para isso?
Sem dúvida os quadrinhos têm uma grande importância no estímulo à leitura. Eu mesmo passei por isso. Meus pais traziam revistas em quadrinhos que eu lia rapidamente. Depois de um tempo, já não bastavam os gibis e comecei a ler livros. Acabei me tornando um escritor de histórias que também desenha. Mas, em primeiro lugar, colocamos a diversão e criatividade nas histórias e, sem ser chato, passamos mensagens de solidariedade e cidadania. Tem dado certo. Hoje temos também uma série de revistas com temas de importância educacional sobre ecologia, saúde e direitos das crianças. Geralmente são produzidas para entidades sociais e institucionais.
ESQUINAS Quais foram as inspirações para criar o Chico Bento e o Louco, personagens mais conhecidos dos gibis para além da Turminha?
O Chico Bento tem muito de um tio meu, mas também de mim próprio, que vivi toda a minha infância no interior. O Louco foi criação do meu irmão Márcio, infelizmente já falecido, que também criou o Bugu [amigo do cão Bidu].
ESQUINAS E como o senhor vê essa nova fase dos quadrinhos?
Através de nosso responsável pelos novos projetos editoriais, Sidney Gusman, e que edita as Graphic MSP, estamos bem próximos dos grandes artistas nacionais. Nós “emprestamos” os personagens da Turma da Mônica para esses autores desenvolverem os mesmos em seu próprio estilo. Assim, Vitor e Lu Cafaggi, Danilo Beyruth, Orlandeli, Shiko, Bianca Pinheiro, Rogério Coelho, Rafael Calça, Jefferson Costa, entre outros demonstram o quanto essa nova geração vem com força total.
ESQUINAS Como o senhor encara a atual relação entre crianças e tecnologia?
Criança é sempre criança. Tudo o que a tecnologia pode trazer é apenas mais um jeito de brincar com algo novo, mas com os mesmos sentimentos de nossos avós quando eram crianças. Brincar, viver com saúde, poder correr por gramados são sensações que ultrapassam a linha do tempo. Eu estou sempre ligado na parte de comunicação que a tecnologia proporciona para exercer uma interatividade com meu público. Temos que seguir junto com a evolução e as novas plataformas de comunicação. Mas sem esquecer da base de nossa vida que vai além disso. Mantenho, em meu estúdio, desenhistas que ainda desenham sobre papel e preservo essa forma quase que artesanal de trabalho. Um computador pode quebrar, mas ainda teremos um lápis que não depende de software, mas da criatividade pura do ser humano.
ESQUINAS Se pudesse escolher uma outra carreira para seguir, qual seria?
Quando criança, eu queria ser pianista, mas logo descobri que um lápis é bem mais fácil de levar consigo do que um piano. Venceu o desenho. Ainda bem!