Para Paulo Giersztajn, motorista da Uber, mesmo com as dificuldades, o trabalho no aplicativo é a única forma de manter a renda da família
“Por mim, seria muito melhor ficar em casa trabalhando pelo computador”, disse o motorista, que, se demonstrou alguma dor na voz, foi tão fraca que nenhum cliente notaria. “Eu não parei nenhum dia desde que começou a pandemia.”
É aos 53 anos que Paulo Giersztajn vai trabalhar como motorista do aplicativo Uber pelas ruas de São Paulo, na sua Nissan Livina verde, modelo 2014. Dirige mesmo com a covid-19 assolando o país. Tem medo, claro. Mas, para ele, não teve home office, nem isolamento social: só a necessidade de renda. Entra no carro pela manhã com duas máscaras, muito álcool em gel, e volta pela noite, cansado, se esforçando para evitar o contato próximo com sua esposa e filhos.
Sobrevive na mesma paciência com que lida com os passageiros no banco de trás com a máscara abaixada ao queixo. Às vezes é uma menina indo à balada, às vezes um médico no celular. Paciente, lida também, e principalmente, com a dor insuportável no joelho esquerdo.
“Dor muscular. Tem dia que dá sim. Com excesso de tempo que a gente fica no carro, o meu principal é joelho. Já tinha o joelho bichado mesmo; muito tempo sentado, e dá essa complicação,” disse Paulo, resignado, sobre a situação na qual a pandemia o naufragou.
O coronavírus sozinho já coleciona mais 500 mil vítimas, então o cenário de dor obviamente incomoda a família. A cirurgia do joelho, por vários motivos, é uma alternativa inviável, e o espectador Felipe Giersztajn, seu filho caçula de 13 anos, se preocupa com a situação: “Ele está sempre gemendo de dor e tem bastante dificuldade para caminhar.”
“Não tem jeito,” Paulo confirmou. “Não daria para ficar em casa, no computador, trabalhando… não tenho essa solução. Aí o único jeito é trabalhar fisicamente, né?”
Trabalhar foi o que fez; o que tem feito por um ano e oito meses já. Desde agosto de 2019, pelo o que conta, quando a sua empresa de indústria têxtil fechou. Em meio a uma grave crise de desemprego no País e com a necessidade de renda, a solução foi trabalhar como motorista de aplicativo. Dessa forma, dirige de segunda à segunda, faça sol ou faça chuva. Às vezes, com relaxantes musculares e anti-inflamatórios para a dor. Às vezes, não.
“Infelizmente eu tenho que sair todo dia para trabalhar.”
Preocupação da família do motorista de aplicativo
A jornada dura, geralmente, dez horas, porém pode chegar a até quatorze em um dia. O seu intervalo, de meia-hora, é usado para dar uma esticada no corpo e comer um pequeno lanche. Mas, na maioria das vezes, vai direto, sem tirar as mãos do volante. A incerteza do dia-a-dia nada mais é para Paulo do que rotina, mas certamente preocupa a sua família.
“Eu fico preocupada quando ele demora para responder a mensagem, ou para olhar… para chegar em casa também,” comentou sua esposa, Siomara Besse, de 53 anos, com quem Paulo se casou há mais de 20. “Ele tem um horário mais ou menos que ele chega. Passou daquele horário, se ele não responde a minha mensagem, eu ligo. Mesmo atrapalhando.”
Ela estava presente quando comprou o carro e se iniciou como motorista de aplicativo. Para Paulo, a Uber era uma oportunidade de se sustentar, um serviço rápido no qual seria independente, durante uma forte crise econômica. Para Siomara, uma aposta arriscada. Via o terror da pandemia se agravando: a possibilidade do vírus infiltrar no familiar, de tragicamente virar mais um número na estatística do jornal. Sem mencionar as outras complicações.
“Eu sei que tem problemas de violência, roubo, né?”, ela disse, contando o que já ouviu falar. “Dependendo, se ele vai muito para lugares mais afastado, independente de horário e dia, eu fico olhando qual o último horário que ele olhou o celular”
Geralmente, não tem nada de errado. Mas na ausência de resposta, não é difícil lembrar os crescentes relatos de motoristas abordados de forma violenta. Nos momentos mais restritivos da pandemia, as regiões periféricas, como Heliópolis, Capão Redondo e Paraisópolis, se tornaram uns dos principais pontos de destino. Nessas horas, ela liga.
“Para saber,” Siomara explicou, com um riso fraco, “se está tudo bem.” Quando Paulo finalmente chega, ela não pode sequer o abraçar.
Motoristas de aplicativo: com cuidado e sempre em frente
Na opinião do motorista, é uma questão de se adequar. Segundo ele, a locomoção na periferia é bem complicada, com ruas estreitas, ladeiras, asfalto esburacado e pouca iluminação à noite. Mas a questão do comportamento é a mais importante. “Ser bastante humilde, mostrar que está a trabalho e não aceitar provocações,” Paulo contou, já experiente. “E acima de tudo respeitar, não se mostrar nem a mais e nem a menos.”
Sobre o marido, Siomara tenta não pensar no pior e lembra que o período mais turbulento já passou. “Teve uma época que ele ficou cismado, acho que foi logo na segunda onda que deu. Ele começou a dormir na sala, no colchão, para não dormir junto comigo. Mas daí, demorou muito tempo, né, ele dormindo na sala, o sono não é igual, por causa da claridade. Falei ‘chega!’”
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Já faz quase um ano e meio que a pandemia começou. Quando chega em casa, Paulo ainda tira uma máscara e depois a outra. Se afasta rápido para lavar as mãos e tomar banho antes de jantar, pois a fina divisória de vinil que a Uber oferece não é algo no qual planeja apostar sua vida.
“Eu tenho medo sim, de sair de casa e pegar covid. Lógico. Por isso todos os meus cuidados. Muitos cuidados.”, ele expirou, cansado. “Para você ter uma ideia, eu tenho uma mãe de 82 anos, e há um ano e meio, desde quando começou a pandemia, não a vejo. Não vou na casa dela, a gente só se fala por telefone. Eu não posso nem pensar em passar alguma coisa para ela. Fiquei um tempo sem ver minha sogra também”, disse o motorista. “Mas agora, o pessoal já está vacinando. Acredito que agora possa ter contato.”
A vacina, no momento, não chegou para todos. Enquanto a pandemia persistir, Paulo – assim como outros que compartilham de sua profissão – ainda terá de arriscar a saúde e a família no trabalho, diariamente, para se sustentar. Apesar da pandemia, das abordagens, e do joelho que o dolorosamente acompanha por trás do volante.