Falta de equipamentos de qualidade, férias canceladas e licenças congeladas são dificuldades dos enfermeiros durante a pandemia, que já estão em contato próximo diariamente com o coronavírus
Desde o início da pandemia da covid-19, em março de 2020, muito se fala sobre as dificuldades que os médicos enfrentam diariamente, mas pouco sobre as outras pessoas que também estão na linha de frente. Essenciais no combate à pandemia, os enfermeiros ficam em contato com o paciente desde sua chegada à unidade de saúde até sua saída. Ainda assim, esses profissionais passam por uma crise que vai desde a falta de equipamentos de qualidade até plantões de longas horas sem descanso.
Ingrid Correia, de 23 anos, é técnica de enfermagem de uma UTI pediátrica em São Paulo e relata que “em um plantão que você fica escalado na covid, você não pode parar para ir ao banheiro ou para comer”. Ela explica que isso só pode ser feito antes e depois do plantão “porque o risco de se contaminar na hora de se desparamentar é muito alto”. Os plantões que antes duravam 12 horas passaram a durar 24.
Além disso, a queixa em relação à qualidade dos equipamentos é cada vez maior. Ingrid contou que nunca faltaram aparatos, porém o nível diminui cada vez mais, o que impossibilita a proteção adequada dos enfermeiros. “Os nossos materiais vêm da China, mas são o pior do pior, os mais baratinhos que têm. Infelizmente, a qualidade das luvas, das toucas e dos aventais foi diminuindo com o passar do tempo”, desabafa.
Diante disso, Solange Caetano, presidente do Sindicato dos Enfermeiros de São Paulo (SEESP), afirma que o órgão iniciou a testagem dos profissionais a cada 15 dias. Como uma tentativa de diminuir a contaminação, o SEESP solicitou o fornecimento de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) de qualidade e em quantidade suficiente. Conjuntamente, foram criados grupos de apoio psicológico a fim de garantir a segurança e dar o suporte necessário aos enfermeiros. Solange disse que também trabalha incansavelmente desde o início da pandemia para assegurar os direitos dos enfermeiros.
Mesmo assim, muitos funcionários tiveram suas férias canceladas em 2020 e o mesmo pode ocorrer outra vez em 2021. Benefícios como aumentos e licenças foram congelados por dois anos, atrasando a aposentadoria de muitos profissionais, como disse Margarete Calvo, 51, técnica de enfermagem das prefeituras de São Paulo e Diadema.
“Na televisão, falam que nós somos heróis. Para mim, chamar a gente de herói é pura hipocrisia, nós somos apenas seres humanos e precisamos das mesmas coisas que outros seres humanos”, diz Margarete, que tem mais de 20 anos de carreira. “A todo momento, temos que nos atualizar, reinventar e improvisar. No serviço, não tem tudo que precisa para tratar adequadamente o paciente”, completa.
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Com as novas variantes, o Brasil atinge novas médias recordes de mortes diárias e já passa dos 450 mil óbitos. As perdas prejudicam não só a saúde física dos profissionais pela exaustão, mas também a psicológica. Sandra Mainates, 45, técnica de enfermagem de UTI, se lembrou de que, quando era graduanda, ficava ansiosa para trabalhar na linha de frente com o intuito de salvar vidas, mas não de perder tantas. “Parece que vivemos anestesiados”, ela acrescenta.
Diante do cenário enfrentado, Sandra diz que o sentimento que resta é o de impotência. Já Margarete expõe que a sensação é de que a vida dos funcionários não tem valor algum e muitos têm se afastado porque não existe compreensão e solidariedade com os enfermeiros. “Se, de repente, eu não estou mais lá para fazer o serviço, não tem problema. O problema é da nossa família e de mais ninguém.”
Segundo ela, o dia a dia nos hospitais está cada vez mais difícil. Sandra relata que, quando os pacientes percebem que o atendimento vai demorar ou que simplesmente não poderão ser atendidos, passam a ameaçar e tentam bater nos enfermeiros, que estão em contato mais próximo com as pessoas.
Ingrid acredita que o governo brasileiro teve uma contribuição essencial para o estado atual da pandemia. Ela cita que a visão da doença como “gripezinha”, a crença em um tratamento precoce comprovadamente ineficiente e a demora para comprar vacinas colaboraram para que hoje o país enfrente o pior momento, com altas de casos, internações e mortes.