O “Orfeu da Consolação” ressurge na capital paulista com um espetáculo de seu quarto álbum, Mal dos Trópicos, que mistura mitologia grega e brasilidade desequilibrada
No fim de uma tarde ardente do dia 15 de setembro, Thiago Pethit celebra a cultura e a liberdade de expressão, em todas as suas faces. O Orfeu da Consolação, como o artista se intitula em seu último álbum, Mal dos Trópicos – um dos 25 primeiros indicados ao prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) de melhores do ano de 2019 –, se apresentou no Centro Cultural São Paulo (CCSP) e segue com uma carreira de referências à mitologia e à realidade brasileira.
Em um dos primeiros shows de lançamento do álbum de março deste ano, Thiago Pethit desce as escadarias da Sala Adoniran Barbosa do CCSP como uma deidade olímpica desceria à terra. De tão performático, o show beira o teatral, talvez intencionalmente. Não à toa, o músico tem formação como ator.
Pethit abre o espetáculo como inicia seu disco, com Abre-alas, tributo melancólico e onírico ao samba paulistano e às marchinhas de carnaval. “São muitas inspirações. Muitas mesmo. De Nick Cave e Patti Smith à Caetano Veloso, passando pelo cinema do Bertolucci e obras plásticas e poetas”, explica o cantor sobre suas referências no mundo das artes. Ele conta que o disco é dedicado à cultura. “Minha declaração de amor pela arte.” A narrativa do álbum flutua entre a elegância da mitologia grega, o cinza caos urbano de São Paulo e a libido que permeia os dois cenários.
A ressaca da noite anterior não impediu que Pethit abrisse uma garrafa de vinho e brindasse a plateia. Uma taça solitária, os primeiros acordes do single Me Destrói e um pedaço de pano preto amarrado na cintura. “Esse trapo vale mais que minha coroa da Gucci”, brinca o cantor ao se referir ao ramo de louros dourado sobre a cabeça.
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A atmosfera divina, entretanto, demora para tocar os espectadores. Mesmo oferecendo vinho a um dos fãs, as investidas de interação de Pethit só surtiram efeito na segunda metade do show, quando o líquido de Dionísio já subira à cabeça. A timidez do público não inibiu o talento cênico e musical do jovem artista, que agradecia à plateia, ao palco e às pessoas envolvidas.
Entre uma canção e outra, Pethit tira um discurso do bolso e dedica a música seguinte – uma adaptação de Nature Boy, do britânico David Bowie – à Mishelly Wylasck, sua amiga de bairro, travesti em situação de rua, com quem compartilhou momentos importantes e que faleceu por tuberculose na madrugada que antecedeu o show. “Fiquei aliviado que ela morreu de doença, e não de uma maneira violenta. Que porra estamos vivendo?”, lamentou, aos prantos.
Thiago Pethit dividiu o palco com Augusto Passos (produção e direção musical, baixo elétrico, violão e teclados), Leo Rosa (bateria e samples) e, em participação especial, os Tambores Femininos de Mbeji, nas músicas Samba de Orfeu, Mal dos Trópicos e Coração Vagabundo, cover de Caeteno Veloso.