Segundo cientista político, bordões apelativos fazem parte de uma estratégia para popularizar o candidato entre o eleitorado
Em uma eleição, a coerência das propostas e o histórico do candidato nem sempre são suficientes para elegê-lo. O carisma e a capacidade de envolver o público têm, muitas vezes, maior influência nos resultados das urnas. Com a popularização das redes sociais e a aceleração do compartilhamento de informações, muitos políticos apostam em campanhas marcadas pela ampla participação nas redes, discursos reproduzíveis e, principalmente, um bordão marcante. Pequenas frases que ficam na mente dos eleitores e mantêm o discurso dos candidatos na memória.
Professor de pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Fernando Antônio Azevedo comenta quatro bordões políticos utilizados em eleições recentes no mundo todo, e analisa como eles representam seus respectivos candidatos.
Make America Great Again – bordão de Donald Trump
Sem dúvida um dos mais famosos bordões políticos dos últimos anos. A frase já havia sido usada por outro presidente estadunidense republicano, Ronald Reagan, na campanha que rendeu sua eleição, em 1980, mas Trump conseguiu dar mais exposição a ela.
Com uso pesado das redes sociais durante a campanha, o republicano se elegeu em 2016 como uma grande figura na mídia, sempre acompanhado de seu slogan. Contudo, na tentativa de reeleição a frase não surtiu o mesmo efeito. O motivo, diz Azevedo, pode ter sido o descontentamento da população frente às ações do presidente durante seu mandato, inclusive em meio à pandemia, e o arrependimento de seus antigos eleitores.
“O slogan que elegeu Trump foi perfeito do ponto de vista do marketing eleitoral naquele momento, em 2016. Os EUA tinham, então, dois problemas: a competição econômica da China e do sudoeste da Ásia, que atraía as fábricas americanas (acarretando a decadência dos polos industriais, como Detroit), e o desemprego gerado pela revolução tecnológica e digital. O bordão assumido por Trump fazia uso de uma nostalgia dos EUA pujantes de uma suposta idade de ouro que ele prometia reviver. Os segmentos que ficaram para trás na economia americana o elegeram juntamente com os segmentos conservadores e religiosos. No governo Trump, o slogan virou um bordão vazio, pois sua administração não entregou o passado glorioso que prometeu na campanha”, analisa o cientista político.
Ensemble, la France – bordão de Emmanuel Macron
O atual presidente francês Emmanuel Macron venceu as eleições de 2017 contra a candidata de extrema-direita Marine Le Pen. Enquanto ele apresentava visões mais brandas sobre imigração e a União Europeia, sua rival apostava em propostas radicais.
Hoje, no último ano de seu mandato (na França, os mandatos são de cinco anos), o presidente de centro deve repensar seu bordão, que significa algo como “juntos, França”, caso queira se manter na disputa.
“Macron faz um apelo pela união dos franceses contra o discurso divisionista — e xenófobo — de Marine Le Pen, da extrema-direita. É um slogan que tinha potencial também para atrair apoio da esquerda no segundo turno. Hoje, o slogan perdeu atualidade nas mãos de Macron, pois ele está no poder e o contexto político e eleitoral é outro”, afirma Fernando Antônio Azevedo.
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Get Brexit done – bordão de Boris Johnson
O Brexit (junção de british e exit) era pauta no Parlamento Britânico desde o referendo de 2016, quando 52% dos votos da população defenderam a saída do Reino Unido da União Europeia. A lentidão do processo foi fundamental para que o Partido Conservador conquistasse a maioria das cadeiras ao vencer as eleições gerais de 2019.
Apoiados no sentimento de urgência e frustração do povo britânico, os Conservadores, liderados pelo primeiro-ministro Boris Johnson, usaram o slogan “get Brexit done” para demonstrar a necessidade de “realizar o Brexit”.
Azevedo analisa como o premiê ficou associado à saída britânica do bloco, comparando o ocorrido ao momento em que Fernando Henrique Cardoso, ainda Ministro da Fazenda, se associou ao Plano Real.
“O bordão enfatizava a urgência da decisão e, como vimos, tinha o apoio da maioria do eleitorado britânico. Boris Johnson, que até então tinha uma trajetória política meio folclórica e não era muito levado a sério, decolou sua carreira ao se associar fortemente com a agenda do Brexit. Foi eleito, da mesma forma que FHC foi atrelado ao Plano Real”, pontua o professor.
Brasil acima de tudo, Deus acima de todos – bordão de Jair Bolsonaro
Jair Bolsonaro nunca escondeu da imprensa e dos eleitores seu perfil religioso, que se mescla inúmeras vezes com seus ideais políticos. O presidente eleito em 2018 construiu sua campanha com apelo à valorização da “família tradicional brasileira” e ao combate à corrupção. Segundo o professor Azevedo, a situação política do País mudou desde a eleição de Bolsonaro, e esses símbolos perderam impacto.
“O slogan marqueteiro tinha e tem um alvo: o eleitorado evangélico de coorte mais conservador do ponto de vista comportamental. Foi usado para ampliar seu eleitorado que era então majoritariamente antipetista e que estava desiludido com os tucanos. Deu certo. E certamente voltará a ser usado em 2022. Mas teremos outro cenário: Bolsonaro é o candidato incumbente e, portanto, agora é vidraça. Alienou as forças aliadas ligadas a Moro e à Lava Jato, e seu governo tem sido um desastre em todos os aspectos num momento crítico de uma pandemia enfrentada de modo negacionista. Além do mais, o antipetismo perdeu a intensidade e tração que tinha na época da Lava Jato. O slogan envelheceu e perdeu sua atualidade e eficácia eleitoral”, finaliza Azevedo.