No Dia Nacional do Teatro, entenda como essa arte tão dependente da conexão pessoal teve de se transformar com o isolamento social
“Precisamos criar a ilusão mais perfeita possível”, afirma Maria Luiza Veiga, de 19 anos, sobre Um Café, Um Chá e Uma Vela No Espaço, peça que apresentou durante a quarentena por meio da plataforma Zoom. “Quanto maior a sensação de que os atores estão juntos, melhor fica a peça”, diz a estudante de Artes Cênicas no Célia Helena Centro de Artes e Educação. Comemorado neste sábado, 19 de setembro, o Dia Nacional do Teatro não poderia representar melhor a saudade dos palcos e da convivência em sociedade. Pautada no “aqui e agora”, no contato direto com o parceiro de cena e com o público, a arte precisou se adaptar para as telas de celulares e computadores por conta da pandemia causada pelo coronavírus.
60% dos brasileiros não vão ao teatro
Em 2017, a JLeiva, consultoria especializada em cultura, esporte e investimento social, fez o levantamento “Cidades – Cultura nas Capitais”, que investigou hábitos culturais em 12 capitais brasileiras. De acordo com os dados apurados, apenas 31% da população foi ao teatro nos 12 meses anteriores à pesquisa, realizada entre 14 de junho e 27 de julho daquele ano. Em São Paulo, esse número sobe para 34%, ao passo que as pessoas que nunca foram ao teatro representam quase a mesma porcentagem. Apesar dos equivalentes, 62% dos entrevistados disseram ter interesse em ir ao teatro, o que não significa que de fato vão. Dentre as razões usadas por 11% deles para justificar o pouco interesse, estavam: questões econômicas, falta de informação, tempo e costume.
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Prós e contras do “teatro virtual”
Na pandemia, a maior dificuldade dos que se inserem no ramo reside em conquistar o público. “É complicado para chamar as pessoas. A maior dificuldade para o ator é definir, e para o espectador é entender. O que é isso? Eu vou ver um filme? O episódio de uma série? Uma peça? Não. Então, pela falta de definição, pela insegurança do consumidor, ele acaba preferindo não acessar. Cai naquela questão: por que eu vou perder meu tempo com isso?”, pontua Maria Luiza.
No entanto, para Danielle Szaz, 19 anos, estudante de Artes Cênicas do Teatro-Escola Macunaíma, a procura por peças aumentou em relação às apresentadas presencialmente. “Variava bastante de acordo com as turmas, mas no teatro físico tínhamos um número limitado de público por sessão. Como no zoom não temos isso, em uma mesma sala as peças chegam a 200 espectadores em uma única sessão. Fora a comodidade de poder assistir em qualquer lugar, basta acessar o link”, explica.
Segundo Maria Luiza, neste momento o medo do inexplorado também pode tomar conta de partes da experiência tanto para os atores quanto para o público. “O maior desafio é o desconhecido. Porque ninguém nunca teve que lidar com a situação, não existe técnica para isso. Essa falta de conhecimento faz com que os artistas e o público se sintam perdidos”, conta. “O ator virou diretor, coordenador, tudo. Estamos falando de atores de teatro, não atores de chroma key [fundo verde]. [Durante as cenas] Eu olhava para o lado pensando que era a minha colega, mas, na verdade, era o meu armário. Não sentir essa conexão é complicado. Teatro é pura emoção, então não estar junto com seu parceiro de cena para poder sentir tudo aquilo e passar a emoção para o público é muito difícil”, desabafa a estudante.
Danielle também sofreu os impactos das aulas a distância. “A parte mais difícil, fora as falhas técnicas, como a internet cair às vezes, é não se distrair e dividir o espaço com parentes e vizinhos”, diz. “Às vezes, precisava fazer exercícios de corpo e não tinha espaço suficiente para isso, ou estava em uma cena e tinha muito barulho do lado de fora. Até para acreditar e viver a cena verdadeiramente foi mais complicado por conta dessa distância, completa”.
Além do entretenimento
Apesar das dificuldades, a atriz afirma que a arte continua passando uma mensagem reflexiva para o espectador: “A pandemia acabou levando todos nós a nos questionarmos, pelo menos um pouco, sobre tudo. Assuntos que às vezes ignorávamos ficaram mais visíveis. Acredito que a arte ajuda nisso, além de trazer mensagens reflexivas sobre o momento que estamos vivendo e sobre como pode ser esse novo mundo pós-pandemia. A arte se torna uma válvula de escape, tanto para os artistas quanto para os espectadores”.
Da mesma maneira, para Maria Luiza o teatro é um momento de respiro e um caminho para estourar a bolha sem perspectiva de melhora em que estamos imersos. “A arte, antes da pandemia, já era crucial. Agora, então, ela é emergencial. Não só pela parte do entretenimento, mas para aqueles momentos em que você está na sua casa, em pânico, porque está todo mundo morrendo e você quer ver seus amigos, seus avós e não pode”, diz.
Para o futuro, suas perspectivas são positivas. “Acredito que no pós-pandemia, quando tivermos algo seguro e o medo da aglomeração passar, as pessoas terão necessidade de ver aquilo que é ‘aqui e agora’, que é real”, afirma Luiza. Na mesma toada, Danielle pontua: “Conforme as pessoas tomam consciência da importância da cultura, mais e mais elas irão se aproximar dela. Seja no teatro ou em qualquer outro ramo artístico. Sinto que, na pandemia, as pessoas se deram conta do quanto dependem também da arte. Como ela faz falta, seja para nos distrair, fazer pensar, ou sentir um momento de paz em meio à quarentena”. Sua esperança é de que “quando tudo voltar ao novo normal, isso não se perca, e que as pessoas frequentem cada vez mais teatros, museus, exposições e afins”.